Você já traiu o seu namorado?
- Eu estou prestes a explodir de tanta felicidade.- Disse Vivi para Emma, encarando de longe toda a multidão que compareceu ao seu evento. As duas amigas estavam no bar da casa de recepções, sentadas em bancos estofados, e observando o movimento da festa de inauguração da grife de Vivi, que estava sendo lançada por toda a América Latina.
Há mais ou menos dois anos, Virginia deixou de ser apenas uma herdeira multi-milionária, para se transformar em uma das influenciadoras mais seguidas e admiradas da internet. Todas as mulheres queriam imitar o seu estilo de vida, todos os homens a desejavam, e sempre que alguma marca de grife convidada Virginia para alguma parceria, era simplesmente um sucesso. A garota foi lançada á indústria da internet como Vivi Ferrari, e não demorou muito para que a Espósito, uma das empresas mais influentes da América Latina, lançasse em parceria com Virginia, a sua própria grife. Não existia uma mulher que não quisesse as bolsas, carteiras e sapatos Vivi Ferrari.
- Quem diria que justamente a Espósito, seria a empresa a te propor a lançar a sua própria grife.- Comentou Emma, tão entusiasmada quanto sua amiga.- Claro, não tem nada nada a ver com o fato de você ter ido para a cama com Ian Espósito, um dos herdeiros, como disse a sua irmã. Afinal de contas, eles vão ganhar rios e rios de dinheiro, porque o seu nome sempre promove tudo o que participa.- A garota se adiantou ao acrescentar.
Vivi lançou para Emma um olhar condescendente, não estava com nenhuma vontade de debater aquele tema de novo. Ian Espósito, de fato, havia sido um dos muitos homens dos quais ela já foi para a cama sem ter nenhum outro motivo especial além de desejo carnal, mas isso tinha acontecido muito antes de que ela se tornasse a grande influenciadora que é. O convite para a grife Vivi Ferrari em parceria com a Espósito havia partido do presidente, Leandro Espósito, um dos grandes concorrentes da família do namorado de sua irmã mais velha.
- Leandro Espósito nem mesmo sabe que eu já fui para a cama com o seu filho, então essa acusação da Ariela não tem o menor fundamento. Além do mais… Ela só tomou as dores do namorado dela. Não tenho culpa se a Espósito ganhou o primeiro lugar das empresas que mais fazem sucesso na América Latina.- Vivi ergueu o queixo de forma prepotente, segurando o seu copo que estava sobre o balcão, quase vazio.- E também não tenho culpa de que Leandro Espósito seja inteligente o suficiente para perceber que o meu nome pode promover ainda mais a empresa dele.-
— É isso que gosto de ver, uma mulher que sabe reconhecer as próprias qualidades.- Emma também segurou o seu copo que estava sobre o balcão, batendo-o de leve contra o de Vivi, como se brindassem.- E quer saber? Acho que foi melhor o Alan não ter vindo para o seu evento. Imagine só se ele ficasse sabendo pelas más línguas que você já t.r.e.p.o.u com o filho do presidente de seu patrocinador. Ou p.i.o.r… Que você já t.r.e.p.o.u com a maioria dos filhos dos empresários que estão aqui.-
Vivi piscou os olhos algumas vezes, fitando Emma com incredulidade. As duas eram amigas inseparáveis desde a infância, e Emma foi uma das pouquíssimas pessoas que sempre a ajudou e apoiou com a sua carreira de influenciadora digital. Mas, algumas vezes, as palavras da garota eram tão ásperas, que Vivi suspeitava que Emma havia um fetiche secreto em alfinetá-la.
- Está exagerando um pouco. Além do mais, o Alan sabe muito bem que eu não era v.i.r.g.e.m quando começamos a namorar. Tudo bem, talvez ele não faça ideia de que eu já tive tantos parceiros, mas não acho que isso tenha a menor importância.-
- E qual foi mesmo o motivo que o seu namorado te deu para não comparecer ao evento do dia mais importante da sua vida?- Perguntou Emma, novamente com seu humor ácido.
- Ele foi buscar o irmão no aeroporto. Bom, já deve estar em casa há um bom tempo, mas tem muito trabalho. Acabou assumindo alguns clientes do pai dele, e sabe que vida de advogado não é fácil.- Explicou Virgínia.
Emma estreitou os olhos, se esforçando para ligar os principais pontos da história. Sempre escutava de Vivi os enlaces conflituosos da família de Alan, mas as vezes eram tantos, que ela demorava a assimilar. Já ouviu falar a respeito de Rafael Duarte, aquele cujo Vivi chama de o fantasma sem rosto. Não haviam fotos de Rafael pela casa do próprio pai, e era como se o nome dele fosse um assunto proibido desde que, há dois anos, o mesmo foi flagrado na cama com a madrasta. Desde aquele dia, Rafael foi concluir a faculdade em Nova York, e jamais retornou para São Paulo, nem mesmo em datas comemorativas, até o atual momento.
- Nunca teve curiosidade em conhecer o seu cunhado? Digo, é no mínimo estranho que nunca tenha nem visto o rosto dele. O Alan não conversa com o irmão nem mesmo por videochamada?-
— O Alan é muito próximo ao pai, e acata os desejos dele em tudo. Foi como se tivesse que escolher um lado, e claro, escolheu o lado do doutor Marcelo. Durante esses dois anos, a única pessoa da família que teve contato com Rafael foi a mãe deles.-
— A socialite excêntrica que mora na França?- Perguntou Emma.
- Ela não é tão excêntrica assim.- Vivi defendeu a sogra.- E se quer saber, acho que ela foi muito corajosa em se separar depois de tantos anos de casamento, com três filhos já crescidos.-
- O incentivo dela foi um multi-milionário francês. Quem não teria coragem em viver a vida de uma rainha, lá na Europa?-
Vivi respirou fundo, já exaurida em tentar explicar os motivos que levou Ada Duarte, agora Ada Dubois, a deixar São Paulo e a família.
- Bom, Ada está de volta ao Brasil, vai comemorar o aniversário aqui. E esse é o motivo de que Rafael esteja voltando de Nova York.- Justificou Vivi.
- Então quer dizer que finalmente, você vai conhecer o rosto do fantasma sem rosto.- Comentou Emma.- Já pensou que ele poderia ser qualquer pessoa que você cruzou na rua hoje? Ou melhor, já pensou que ele poderia ser um desses convidados que compareceu ao seu evento? Afinal de contas, a lista está sendo controlada pelos assessores da Espósito.-
- Não sei, acho que uma pessoa que acabou de chegar de viagem não vai querer se aventurar em um evento noturno.-
Mal Vivi terminou de falar, e um homem diferente se aproximou do bar. Talvez não tivesse causado o mesmo impacto para os olhos de Emma, mas apenas o perfil do desconhecido, fez algo por dentro de Vivi incendiar. Ele gesticulou para o atendente, pedindo uma dose de uísque. Vivi sempre havia odiado uísque, mas quando aquele homem entornou o copo com o líquido amarelo na boca, ela sentiu a necessidade de experimentar. Os olhos da garota focaram nos lábios rosados e bem desenhados do convidado, e de repente, todo e qualquer barulho da festa começou a ficar distante. O estado de transe piorou, quando ele girou a cabeça na direção dela. Os olhos verdes e intensos do desconhecido a envolveram, e a fizeram mergulhar rumo a própria perdição. Vivi passou a língua nos lábios ressecados, sentia sede por algo que nem sequer conhecia. Não conseguia parar de olhá-lo, até que viu a boca dele se mover. Piscou os olhos por várias vezes, saindo de seu estado de transe.
- Você é Vivi Ferrari, não é? Desde hoje não paro de ver anúncios sobre a sua grife nas minhas redes sociais. É um prazer te conhecer.- Disse o homem.
Vivi abriu e fechou a boca, as palavras não conseguiam sair de sua garganta. Ainda estava impressionada com a presença imponente do homem, ou para falar com mais clareza, estava perplexa com as reações de seu próprio corpo quanto a presença do homem.
- Sou Rafael, acabei de chegar na cidade.- Ele ergueu a mão na direção dela, que involuntariamente a segurou para apertá-la de leve em um cumprimento.
Em qualquer outra situação, Vivi haveria somado A+B, mas não seria possível uma coincidência daquele tamanho. Além do mais, quantos “ Rafaeis” existiam no mundo? Muitos, com certeza.
- S-seja bem-vindo.- Falou a garota, finalmente.
Emma apenas os observava, com uma das sobrancelhas erguida. Soube captar de primeira os olhares insinuantes de Rafael para Vivi, e também soube identificar a atenção excessiva que sua amiga estava destinando ao desconhecido de cabelos loiros e olhos verdes atraentes demais para a sanidade mental de qualquer mulher.
- E eu sou Emma, melhor amiga da estrela da noite.- A outra interferiu na conversa paralela, esticando a mão para que Rafael a apertasse.- Como é mesmo o seu nome?-
- Rafael.- Respondeu o homem, com a expressão inescrutável e um sorriso torto.
- É empresário? Também tem interesse em se associar a grife Vivi Ferrari? Preciso dizer que a marca da Vivi é patrocinada pela Espósito, e eles são muito exigentes quanto as parcerias.-
- Não, não. Eu sou advogado, apenas vim representando a minha família, já que ninguém pôde comparecer ao evento.-
- E quem é a sua família?- Perguntou Emma.
- Por que não toma um drinque conosco?- Ofereceu Vivi, logo depois de arregalar os olhos para Emma. Se sentiu desconfortável por Rafael, que praticamente estava sendo interrogado por sua amiga. Com certeza, ele deveria fazer parte de uma das muitas e boas famílias da alta sociedade paulistana. Talvez fosse o filho de algum empresário que pretendia sondar melhor a qualidade da grife, e Vivi achava um tanto falta de etiqueta ser expansiva com as pessoas da forma que Emma estava sendo.
- Eu iria justamente te convidar para um drinque.- Rafael respondeu Vivi, olhando para a outra, em seguida.- Claro, o convite se estenderia a sua amiga.-
Vivi tomou a iniciativa de gesticular para um dos atendentes do bar, pedindo ao mesmo, três doses de uísque, exatamente o que Rafael vinha bebendo.
- Pediu uísque? Mas você nem gosta de uísque.- Murmurou Emma.
- Por Deus, fique quieta. Preciso de algo forte para sobreviver a essa noite.- Vivi murmurou de volta.
- Estou surpreso. Não querendo ser s.e.x.i.s.t.a, mas geralmente mulheres não gostam de uísque.-
- Também estou surpresa, Rafael. Não querendo ser s.e.x.i.s.t.a, mas geralmente homens não gostam de bolsas e sapatos femininos.- Retrucou Emma, com um tom sarcástico. Estava entediada, e precisou admitir para si mesma que trocar farpas com alguém, tornava tudo mais interessante.
- Não seja preconceituosa, Emma, está se referindo apenas aos héteros. E claro que, ainda assim, pode haver exceções. Não deveria rotular as pessoas dessa maneira.- Respondeu Rafael, sem se deixar abalar com as provocações.- Bom, posso não me interessar muito pelo departamento de roupas femininas, afinal de contas, o meu conhecimento sobre o assunto se limita a apenas tirá-las.-
- Como pode falar dos héteros, quando você é “ aquele tipo” de hétero?- Disse Emma, novamente.
- Não fui eu quem disse que homens não gostavam de bolsas e sapatos femininos. Admita, Emma, isso também te faz “ aquele tipo” de hétero.-
- Chega desse assunto.- Disse Vivi, impaciente com a troca de farpas.- Por que não nos fala um pouco mais sobre você?- Ela olhou para Rafael, demonstrando interesse.
Emma respirou fundo, já sabia aonde aquilo iria dar. Se durante meses de relacionamento Vivi conseguiu se manter fiel ao namorado, a julgar pelas atenções excessivas destinadas á Rafael, a boa conduta de sua amiga não duraria por muito tempo.