Desconhecido.
Choque. Talvez seja isso.
Arkansas me deixava em choque.
Senti isso quando passei pela placa de entrada na beira da estrada. As oito letras envelhecidas pelo tempo quase sumindo em meio ao matagal agora, em plena madrugada, são quase que invisíveis camufladas pela escuridão.
Passo por elas como uma flecha com a visão turva pelas lágrimas que molham meu rosto.
Achei que conseguiria passar pelo menos uma noite aqui, mas todas as memórias me perturbam, fazem com que eu queira correr para qualquer lugar para longe daqui. Eu não vou conseguir.
Contra minha mente eu sempre irei perder, mesmo que eu a treine todos os dias.
Não posso ficar nesse lugar. Achei que conseguiria encarar todos os fantasma de meu passado, mas eles são muito mais fortes do que tudo o que eu construí até hoje.
Meus soluços se misturam com minha falta de ar e numa fração de segundos, eu sou puxada para trás pelo braço com tamanha força fazendo meu rosto se chocar no peito da figura alta vestida de preto, eu tropeço nos meus próprios pés descalça, mas ele se mantém firme enquanto a nossa frente a ponte cai despenhadeiro abaixo.
Vejo todos do bar próximo onde estamos saírem para fora por conta do estrondo da ponte que cai causa e em seguida, comentários como "Meu Deus quase que a moça morre" "Por pouco".
A pergunta do moreno chama minha atenção e eu volto a olhar para ele.
- Louca - ouço ele dizer ofegante - Quer se matar é? - balanço a cabeça recuperando o folego e ele me solta - Estava correndo para onde então?- o rapaz aponta para a direção em que eu estava correndo e eu mordo o maxilar - A ponte caiu com a chuva - ele diz como se eu não estivesse vendo metade da ponte abaixo no penhasco.
- Por Deus, eu... Eu não vi - levo a mão á testa - Deus, eu sinto muito, eu... - suspiro fechando os olhos fortemente.
- Você estava pronta para cair? - o rapaz diz e só agora o olho no rosto e percebo que seus olhos cor de mel são como a lua cheia brilhante no alto do céu essa noite.
Ele espreme os lábios demonstrando insatisfação com o tempo que levo para observar sua expressão misteriosa, solta um leve riso e dá as costas.
- Eu não sabia que a ponte poderia cair - respondo o acompanhando e ele assente.
- Estava indo embora?
- Sim, eu... Preciso ir embora desse lugar - respondo evitando contato visual com ele.
- De qualquer maneira, a ponte só ficará pronta ao fim da semana e Arkansas é pouco iluminada ao anoitecer, o que significa que para sair essas horas você precisa conhecer bem a cidade, as pessoas e onde está pisando.
- Eu conheço - ele balança a cabeça soltando um leve riso.
- Se é o que você acha, eu respeito - ele diz levando as mãos no bolso de sua jaqueta de couro preta e me olha por um instante.
- Obrigada por... Me salvar - digo fazendo um coque em meus cabelos castanhos suados pela corrida de minutos atrás.
- Quer uma carona? - ele responde e noto que o Cadillac estacionado á beira da estrada, antes da ponte é dele, que entra no carro dando a partida.
- Não vou aceitar a carona de um desconhecido - balanço a cabeça dando continuidade ao meu caminho e ele me acompanha com o carro.
- Eu não sou um desconhecido. Você sabe muito bem como eu me chamo, garota da ponte - por fim o moreno de olhos cor de mel e cílios grandes, dá a partida sumindo no fim da estrada restando apenas a luz fraca de um poste e o bar a beira da ponte.
Sim, eu sabia quem ele era, como qualquer outra pessoa em uma cidade pequena saberia, mas eu não o conhecia o suficiente para saber o que ele seria capaz de fazer comigo debaixo de suas mentiras.