Fotógrafo

4587 Words
“Você nos causou bastante problemas, pirralho. Não pense que essas grades vão nos segurar para sempre. Vamos atrás de você, juro que vamos”.   Lucas parou seus passos, essas palavras nunca o deixavam. Se perguntou se o pai já passara por ameaças alguma vez; achava que sim. Balançou a cabeça para afastar os pensamentos, observando o que tinha ao seu redor além de prédios altos, carros e motos passando correndo pelas ruas e pessoas conversando sobre a vida dos outros. Observava tudo, hábito de fotógrafo era como chamavam. Seus olhos pararam em uma joaninha que repousava em uma folha. Chegou bem perto do besouro, pegando sua câmera com movimentos lentos e leves, mirou e tirou a foto. Se levantou e olhou a imagem, sorriu com o resultado.   A joaninha voou depois que a foto foi batida, pousando na mão de Lucas e esticando as asas antes de sair voando.   "Joaninhas são sinais de boa sorte, não são?", pensou, assistindo a joaninha. Guardou a câmera com um sussurro satisfeito, as vozes foram embora.   — sabia que um dia carregar essa bolsa cheia de câmeras iria valer a pena.   Seu celular começou a tocar, se atrapalhou um pouco, quase derrubando o celular quando atendeu.   — alô?   — boa tarde, eu gostaria de falar com Lucas, por favor.   — ah, sou eu.   — ótimo, sou o estilista de moda Sr. Manson. Eu quero que venha até minha empresa agora, se puder.   Lucas perdeu a voz por um tempo, piscando e processando a proposta.   — claro, Sr. Manson — concordou, seus sentimentos se misturavam entre felicidade e ansiedade.   Sr. Manson desligou a chamada.   Lucas guardou o celular. Sua expressão travada em sobrancelhas levantadas e queixo no chão quando deu um pulo, gritando "Irru!". Com olhos brilhantes, correu até a empresa.                                                                                            2   Sr. Manson colocou o celular sobre a mesa e entrelaçou os dedos. Ajeitando os óculos de aros finos, olhou para seu filho.   — problema resolvido, Miguel — disse calmamente.   — ótimo, vamos ver por quanto tempo esse dura nas minhas mãos — desafiou Miguel, estreitando os olhos para o pai.   Sr. Manson se levantou, bateu seu punho contra a mesa e depois apontou para Miguel.   — escute aqui, Miguel Manson, cansei de suas gracinhas, pare com esse ódio pelos fotógrafos, eu não aguento mais! — parou para respirar — Ou você para com isso ou sai da empresa, entendeu? — seu tom de voz era firme.   Miguel cerrou os punhos e cuspiu as palavras com um rosnado.   — sim, pai.   — de verdade, não sei de onde vem essa palhaçada — resmungou em um sussurro enquanto ajeitava os papéis em cima da mesa, batendo-os tão forte que as pontas dobravam.   — do meu passado — murmurou para si.   Miguel estava prestes a sair quando alguém bateu na porta.   — entre — pediu Sr. Manson, sentando-se direito — não faça nenhuma besteira! — lançou um olhar afiado para o filho que revirou os olhos.   A porta se abriu lentamente. Uma pessoa de cabelos curtos e escuros entrou sorrindo; carregava uma bolsa especializada em transportar câmeras.   — licença — Lucas entrou e fechou a porta atrás de si.   — boa tarde, sente-se, por favor — pediu Sr. Manson, sorrindo gentilmente e, de tempos em tempos, lançando olhares na direção de Miguel.   Lucas se sentou, olhando a sala. Teto alto; paredes pintadas com cinza escuro; quadros minimalistas; uma janela que cobria a parede toda atrás do Sr. Manson.   — primeiro quero te apresentar um de meus modelos, meu filho Miguel — direcionou sua mão para ele.   — boa tarde — Lucas sorriu em sua direção.   — ...  —  Miguel não disse nada, recebendo um olhar em chamas de seu pai.   Sr. Manson respirou fundo, mantendo uma expressão neutra.   — muito bem, quero te fazer uma proposta de emprego. Pesquisei muito sobre você, todos dizem que é o melhor fotógrafo da cidade, então quero que trabalhe para mim, quero que seja meu fotógrafo até a empresa fechar, se um dia isso acontecer, o que acha? — propôs, olhando-o com olhos brilhantes.   — claro, eu quero trabalhar aqui — aceitou sem hesitar. Já havia decidido no caminho à empresa.   — excelente! — Sr. Manson colocou os papéis do contrato na sua frente — pode começar amanhã mesmo às 7:00, em ponto.   Lucas pegou a caneta e começou a assinar o contrato. Quando terminou de assinar, um homem desgovernado entrou correndo na sala do Sr. Manson, suor escorria de sua testa. As portas que foram abertas com brutalidade bateram contra as paredes; o coração do Sr. Manson se apertou com o medo de as portas de vidro se quebrarem na batida, mas elas aguentaram bem.   — venha rápido, senhor, as recepcionistas estão brigando de novo! — pela sua aparência, ele tentou separá-las e apanhou das duas.   Sr. Manson soltou um suspiro e se levantou alisando o terno preto.   — é a sexta vez que isso acontece hoje — resmungou, andando até o homem — com licença — pediu e saiu fechando a porta atrás de si.   Os dois na sala conseguiram escutar a voz do Sr. Manson, dizendo: não consegue separar duas mulheres? E ainda apanhou? Sua risada ecoou no corredor.   Deixados sozinhos, o silêncio caiu sobre eles, sufocando Lucas que apertava a alça da bolsa.   — quer ver algumas fotos? Conhecer um pouco do meu trabalho... — perguntava Lucas, forçando um sorriso.   — quero que você suma junto com elas — interrompeu Miguel, ríspido.   Lucas arregalou os olhos e desviou o olhar, dando as costas para ele.   — desnecessário — murmurou, franzindo as sobrancelhas.   — eu falo do jeito que eu quiser — Miguel andou até ele.   Lucas o olhou pelos cantos dos olhos e não se mexeu.   Ofendido, Miguel o agarrou pela roupa e o levantou com um puxão. Os olhos de Lucas brilhavam. Nesse momento, um murmúrio de outra voz soou em seus ouvidos: "Estou aqui, Lucas". Essa voz... lágrimas se acumularam antes de escorrer pelas bochechas.   A expressão de Miguel relaxou, ele o soltou como se tivesse sido queimado, olhando para ele sem saber o que aconteceu.   Lucas caiu sentado na cadeira, tapando os ouvidos e deixando as lágrimas caírem.   Sr. Manson chegou nessa hora. A porta se abrindo acordou Lucas que secou as lágrimas rapidamente com suas mãos pálidas e trêmulas.   — se comportou? — perguntou, olhando para seu filho.   Miguel também acordou do transe, balançando a cabeça de forma sútil. Olhou de Lucas para o pai e recuperou sua natureza hostil.   — vai ser mais fácil do que pensei — disse sorrindo e saiu da sala.   Sr. Manson o observou sair da sala e negou com a cabeça. Depois de se sentar e conversar, liberou Lucas para ir embora.                                                                                               3   Às sete em ponto, Lucas estava na empresa. Terminou de assinar alguns outros papéis e pousou a caneta na mesa.   — muito bem — Sr. Manson pegou os papéis, batendo-os em pé na mesa e guardando-os na gaveta em seguida — hora de conhecer os modelos então. Podem entrar.   As portas de vidro foram abertas e um grupo de pessoas entraram. Lucas os estudou rapidamente, ficando feliz em ver como eles carregavam características de diferentes etnias. Como fotógrafo no ramo da moda, ter pessoas diferentes para trabalhar era muito interessante.   — só faltou meu filho, mas vocês já se conheceram, certo?   — certo, Sr. Manson — afirmou, baixando os olhos.   Sr. Manson saiu para uma reunião.   Lucas conversou com os modelos, intercalando entre trabalho e algumas questões não muito pessoais.  Os modelos o trataram muito bem, e tanto Lucas quanto Felipe ficaram felizes pela resposta positiva. A conversa fluía muito bem até ouvir a voz de uma pessoa.   — olá, fotógrafo — Miguel forçou um sorriso.   Quando Lucas viu e ouviu sua voz, fixou seus olhos em Miguel, se afastando enquanto o outro se aproximava.   — clima tenso — sussurrou Caio, assistindo a cena.   Nenhum dos dois prestaram atenção em Caio. Nesse momento, eram como animais tentando sobreviver; um querendo evitar o conflito e o outro partindo para cima.   — entre a família e a carreira, eu aposto que você escolhe seu trabalho, como todos os fotógrafos fazem.   — você errou, eu escolho a família — Lucas parou de se afastar.   — mentiroso! — Miguel mordeu os dentes. As pessoas no cômodo quase podiam ouvi-lo rosnar.   — você não sabe nada sobre mim e parece que nem quer saber também — seus olhos escureceram — Do jeito que você age com as pessoas, que fala com elas, você sim escolheria a carreira!   Miguel arregalou os olhos. As pessoas em volta também arregalaram os olhos, alguns até fecharam os olhos. Lucas percebeu o que tinha falado, ele tinha acabado de pôr mais lenha na fogueira.   — eu vou te m***r — murmurou Miguel, correndo e agarrando o pescoço de Lucas.   Suas costas bateram contra a parede. Tentou afastar as mãos de Miguel de seu pescoço; sem sucesso. O brilho no olhar daquela pessoa o fez estremecer. Queria pelo menos chutá-lo para longe, mas Miguel estava no meio de suas pernas.   Os modelos se assustaram com a cena. Andy e Daniel correram para levar Miguel para longe.   — EU TE ODEIO, LUCAS! — gritou, tentando se soltar de Andy e Daniel.   Lucas caiu de joelhos, tossindo e puxando o ar como um desesperado. Seu rosto pálido lentamente foi ganhando cor. Felipe se ajoelhou ao seu lado, passando a mão em suas costas.   — respira, amigo, respira — sussurrava, abraçando ele.   Miguel ficou ainda mais irritado. Andy e Daniel tinham medo que ele se soltasse. Então Jesse entrou na frente para bloquear a visão tanto de Lucas quanto de Miguel.   — EU TE ODEIO, E VOCÊ TEM A CARA DE p*u DE FALAR QUE EU ESCOLHO A CARREIRA — Miguel repetia e repetia isso.   Sr. Manson voltava para seu escritório quando ouviu os gritos e começou a correr. Xingou mentalmente o seu filho na corrida, estava ficando velho demais para isso. Chegou batendo as portas na parede.   Todos olharam pare ele, esquecendo o que estavam fazendo um momento atrás.   — que gritaria é essa na minha empresa? Trabalho com crianças e não sei?   Ninguém falou, desviando os olhares. Sr. Manson estreitou os olhos para eles, apontando um dedo trêmulo por causa do cansaço.   — não se finjam de santos agora. Parecem homens crescidos, mas são um bando de crianças mau educadas. Castigo para vocês!   — você não é meu pai — todos disseram, menos Miguel.   — mas eu sou mais velho. CASTIGO! — gritou, colocando as mãos nos joelhos; tinha acabado de correr e gastava o fôlego com uma palhaçada dessas. "Pirralhos infelizes", bufou antes de continuar — hoje às quatro, vamos para o parque. Se comportem — avisou, passando pela porta.                                                                                          4   Pontualidade era com o Sr. Manson. Às quatro em ponto, eles estavam no parque que não era muito arborizado. Mesmo assim, precisavam espantar alguns insetos.   Jesse, Caio, e Felipe ajudavam Lucas a trazer algumas luminárias. Luz natural era ótima, mas não dava para manipular.   Os modelos já estavam vestidos; de vez em quando o Sr. Manson arrumava uma coisinha ali e outra lá.   Depois de tudo montado, Lucas se sentou debaixo de uma árvore afastada. Mexer com câmeras era uma arte para ele. Algumas pessoas não percebem na foto, mas uma boa configuração muda tudo; desde a escolha da lente até a escolha do filtro. Sorria toda vez que uma configuração ia bem. Quando foi tirar uma foto para fazer o teste, quase saltou para os galhos.   Miguel estava parado na sua frente com mais um de seus falsos sorrisos.   — hei, fotógrafo que vai embora daqui a pouco.   Sua alegria da configuração perfeita evaporou. Inconscientemente, tocou seu pescoço onde as marcas dos dedos de Miguel ainda podiam ser vistas. Suspirou antes de falar.   — você não deveria estar lá com seu pai? Que é também o lugar que você fica mais longe de mim.   — eu fico e vou onde eu quero, caro fotógrafo.   — eu mereço — murmurou, reconfigurando algumas coisas.   — é só pedir demissão — Miguel disse como se fosse a coisa mais lógica a se fazer.   — e te dar a vitória de bandeja? — Lucas o olhou — esquece.   — parece que alguém vai viver o inferno na terra, então — Miguel agachou para ficar na mesma altura que Lucas. Seu olhar brilhava.   Lucas já tinha passado por muitas coisas. Pensando nisso, queria explodir de tanto rir da ameaça de Miguel. Então, percebeu o quão miserável era essa reação e as coisas por trás dela. Baixou os olhos opacos, sua voz saiu tão calma que Miguel estremeceu.   — eu já estou vivendo. Conheci muitas pessoas piores que você — Lucas o encarou, atingindo-o com seu olhar sem brilho.   Miguel arregalou um pouco os olhos, se levantando e dando dois passos para trás. Depois de encarar aqueles olhos de volta, sentiu um arrepio e foi embora.   "Lucas, tira uma foto minha?". Essa voz de novo. Lucas piscou algumas vezes, o brilho retornou aos olhos. Apontou a câmera para um arco natural feito com duas pequenas árvores e tirou uma foto, sorrindo.   — terminei — murmurou para si.   Se levantou batendo a terra das calças e foi até os modelos para começar o trabalho.   Cooperaram muito bem com ele. Queriam saber mais sobre seu trabalho e faziam perguntas; isso deixou Lucas muito feliz. Nem sempre os colegas de trabalho se importam com sua parte.   — por que quando é a vez de pessoas de olhos claros você muda tanto a luz? — perguntou Nathan, piscando um pouco por causa da luminária.   — eu mudo a luz com todos, só é um pouco mais difícil de perceber — começou a explicar — Olhos claros têm uma característica que alguns fotógrafos usam ao seu favor, as pupilas. As pupilas são bem mais visíveis, algumas pessoas se sentem atraídas por ver a pupila aumentar e diminuir dependendo da luz.   Nathan se virou para Thomas e apontou para seu próprio olho.   — você está se sentindo atraído?   Thomas foi pego de surpresa, não dizendo nada. Seus amigos caíram na gargalhada ao lado, segurando suas barrigas e secando suas lágrimas.   — não é esse tipo de atração — murmurou Lucas, coçando a nuca e segurando uma explosão de risos — mas olhos escuros também têm sua beleza; eu os interpreto como se escondessem algo, procuro valorizar isso nas fotos — terminou de falar assim que pararam de rir.   — seus olhos são bonitos — elogiou Rafael, chegando mais perto — são quase pretos — segurou seu rosto para ver melhor. Lucas se afastou um pouco, mas deixou ser tocado.   Relaxou depois um segundo, poucas vezes na vida as pessoas se aproximaram para olhá-lo com respeito, ainda mais para prestar atenção em seus olhos.   — é, seus olhos são bem escuros. Acho que são mais escuros que os meus — Andy disse, admirado.   A expressão de Miguel escureceu, ele dispersou o grupo em volta de Lucas. Depois olhou com cuidado para seus olhos. Lucas desviou seu olhar e continuou a trabalhar. Tirar as fotos foi fácil, o mais difícil chegou com Miguel.   — Miguel, sua vez — falou com a voz normal. Sabia muito bem como separar as coisas, sua briga com ele era fora do ambiente de trabalho.   Entretanto, Miguel não sabia separar as coisas. Os colegas de trabalho assistiam a árdua batalha de Lucas.   — isso não vai dar certo — cochichou Caio, enquanto Miguel se movia para todos os lados.   — Miguel, desse jeito não vamos acabar nunca! — gritou Lucas, correndo atrás dele algumas vezes.   — é, não está dando certo — concordou Rafael, vendo Lucas arrastar Miguel que jogava todo o seu peso para o lado contrário.   — Miguel Manson! — berrou Lucas, querendo jogá-lo no chão — eu não vou desistir, não posso.   — nossa, olha o melhor fotógrafo do mundo — Miguel sorriu.   A paciência de Lucas se esgotou. Soltou Miguel que caiu no chão com um baque s***o.   — bem feito! — seus amigos gritavam entre os risos.   Sr. Manson ouviu a bagunça e foi até lá.   — Miguel, já chega! — disse o Sr. Manson, vendo seu filho jogado no chão — levanta e faça o seu trabalho.   Não soube como conseguiu terminar o trabalho. Sua cabeça latejava por causa de Miguel e ainda precisava escolher as fotos. "Ahhh!", gritou internamente, caindo de cara na cama.                                                                                        5   Na casa dos Manson, Miguel estava sentando na cama, vendo a chuva fraca deixar gotas na janela. "Já conheci muitas pessoas piores que você", essas palavras flutuavam em sua mente, perfuravam alguma parte de seu coração. E aqueles olhos? Aqueles olhos escuros e cheios de brilho, se tornaram opacos, sem vida. "Olhos escuros parecem esconder algo". De fato, Lucas, o que você esconde?   Um relâmpago acendeu os céus. Miguel fechou a cortina e demorou para pegar no sono.                                                                                              6   No dia seguinte, Lucas dormia sobre a mesa. A chuva na noite anterior foi muito relaxante para ele, mas o estresse o tomou pelo resto da noite.   — Lucas! — Felipe entrou animado na sala, jogando pilhas de papel em sua cabeça.   — hm — Lucas levantou a cabeça, e os papéis escorregaram pelo seu cabelo.   — trouxe mais papéis, vi que estava ficando sem.   — obrigado — agradeceu voltando a deitar a cabeça na mesa.   Felipe se sentou na mesa e deu tapinhas na cabeça de Lucas. O dia anterior foi difícil.   — me parte o coração te ver assim, amigo — suspirou — se eu soubesse que seria assim, não teria falado sobre você para o Manson.   — não, eu precisava do trabalho. Você sabe disse — sua voz saiu abafada — preciso de café, mas não gosto muito de café.   A expressão de Felipe se retorceu mais ainda.   — você está muito m*l — Felipe parou de alisar seus cabelos — já volto.   Lucas ergueu a cabeça apenas para ver Felipe sair, nem teve tempo de pedir a ele que ficasse mais um pouco. Bufou baixinho e socou a testa na mesa.   Assim que Felipe saiu, Miguel se esgueirou pela porta. Ficou surpreso ao ver que Lucas parecia estar na mesma condição que ele, sem dormir bem. Mas vê-lo lhe deu alguma energia.   — dormindo em serviço? Que coisa — se espreguiçou no batente da porta.   — vai embora — com a testa na mesa, Lucas jogou uma bolinha de papel que nem chegou perto de atingi-lo.   Miguel viu esse arremesso vergonhoso e fez uma careta. Pegou a bolinha de papel e o jogou na cabeça de Lucas sem usar força.   Lucas nem se mexeu, deixando a bolinha pular nele e depois para mesa.   — se você pedir demissão, nunca mais vai ter que me ver.   — então vou aguentar te ver e ouvir a sua voz todos os dias.   Miguel negou com a cabeça, prestando atenção nas folhas brancas espalhadas pela sala.   — para que tantos papéis?   — minha mãe gosta de receber cartas cheias de desenhos — respondeu, erguendo a cabeça e ajeitando os papéis sobre a mesa.   — pensei que você já tivesse abandonado ela.   — por que eu faria isso? — perguntou, esfregando o rosto com as mãos — e como você é focado em abandono e família. O que aconteceu para você falar tanto disso?   Miguel arregalou os olhos e desviou o olhar.   — não te interessa — resmungou.   — meus papéis também não eram de seu interesse — retrucou, fitando Miguel.   Miguel lançou um último olhar para ele antes de sair da sala batendo a porta de vidro.   Felipe se desviou dele e entrou na sala.   — o que deu nele? — perguntou, olhando para fora.   Lucas negou com a cabeça. Sua atenção foi para caixa nas mãos de Felipe.   — o que é isso?   — é para você — colocou a caixa em cima da mesa.   Na mesma hora, Lucas reconheceu as letras na caixa. Um sorriso nasceu em seu rosto cansado quando começou a abri-la.   Abriu a caixa cheia de coisas.   — então, o que tem aí dentro? — Felipe perguntou, espiando por cima.   — nada demais — começou a tirar as coisas — são roupas, fotografias e uma carta da minha mãe.   — quer que eu leia a carta?   — pode ler — entregou a carta enquanto arrumava um lugar para deixar o porta retrato.   "Amado Lucas,   Espero que você esteja bem. Aguardo todos os dias por sua visita. Sinto saudades.                                   Beijos, mamãe"   Sua mãe sempre fora incrível. Depois que seu pai os deixou, ela trabalhou duro por dias e noites para trazer comida para casa. Secou as lágrimas que veio junto com as lembranças.   — sua mãe tem meu respeito — Felipe dobrou a carta com cuidado e devolveu para Lucas.   — ela é forte. Espero ter puxado seu lado guerreiro — disse colocando a carta na gaveta.   A porta foi aberta com um estrondo repentino. Olharam e viram Andy, Daniel, e Rafael parados na porta.   — olá! — Andy entrou e se largou na cadeira de frente para Lucas.   — olá? — Lucas e Felipe disseram juntos.   Daniel e Rafael entraram também. Rafael se jogou na outra cadeira, e Daniel se sentou na mesa; ao lado do retrato.   — essa é sua mãe? — Daniel perguntou, pegando o retrato.   — sim, minha mãe e eu — respondeu olhando a foto com um sorriso pequeno nos lábios.   — bonita — comentou Rafael — seu pai que tirou a foto?   Lucas negou com a cabeça.   — minha mãe jogou fora todas as fotos que tinham ou foram tiradas pelo meu pai.   — nossa, por que? — perguntou Andy.   — ele foi embora. Minha mãe e eu passamos por muitas coisas só para conseguir um pouco de comida.   Os olhos de Lucas estavam escuros, o brilho novamente se dissipou. Parecia perdido em pensamentos. Os amigos se entreolharam sem saber o que fazer.   Felipe foi quem mudou de assunto.   — que tal ver o que mais tem dentro da caixa, hm? — perguntou balançando os ombros de Lucas.   Lucas sorriu e voltou a tirar as coisas na caixa.   — por acaso, vocês notaram que o Nathan grudou no Thomas? — perguntou Daniel, mordendo os lábios.   — quem? — Andy e Rafael se inclinaram para ele.   — um dos novatos de ontem.   — ah, lembrei! — Andy deu um t**a na testa — ele até perguntou se os olhos dele o atraiu — disse rindo entre as palavras.   — ele mesmo — Daniel afirmou rindo também.   A memória de Rafael era duvidosa, mas assim que lembrou, estralou os dedos e segurou a barriga de tanto rir.   — e o Rafael deu em cima do Lucas — Daniel falou. Rafael e Lucas o olharam — "seus olhos são lindos", não foi isso, Rafa?   — eh, e elogiar é dar em cima agora? Cresce um pouco, rapaz — Rafael jogou uma bolinha de papel em sua testa.   Lucas sorriu desesperado e voltou a atenção para caixa. No fundo da caixa tinha uma blusa; a ergueu no ar, vendo o desenho estampado.   — que blusa linda. Caio que ia gostar — disse Daniel, passando a mão na testa.   — é uma raposa branca. Sempre admirei esses animais — dobrou o moletom e o colocou sobre a mesa — que horas são?   — hora do almoço — cantaram Andy e Daniel.   — que tal almoçar no restaurante aqui perto? — sugeriu Rafael.   — ideia aprovada! — Andy e Daniel exclamaram.   — e vocês? — Rafael perguntou, olhando para Lucas e Felipe.   — nós vamos — Felipe respondeu sorrindo.   — vou lá chamar os outros — disse Rafael, se levantando e foi seguido pelos outros dois.   — quer que eu saia? — Felipe perguntou, dando um tapinha em seu ombro.   — não, adoro sua companhia — sorriu para ele.                                                                                          7   Foram almoçar em um restaurante próximo, que também pertencia ao Sr. Manson. O restaurante era rústico; móveis de madeira bruta. Lustres com poucos detalhes. janelas altas e estreitas.   Rafael chamou os velhos amigos, os novatos, e Miguel, que não desgrudava os olhos de Lucas.   — boa tarde! Já decidiram o que vão pedir? — o garçom perguntou com o bloquinho de notas em mãos.   — não, ainda não decidimos — Jesse respondeu calmo. O garçom assentiu e foi embora.   — Jesse grossinho — Caio afinou a voz e riu em seguida.   — eu não fui grosso, fui? — Jesse perguntou, olhando para eles.   — não, ele só está brincando com você — Nathan respondeu, dando risada.   O olhar intenso de Miguel deixava Lucas em pânico. Tentava esconder seu rosto bebendo água ou cobrindo parte dele com as mãos. Estavam frente a frente e colados na parede, mesmo se quisesse não ia conseguir sair sem tocar os outros. Respirou fundo.   — dá para você parar de me olhar — Lucas murmurou mordendo os dentes — isso irrita.   — esse é o propósito — Miguel apoiou a cabeça nas costas da mão.   — estou falando sério, para de olhar para mim.   — que medo. Você é menor e mais fraco que eu; não aguenta uma briga.   — testa sua sorte comigo, então — saíram faíscas de seus olhos escuros. Miguel se divertiu com sua expressão.   Sua raiva foi dissipada pelos olhares dos outros. Seu tom de pele mudou de rosa claro para vermelho escarlate em segundos.   — estão brincando do que, crianças? — Rafael perguntou apoiando o queixo na mão.   — será que vocês nunca vão parar? Essa briga é ridícula — disse Caio, franzindo as sobrancelhas — poxa, em nenhum lugar vocês sossegam.   — tive uma ideia! Esqueçam as carreiras, não é mesmo, Thomas? — Nathan deu uma cotovelada em seu ombro.   — é sim — Thomas respondeu quase derrubando o copo de água.   — já criaram amizades? — Miguel perguntou surpreso.   — puft, vocês que estão brigando desde o primeiro dia — disse Jesse, fechando os olhos — seguem o conselho de Nathan.   Lucas cerrou os punhos embaixo da mesa. Miguel bufou desviando o olhar para a janela.   — okay, vamos tentar — Lucas suspirou, nem aguentava olhar para a pessoa na sua frente.   — okay nada, não vou fazer amizade com um fotógrafo. Pessoas desse ramo não se importam com os outros.   — ah, vai começar! — Lucas revirou os olhos e bateu na mesa — o que você tem contra o meu trabalho?   — admita, Lucas, se dessem alguma coisa para você cuidar, iria querer se livrar da coisa o mais rápido possível!   — mentira! — os olhos de Lucas pegavam fogo. Os amigos em volta podiam jurar que a qualquer momento sairiam chamas de seus olhos.   — como tem tanta certeza? — Miguel bateu os punhos na mesa e apontou um dedo para Lucas — seu trabalho é um infortúnio!   Ambos tinham as respirações rápidas e pesadas. Ambos estavam com os olhos arregalados prestes a cair das órbitas. Mas Lucas foi o primeiro a relaxar. O primeiro a se sentar novamente.   — meu trabalho é registrar memórias em uma máquina fotográfica; garantir que uma pessoa não se esqueça do que valeu a pena viver, garantir que as pessoas saibam a verdade. Meu trabalho não é um completo infortúnio.   Ouvindo sua voz suave. Vendo sua expressão relaxada. Encarando seus olhos brilhantes, cheios de vida. Miguel relaxou e se sentou novamente.   Os amigos se entreolharam sem saber o que fazer. Talvez, fosse melhor não fazer nada.   A comida chegou. Aos poucos, as conversas retornaram à mesa.   Miguel e Lucas não trocaram mais palavras, mas Miguel continuou a olhá-lo algumas vezes.

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