Naquele dia em especial, todos os hóspedes almoçaram juntos na sala de jantar. Com a cozinha típica do interior, foram servidos vários pratos: arroz de brócolis, suflê de legumes, galinha caipira ao molho pardo, feijão tropeiro, tutu de feijão, mandioca cozida e para sobremesa um cremoso pudim de pão e pêssegos em calda com creme de leite.
Os mais jovens conversavam e faziam planos, pois estavam muito animados com a notícia da festa da padroeira da cidade. Letícia decidiu montar uma barraca na festa para colaborar com a igreja e conseguir um dinheiro extra.
— O que acha, Rafa? — Disse Letícia. — A gente pode montar uma barraca de pescaria para as crianças, é divertido e ainda dá para ganhar dinheiro.
— Acho uma ótima ideia, mas acho que só nós dois não daremos conta de atender a criançada. Quer se juntar a nós, Vitória?
— Não mesmo! Não tenho paciência com crianças cheias de açúcar no sangue, além do mais, não vê que Letícia pensou apenas em vocês dois e não mencionou chamar mais ninguém? Não tenho disposição para empatar f**a, nem segurar vela!
— Você está enganada, Vitória! Letícia estava pensando apenas nos lucros, quanto menos gente, menos pessoas para dividir... ela é muito eficiente nos negócios. – Respondeu Rafael. — Não precisa ficar enciumada!
Letícia ficou vermelha por constrangimento ao ouvir as palavras de Vitória, em seguida ficou da mesma cor, mas de raiva, ao ouvir o descaso de Rafael e preferiu ficar calada.
— Então, Vitória, o que acha de se juntar a nós no mundo dos negócios? — Insistiu Rafael
— Não rola! Não estou nem um pouco interessada. — Respondeu Vitória com um sorriso frio.
Rafael olhou para Vitória decepcionado e frustrado, dizendo:
— Você é quem perde! Então, seremos apenas nós dois, Letícia, dividiremos o trabalho com a criançada e o lucro. Sei de um lugar que vende brinquedinhos e bugigangas baratas para as prendas. A senhora vai participar, Dona Dalva?
— Sim, claro que vou! É minha santa de devoção e participo todos os anos, esse ano ficarei na barraca dos bolos, o padre me pediu para ajudar. Vou preparar bolos diversos: milho, aipim, laranja, banana, coco, chocolate...
— Nós iremos a essa festa, mas só como convidados. Estamos aqui de férias para relaxar, não queremos nem chegar perto de vendas, não é Ivan?— Disse Rita servindo mais um pedaço de pudim de pão para o marido.
— Com certeza, querida, nada de trabalho aqui no paraíso!
— Nunca participei de uma festa dessas, nós também podemos ir, Henrique?
— Não gosto desses eventos de caipira! — Respondeu Henrique impaciente.
— Mas todos irão, e vai ser bom frequentar algo diferente do que estamos acostumados, além disso, Bia iria se divertir tanto... e eu também!
— Mais tarde conversamos sobre isso, me deixa terminar de comer em paz.
Ana abaixou a cabeça para evitar os olhares dos outros hóspedes. Sentia-se constrangida com a grosseria do marido.
A mesa ficou em silêncio por alguns instantes, até que Rita iniciou outro assunto para melhorar os espíritos.
Depois que todos acabaram de comer, Dona Dalva se levantou e ofereceu um cafezinho aos hóspedes. Alarmado, André escorregou para fora da sala de jantar sem dizer nada e foi até o lago artificial que fica ao lado da entrada da sede. Era um lago razoavelmente extenso, mas não muito fundo, repleto de peixes, rodeado de pés de Jamelão e coqueiros intercalados, construído para a prática da pesca para os hóspedes.
Pouco minutos depois da chegada de André, Rafael apareceu caminhando em sua direção, mas foi interrompido por Letícia.
— Rafa, o que você acha de irmos hoje mesmo para o centro da cidade?— Ela parou na frente dele, barrando-lhe o caminho, e ajeitou os óculos com o dedo indicador. — Eu tenho umas coisas pra fazer lá e você pode pedir permissão ao padre, para montarmos a barraca.
— Olha, Letícia, eu não estou à fim de para o centro, muito menos de falar com padre hoje, melhor deixarmos pra ir amanhã.
— Mas hoje seria perfeito! Eu tenho umas coisas pra resolver por lá, poderíamos aproveitar e resolver logo tudo sobre a barraca e depois poderíamos tomar um sorvete... O dia está muito quente hoje, não acha? Nem parece final de outono!
Rafael se sentiu aflito, a insistência de Letícia mais repelia do que atraía.
— Já que você tem coisas pra resolver e quer tomar o sorvete, porque não aproveita e pega a autorização você mesma? Mais tarde eu vou comprar as prendas e estará tudo resolvido! Não há razão para nós dois nos entediarmos no centro hoje, como você mesma disse, está um baita calorão! Tome seu sorvete e divirta-se! — Disse Rafael beirando a grosseria ao virar para o outro lado, desviando dela para seguir caminho.
— Você é um i****a, Rafael, vá para o inferno!— Letícia gritou irritada enquanto seguia em direção a garagem.
Rafael respirou fundo fazendo uma careta e se aproximou de André, que parecia estar distraído atirando pedrinhas no lago.
— Mulheres! Não vivo sem elas, mas sabem ser irritantes.
Rafael debruçou-se na pequena cerca de madeira, que circundava a maior parte do lago. André se aproximou dele sorrindo e debruçou na cerca ao lado de Rafael.
— Problemas com o s**o frágil?— Perguntou André em tom de troça.
— "s**o frágil"?— Rafael arregalou os olhos, em uma expressão que pareceu ao André um tanto cômica. — Nunca entendo o que elas querem ou se querem alguma coisa, e não importa o que eu faça, nunca consigo agradar!
André o encarou, seus olhos verdes brilhavam.
— Me pareceu fácil saber o que Letícia queria...
— Letícia? Ah, sim... tanto faz.
Os dois viraram o rosto ao mesmo tempo seguindo o som de passos se aproximando. Era Vitória, que se aproximava deles ao lado de Ana
— Aí estão vocês! Eu estava conversando com Vitória sobre a cachoeira que você mencionou mais cedo, André. Ela confirmou suas palavras sobre o lugar ser incrível, com excelente vista e que seria um lugar maravilhoso para construir uma casa.
— Exatamente!— Confirmou Vitória sorrindo. — Um local perfeito para constituir família.
— Gostariam de ir até lá agora? — Perguntou André.
— Eu gostaria, mas tenho que ir ao centro da cidade, na casa de correios para enviar uma carta.— Disse Vitória
— Vai para o centro agora? — Perguntou Rafael. — Se quiser te dou uma carona até lá.
— Pois eu aceito a carona, Rafa, estou sem disposição para a enorme caminhada. Poderia me levar agora?
— Claro! Vamos logo para aproveitar a tarde curtindo um passeio. Nesse calorão um sorvete cairia bem, não acha?
Despediram-se de André e Ana, e seguiram juntos para a garagem.
André riu balançando a cabeça de um lado para o outro, ao que Ana, curiosa, perguntou o que se passava na mente dele.
— Acreditaria se eu te dissesse que ainda agora Rafael dizia não estar com a menor vontade de ir ao centro do povoado, nem de tomar sorvete?
— Sério? Pois pareceu estar com muita vontade de acompanhar Vitória, deve ter mudado de ideia, então...
Os dois riram e André concentrou o olhar na bela mulher que estava ao lado dele. Ana vestia shorts jeans e uma camiseta de malha branca simples e despretensiosa. Mas os olhos de André registraram que, por baixo da camisa, era possível perceber a sombra do biquíni. Mesmo vestida de maneira tão simples, ela era uma visão premiada. Seus olhos azuis contrastavam com os cabelos negros e pele alva.
Sem dúvidas, uma mulher muito bonita. A presença dela no sítio era uma surpresa muito agradável.
"É mais bonita ainda pessoalmente!"
— O que disse?— Perguntou Ana ao não ouvir direito as palavras de Andre.
— Não é nada, estava apenas pensando alto.
— Costuma pensar em voz alta quando está acompanhado?
— Às vezes, quando me distraio.— Respondeu André achando graça da situação. — Não vá pensar que sou alguma espécie de louco, por favor. — André pediu em tom de brincadeira.
— Não vejo problema algum em ser um pouco louco, às vezes, desde que seja um louco inofensivo. — Disse Ana, piscando um olho.
— Confesso que, "às vezes", para algumas pessoas, posso ser muito perigoso. — Ripostou André com súbito brilho nos olhos, depois disse: — Onde está a pequena Beatriz?
— Está com o pai.
— Eles não querem ir à cachoeira?
— Não... — O rosto dela se anuviou. Distraidamente, ela passou a mão sobre o ombro esquerdo, então, completou. — Ele vai levar Bia para passear no povoado.
— Uma pena, tenho certeza que ela iria adorar o passeio, mas eles poderão ir outro dia, vão gostar muito.
— Você me levaria agora?
— Claro! Já é hora de visitar meu lugar favorito desse sítio. A senhora vai ver como é tranquilo!
— Para com isso, André, fica me chamando de senhora, me sinto uma velha.
— Desculpe-me, Ana, não foi minha intenção de maneira alguma, posso te chamar de você?
— Não só pode, como deve. Não estamos nos anos vinte! — Respondeu Ana, sorridente.