Capítulo 1
Bater o couro contra as pedras era uma tarefa árdua e difícil. O saiote encardido dobrado sobre os joelhos mostrava o tamanho do esforço de Celine em lavar os longos casacos, grossos lençóis e mantos pesados. Essa nem era a parte difícil, ainda teria de cozer na gordura e soda para não deixar o branco encardido. No momento, restava-lhe tirar o suor da testa sob as amarras da touca bordada e esfregar, já que a vida de Celine era uma constante difícil. Jovem e defeituosa, advinda da miséria, trabalhava para ladys por algumas moedas. Raramente recebia algum vintém em ouro, mas quando tinha sorte, conseguia alguma prataria minuciosa. Sob o sol escaldante, sentia as bochechas brancas queimar e o cansaço bater. As águas do rio bravo, apesar de ter fortes correntes, aliviavam a tensão do serviço enquanto ela alternava suas bacias. A esfregadeira já estava torta, logo precisaria de concerto, mas nunca o faziam sem antes desgastá-la no serviço.
Com a perspectiva de ouvir um som além de seus ouvidos, Celine teve um minuto de distração. Ela levantou os olhos, jogou um dos panos na bacia sob as pedras e ajeitou as costas. Respirando cansada, tentou enxergar entre os arbustos e verdes aflorados da mata envolta ao rio, mas não enxergou nada além de folhas, água e a admirável arquitetura natural. Sendo assim, preocupou-se em alongar os músculos cansados do corpo, voltando então a velha bateção das peças contra a pedra. Nem mesmo foi capaz de torcer outra tira e sentiu-se distrair novamente, mas dessa vez, assustou-se.
Colocando o cavalo para beber um pouco de água, ao seu lado havia um homem que, certamente, Celine jamais esqueceria. Ele tinha couro sobre seu corpo, um manto aveludado junto às amarras entalhadas, e botas surradas. O olhar carrancudo do homem lhe causava estranheza, sensações que faziam Celine engolir com certa dificuldade. O cinza de sua íris saía pesadamente de suas pálpebras para a moçoila, sem nenhum pudor. Mais precisamente, o homem tinha embainhado em sua cintura uma espécie de machado grosso, cujo cabo rebuscava uso e força. A estatura era a de um homem grande, sendo Celine uma criatura minúscula. E notando que olhara demais, de um forma tardia, ela tentou cumprimentar o homem de olhar pesado.
— M-mm… — balbuciou curvando-se, enquanto secava as mãos em seu saiote.
Celine era defeituosa em muitos sentidos, sendo seu maior defeito a língua incomum. Nasceu com a camada grudada, tendo pouca elevação no músculo do paladar, não conseguindo falar. Produzia ruídos grotescos, balbuciava como um animal e não tinha clareza em suas tentativas, sendo o silêncio seu melhor escudo. Leiga em muitas coisas, sua sabedoria se baseia na pouca educação domiciliar e broncas de sua mãe, seguida dos irmãos mais velhos. As formalidades para com os mais velhos era tida em jamais olhar em seus olhos, nunca abrir sua boca e sempre se curvar. Não que o homem fosse velho, mas com certeza já passara da nova juventude. O intruso tinha a careca lisa dos lados e presilhas pregadas no topo fazendo tranças rebuscadas, mostrando suas origens. Um homem dos montes selvagens. Geralmente, só os comerciantes de pele usavam barbas tão longas e esse tipo de manejo nos cabelos, o que fazia o homem ter um certo charme, mas Celine não ousou se aprofundar nisso.
O homem permaneceu intacto, sem ao menos responder o cumprimento, olhando sem nenhuma cautela para as panturrilhas expostas da pequena Celine, já que a mesma mantinha os saiotes amarrados para não pesar no corpo molhado. Envergonhada, a jovem não sabia o que fazer, apenas teve o cuidado de desviar a atenção e não olhá-lo diretamente, rezando internamente para que o homem focasse em outro lugar; pois de alguma forma, o olhar sombrio do pecunioso lhe designava um certo tipo de desconcerto, ao qual ela novamente se mantinha leiga sobre como agir. Entretanto, para sua sorte, um grito abundante seguido de um estrondoso barulho seco ecoou ao longe, roubando a distração de qualquer um ali presente. Com certo desgosto, o homem grande puxou os arreios de seu cavalo impedindo-o de prosseguir com os goles de água, subiu no animal e enviou mais uma dose de seu olhar sombrio para Celine, adentrando assim a relva densa, provavelmente para caçar.
Celine sentiu-se aliviada quando o homem se afastou, mas sorriu, não sabia o motivo, apenas sorriu. Ela era apenas uma moçoila, sem voz e sem expectativas. Infelizmente, não cabia nem mesmo a um casamento vantajoso, já que não podia debutar. Sendo assim, aquietou-se. Era um belo homem, bonito demais para qualquer expectativa da menina.