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2133 Words
AYANA "A vida é um sopro", você já deve ter ouvido essa frase algumas vezes acho que todos acabam ouvindo antes que seja sua vez de encarar a morte e a solidão do caixão frio de madeira.Mas digo com autoridade que essa frase é falsa, a vida não é um sopro nunca foi.A vida é composta por minutos, dias, meses e anos que em sua maioria passamos reclamando e brigando com quem amamos uma questão que me intriga.Por que deixamos para falar que amamos alguém quando essa pessoa morre? Por que rasgar o coração e admitir o que sente só é importante quando o outro não pode responder? Para o meu pai amor era falar, falar que sentiu saudades ou que se decepcionou com uma atitude.Amar era cuidar e se importar, era dizer te amo quando tinha saúde e vitalidade mesmo não sendo um dia especial.Nunca deixei para depois o que tinha para dizer como ele havia me ensinado, mas mesmo assim nesse momento sinto que poderia ter lhe dado mais abraços e dito mais palavras carinhosas ao pé do ouvido. Mas agora isso não importa pois o tão temido dia de dizer adeus sem ouvir uma resposta chegou, me ver no espelho ajeitando o vestido tubinho azul claro de decote coração e alças finas é desesperador.Quando tento puxar ele mais para baixo e o vejo ficar três dedos acima do joelho me lembro dele entrando pela porta, seu sorriso doce e olhos brilhando sempre seguidos da mesma frase "amo esse vestido em você".Respiro fundo e me sento na ponta da cama ainda conseguindo me ver no espelho quando alguém bate a porta duas vezes. Ayana:-Pode entrar.-digo observando meus longos cachos pretos presos em duas tranças embutidas. Minha mãe entra e a observo pelo reflexo do espelho, nunca vi Célia Sartori tão abatida ela sempre foi o lado forte do casal.Era ela que ditava as regras e dava a última palavra sábio era meu pai em obedecer e claro ele também sabia a mulher inteligente que tinha, "ganhei na loteria" era o que ele sempre dizia quando se referia a ela.Eu jamais discordaria dele ela é uma incrível e bela mulher puxei muitos dos seus traços, a pele morena como jambo e cabelos bem pretos e cacheados mas tenho a impressão que esses atributos nela combinam muito mais. Célia:-Estamos atrasadas.-avisa enquanto aperta o vestido preto com mangas longas em renda, o jeito que ela o aperta da a impressão que esta limpando o suor das mãos.-Escolheu bem o vestido ele gostava muito desse.-seu sorriso fraco me mostra que mesmo hoje ela esta tentando manter a postura de sempre de mulher forte. Ayana:-Eu sei, ele sempre dizia o quanto gostava dele em mim.-respondo me levantando e me viro para ela.-Vamos? Célia:-Vamos sim, aliás o Daniel chegou vamos no carro dele.-ela se olha no espelho e ajeita o r**o de cavalo que hoje esta escovado antes de voltar sua atenção para mim.-Agora sim podemos ir. Ela sai do quarto e a sigo pelo corredor e a escada, a casa nunca pareceu tão vazia apesar dela ser grande demais para apenas nós três papai estranhamente tinha o poder de preencher toda ela com sua energia, era algo surreal.Ao pé da escada Daniel me espera com uma calça social preta e blusa social também preta ao me aproximar ele me abraça, seu corpo alto e forte me guarda perfeitamente em seu abraço de uma forma muito carinhosa e quente.Ao desfazer o abraço vejo seus olhos e rosto vermelhos, sua pele bem branca entrega seus sentimentos a todo tempo e também nem precisaria afinal é como se ele também tivesse perdido um pai. Daniel Greco além de ser meu namorado a anos também foi sócio do meu pai no primeiro negócio dele depois de completar a maioridade, meu pai sempre o tratou com muito carinho feito um filho.Daniel sempre que podia falava do quanto era grato pela fé que meu pai depositou nele, fé essa que seus próprios pais não tiveram no filho. Daniel:-Você esta bem?-pergunta me encarando com seus olhos verdes escuros. Ayana:-Não, mas dizem que a pior parte é o enterro então se eu passar por hoje vou ficar bem.-respondo acariciando seu cabelo liso num tom loiro acinzentado sempre amei seus cabelos, Daniel por inteiro parece ter saído de um filme infantil de seres mágicos. Célia:-Temos que ir agora.-minha mãe avisa e sai pela porta, ela mais que qualquer um quer acabar logo com tudo isso. Enquanto Daniel dirige em direção ao cemitério vou ao seu lado em silêncio, observando a janela consigo pensar em tudo e em nada ao mesmo tempo.Um filme silencioso se passa na minha mente de cada momento bom que tive com meu pai, ate mesmo aqueles momentos que me pareciam tão comuns e banais parecem especiais agora. O carro para junto com o vento que entrava forte pela janela, minha mãe desce do carro rapidamente e desço logo em seguida.Esse cemitério grande já é familiar para mim, meus avós também estão aqui por parte de mãe e por parte de pai.Ser enterrado no jazigo da família era a honra pós morte que meu pai almejava não tão cedo claro, mas era o que ele queria quando o momento chegasse. Daniel:-Esperava mais carros.-diz dando a volta no carro olhando tudo em volta. Célia:-Só convidei quem realmente gostava dele, melhor um enterro com poucas pessoas que o amavam do que muitas que só queria puxar seu tapete em vida. Daniel:-Faz todo o sentido.-sinto sua mão direita sendo colocada em minha cintura e começamos a caminhar juntos com minha mãe nos acompanhando. De fato há poucos carros na porta do cemitério, não pode se comparar com a quantidade de pessoas que iam nas festas que ele fazia ou ate mesmo seus encontros de negócios.Meu pai era cativante alguns minutos de conversa e você sentia que poderia conversar com ele por dias, chegava a ser estranho e chato para mim porque me causava ciúmes de ter que dividir uma preciosidade daquela com tantas pessoas. Subimos em passos lentos a rua de pedra do cemitério a medida que nos aproximamos posso ver as pessoas conversando, algumas sentadas nas cadeiras próximas ao caixão preto fosco e outras em pé.São no máximo quinze pessoas entre amigos próximos e parentes, meu pai por ser uma pessoa decidida já havia comentado em vida como queria que tudo fosse feito e seguimos seus pedidos.Velório ao ar livre com uma bela foto ao lado do caixão n***o, a foto logicamente deveria ser dele sorridente mostrando que conseguiu aproveitar a vida como se deve ser. Ayana:-Era assim mesmo que ele queria.-digo observando a bela foto em que ele aparece descontraído em seu escritório, depois volto a atenção para a grande coroa de flores amarelas com a frase que ele tanto gostava "unidade é força, divisão é fraqueza". Interrompo meus passos observando a faixa com a frase, ela não é uma frase tão comum no Brasil pois foi ensinada para ele pelos pais africanos bons pais aliás que ele amou muito.Amou tanto que passou para mim tudo que aprendeu com os meus avós que se mudaram já adultos para o Brasil e o tiveram depois de alguns anos, meu pai gostava muito das suas origens por isso escolheu o meu nome que significa bela flor. Daniel:-Se não quiser cumprimentar todo mundo vamos nos sentar.-diz próximo do meu ouvido e então percebo minha mãe cumprimentando as pessoas uma a uma. Ayana:-Não quero cumprimentar ninguém.-aviso e ando ate próximo ao caixão mas evito olhar para dentro dele, me sento e Daniel se ajeita na cadeira ao meu lado. O velório começa e o pastor da igreja que frequentávamos fala bastante sobre o que vem depois da vida, sobre a recompensa por sermos bons como se uma mente tranquila não fosse o suficiente.Nunca entendi muito bem a lógica de se fazer o bem para receber algo em troca, o bem precisa ser feito mesmo que a recompensa seja ingratidão eu quero apenas transbordar o que há em mim sem um porém ou expectativa de ganho. De onde estou sentada posso ver suas mãos cruzadas sobre o peito as mãos de Paulo Sartori que em vida trabalharam de forma constante noite e dia, e sempre trabalhou com animo e prazer.As palavras do pastor começam a ser ignoradas por meus ouvidos ate que minha mãe se lavanta e caminha para próximo do caixão, vejo ela suspirar se preparando para falar. Célia:-Eu poderia passar o dia inteiro aqui falando sobre como meu marido foi um bom homem.Mas por que eu faria isso? Todos aqui o conheceram de perto viram com seus próprios olhos o tipo de pessoa que ele foi, sem falsidade nem segundas intenções Paulo era exatamente tudo que os olhos de qualquer um podiam ver.-ela suspira e fita a aliança grossa de casamento e depois ergue novamente a cabeça.-Estou triste por sua partida mas parte de mim se conforma porque ele não levou sonhos para dentro desse caixão, tudo que ele almejava foi conquistado em vida e isso já é mais do que muitos conseguem.Então não tenham pena dele por morrer ainda jovem ele viveu em cinquenta anos o que pessoas de noventa não viveram. Ela estava certa em tudo, meu pai realmente foi um homem muito realizado.Talvez vidas longas não sejam tão importantes ter uma vida breve mas completa me parece muito melhor.Depois dela se sentar novamente eu dispenso a oportunidade de falar, o que precisava ser dito sobre nós dois já havia sido falado quando ele ainda podia me ouvir e convenhamos que velórios não são para os mortos eles servem para a reflexão dos que estão ficando e tendo outras chances. Depois do velório eu me aproximo do caixão antes que o fechem, observo seu rosto com uma feição de tranquilidade e me sinto confortada ele parece estar apenas dormindo.Coloco a mão direita sobre suas mãos e dou um leve aperto como um tchau silencioso, depois me afasto e deixo que fechem o caixão.Passo todo o sepultamento revivendo memórias nossas e me perco um pouco na minha própria mente ate que volto a mim quando as pessoas se aproximam para se despedirem.Despeço rapidamente de cada um ate que meus sogros se aproximam, Félix esta visivelmente triste em seu terno preto, seu olhar meigo para mim me arranca um leve sorriso. Félix:-Sinto muito Ayana, ver o quanto vocês eram próximos me encantava sei que vai demorar para processar tudo isso.-ele me abraça forte enquanto lamenta.-Se precisar de qualquer coisa pode contar com a gente.-ele desfaz o abraço e o encaro, Félix é a versão de Daniel daqui uns anos.Cabelos loiros acinzentados ainda cheios e uma barba baixa mas bem cheia apenas os olhos de Daniel se diferem dos olhos do pai que tem um tom mel no olhar. Ayana:-Sim nós dois sempre fomos muito próximos desde que me entendo por gente, e sim se eu precisar de alguma coisa converso com vocês.-aviso enquanto nos afastamos.-Eu nem tinha percebido vocês aqui estava com a mente bem distante, se tivesse visto os dois eu iria cumprimentar vocês. Lorena:-Nós chegamos depois de vocês e sentamos mais atrás foi por isso também que não nos viu.-Lorena se explica me olhando de forma doce, sabe os olhos que Daniel não puxou do pai? Eles são dela, ela tem os olhos mais verdes que já vi na minha vida num tom escuro perfeito.Seu cabelo ruivo ondulado a altura do ombro o realça ainda mais.-Se quiser ir passar uns dias na nossa casa vai ser bem vinda, sei como é morar numa casa onde tudo te lembra o luto.-diz fofa e me abraça, ela conhece o luto por ter perdido os pais bem cedo e com certeza esta certa sobre ser difícil voltar para aquela casa.-Você vai ser muito bem vinda se resolver ir.-afirma depois de desfazer o abraço. Ayana:-Eu não posso, preciso fazer companhia para minha mãe e também acredito que no dia que eu voltasse o luto ainda estaria lá.Mas mesmo assim obrigada. Lorena:-De nada querida espero que consiga se recuperar o quanto antes. Célia:-Vamos embora?-pergunta se aproximando enquanto me encara. Ayana:-Vamos sim, você já cumprimentou o Félix e a Lorena?-pergunto e ela confirma com a cabeça. Célia:-Não tive tempo de conversar mas cumprimentei sim. Lorena:-É melhor deixar para conversar outro dia, nós também já vamos. Félix:-Eu já disse para a Ayana e agora estou te falando.-ele olha minha mãe nos olhos e complementa.-O que precisarem é só pedir, nem pense duas vezes. Célia:-Se for preciso a ajuda avisamos mas creio que vai ficar tudo bem, afinal de contas Daniel era o sócio do meu marido e vai ensinar o necessário para Ayana cuidar da parte que era do pai. Daniel:-Sim vou ensinar tudo a ela.-avisa me abraçando de lado.-Depois de um tempo é claro, por enquanto toco o barco sozinho.
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