Capítulo 03

1402 Words
Zuldrax  Mais de um mês se passou, e a 'tão importante' missão continuava sem nenhum progresso. Desesperado, Alister convocou sua guarda pessoal para acompanhá-lo em uma jornada. Vislumbrei seu rosto determinado. Aquele reizinho queria ir para Salis, o terceiro grande reino de nosso mundo. Para nós, eles não fediam nem cheiravam. Tratava-se de um povo simples, sem capacidades especiais, cujo intelecto era seu único orgulho. Não queriam guerras e não se metiam nos nossos assuntos. Desenvolviam-se em busca do progresso e da ciência. Sua neutralidade me deixava enjoado, mas não os odiava e, portanto, não via motivos para caçar briga em seu território. Eles tratavam de forma cortês qualquer um que pisasse em seu reino e, justamente por isso, nem os halisianos nem os zafisianos os visitavam. Não queriam correr o risco de se encontrarem e gerarem tumulto no meio daquela gente. O fato de Alister estar indo para lá só poderia significar que ele estava realmente desesperado. Isso me alegrava. Em uma das conversas que teve com Haigar, seu “fiel” amigo e meu espião, soube que a biblioteca de Halis continha apenas parte do segredo para a viagem dimensional e Alister acreditava que a biblioteca de Salis possuía a parte chave do feitiço de que precisavam. Resolveram ir ao reino de Salis e implorar ao rei Nicolas que lhes permitisse estudar os livros da biblioteca real de Seradon. Queria que algo r**m lhes acontecesse pelo caminho, mas, infelizmente, a viagem correu bem. Inicialmente, foram bem recebidos pelo rei Nicolas e sua esposa, Megan, que os convidaram para um jantar. Alister aceitou o convite com uma cortesia exagerada. Com um aperto de mão, disse: — Será uma honra jantar com Vossa Majestade e sua bela família neste reino tão encantador. “Hipócrita”, pensei. Ele queria agradar o rei Nicolas com palavras doces para ver se conseguiria mais facilmente seu objetivo, e acabou que, mais tarde, conseguiu. No jantar, Nicolas apresentou seu filho Henry. Rolou uma conversa chata, uns risos para lá e para cá, mas logo a coisa ficou séria. Alister começou a relembrar a história de sua família. Disse que acreditara que sua irmã estava morta e que agora seu maior desejo era revê-la. Todos naquela mesa se emocionaram com a história, e a família real inteira se compadeceu de Alister. Ele obteve, então, a permissão para que Hiratamino estudasse os livros da biblioteca. O príncipe Henry, em especial, ficou muito interessado nessa história de viagem dimensional e resolveu ajudar. Ele tinha um espírito aventureiro, pelo que pude perceber. Queria ver se realmente era verdade e, caso fosse, conversar com Lenissya para descobrir mais sobre o outro mundo. Alister consentiu, afinal, estava em débito com eles. Hiratamino ficaria hospedado no castelo real, na cidade de Seradon, até encontrar o que precisava. Alister e seus homens voltaram para Henir, afinal, ele era o rei, e caso se descuidasse, eu não pouparia esforços em trucidá-los. Passaram-se algumas semanas. Alister caminhava impaciente de um lado ao outro de seu quarto. Haigar estava com ele, tentando acalmá-lo, mas era inútil. Seria outro dia monótono se não fosse pela estranha figura que apareceu ao final do dia no palácio. Era Hiratamino. A seriedade em seu rosto fez com que Alister duvidasse por alguns segundos que havia esperança. No entanto, erguendo um livro grosso, de capa branca, com uma gravura hexagonal na frente, disse: — Encontrei o feitiço de que precisávamos. Alister não se conteve de alegria e disparou sua energia em forma de um feitiço luminus, iluminando a sala central do palácio com a cor que representava o reino de Halis: o azul. Ele estava empolgado, mas o velho Hiratamino interrompeu sua alegria, dizendo: — Não será fácil trazê-la de volta, talvez seja impossível. O feitiço que precisamos está entre os mais complexos de Nível 4. Quem diria que seria assim? Talvez Lenissya realmente não pudesse retornar. Acho que fiz a mesma cara que Alister e seus subordinados naquele momento. Estive perdendo tempo acompanhando essa missão estúpida, quando havia tantas outras coisas importantes a fazer. Talvez houvesse outra maneira de chegar a Lenissya para matá-la... Nível 4 é um nível máximo de domínio da energia aura. Eu possuía esse nível à maneira zafisiana, mas Alister não passava do nível 3. Mesmo sendo da família real, ele não herdara o grande potencial da energia halisiana. Hiratamino, com muitos anos de experiência e treino, a muito custo chegou à força máxima do nível 3, o mesmo potencial de Alister. Grande parte da população era apenas nível 1, os guardas em geral possuíam nível 2, e alguns poucos magos mais treinados conseguiam feitiços simples de nível 3. Quando a maior parte da esperança deles se esvaiu, Hiratamino se ajoelhou perante o rei e disse: — Mas se me deres tempo e me permitires, treinarei, me fortalecerei, e, se necessário, morrerei tentando trazer Lenissya de volta. Alister respondeu: — Sabes o que me pedes? Jamais o sentenciaria a tal destino! — Não há outra escolha e Vossa Majestade sabe disso. O rei abaixou a cabeça e ficou pensando por uns instantes. Em seguida, ergueu seu olhar e, encarando seu amigo de forma convicta, disse: — Me fortalecerei contigo e somaremos forças nessa tarefa. Sem querer contrariar o rei, Hiratamino consentiu. Treinaram arduamente nos meses que se seguiram, tentando concentrar e liberar a energia de forma específica e aprendendo formas de sincronizá-las entre si. Resolvi treinar um pouco também, pois de forma alguma queria perder para Alister. Eu gostava de passar as horas livres aprimorando minhas habilidades com armas. Nas últimas guerras, utilizei com mais frequência uma adaga, mas minha arma predileta é, e sempre será, a espada. Concentrando minha energia na arma, eu conseguia reverter feitiços, desmanchá-los, aumentar o alcance do corte, dentre outras técnicas. Mas um treinamento desse tipo era desnecessário. Eu já era bom demais nisso. Quis tentar algo diferente. No acervo do meu palácio, há uma dióxy de reversão que todos consideram inútil. Ela reverte nossa energia, que normalmente circula no sentido horário, para o sentido anti-horário, mudando sua forma e dificultando sua identificação. Era quase impossível controlá-la, o que inviabilizava sua utilização. Resolvi que treinaria com ela, um desafio um tanto interessante e que, quem sabe, poderia ser útil algum dia. Essa dióxy foi colocada em um bracelete para que fosse mais fácil transportá-la sem tocá-la diretamente. Nas primeiras vezes que usei o bracelete, quase desmaiei. O impacto de ter a energia revertida de repente gerava um imenso estresse no corpo. Aos poucos, fui me habituando, e em poucos dias não sentia mais o impacto negativo da dióxy. O tempo foi passando e meu treino com a dióxy de reversão teve grandes avanços; porém, o de Alister teve progressos ainda maiores. Após pouco mais de um ano de treinamento de controle e sincronia, Alister decidiu abrir o portal. Sabendo que uma grande quantidade de energia seria drenada e que a sincronia da energia dele com a de Hiratamino deveria ser perfeita, planejaram antecipadamente e cuidadosamente a forma como iriam proceder. Essa tarefa continuava desconhecida para o povo de Halis. Embora muitos empregados no palácio tivessem achado estranha a viagem deles a Salis, suas reuniões secretas e todo esse treino rigoroso, não desconfiaram nem um pouco do que estava por acontecer. Alister, Hiratamino, Haigar e Ikzar se dirigiram a uma sala secreta no palácio, localizada abaixo do trono da sala de reuniões extraoficiais. Lá, colocaram suas capas sobre um banco largo feito de tábuas de carvalho ancestral e iniciaram seu plano. Alister começou a magia, concentrando todo seu esforço para a invocação de um portal por onde Hiratamino passaria. Logo, seu olhar baixou, cansado, pois a magia lhe exigia muito. Hiratamino teve que ajudar, pois Alister não conseguiria abrir o portal sozinho. Sincronizaram suas energias até que uma luz policromada apareceu diante deles, para onde Hiratamino prontamente se dirigiu, segurando a dióxy localizadora. Essa dióxy o guiaria exatamente para onde a energia de Lenissya estava. Logo, o velho desapareceu do nosso mundo para o desconhecido. Se tudo corresse conforme o planejado, ele pegaria a princesa, invocaria um novo portal utilizando o restante de sua energia e voltaria de imediato. Aquele mundo poderia ter muitos perigos, e talvez ele sequer conseguisse chegar lá. Aguardamos. Passados sete minutos de intensa ansiedade, uma nova luz surgiu naquele cômodo, semelhante à do portal que Alister abrira, só que desta vez vinha do exterior. Sim, eles estavam voltando!
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