Lenissya
Parecia-me um dia comum de outono: as folhas das árvores caíam silenciosamente, enquanto o vento soprava suavemente carregando-as pelo ar e o sol lhes dava uma coloração avermelhada. Um lindo cenário! Eu estava à janela admirando a bela arte que a natureza compunha e pensando na minha vida.
O tempo parecia passar muito rápido ultimamente. Fazia pouco tempo que eu tinha completado dezessete anos. Em poucos meses terminaria o terceiro ano do Ensino Médio. O que eu queria para a minha vida? O que seria dali em diante? Um vazio enorme me preenchia enquanto eu pensava em um futuro incerto. Por eu gostar de quase todas as matérias, estava tendo dificuldades para escolher um curso universitário.
De repente, um som agudo e estridente quebrou aquele momento de reflexão em que eu estava, me fez perceber que minhas preocupações poderiam ser adiadas e que o presente estava ao meu alcance.
— Lorena, o sinal já tocou! Sai da janela antes que o professor chegue.
Era Beatriz, uma grande amiga minha. Tinha uma pele bem branquinha e cabelos castanhos que desciam em cachos por sobre os ombros. Seus olhos cor de mel revelavam certa preocupação, mas eu sabia que não era comigo. Teríamos prova de matemática naquele dia, e ela tinha dificuldades na matéria.
— Está tudo bem Bia.... Você estudou a matéria, não é? Sei que fará uma boa prova!
— Não tenho tanta certeza disso, amiga.
Olhei para a porta e lá estava o professor com um envelope amarelo na mão. Ele sempre se atrasava alguns minutos quando ia dar aula, mas em dia de prova gostava de ser pontual. Direcionei-me para minha cadeira que ficava na terceira fila em direção a porta, mais na frente.
A turma rapidamente se organizou e logo o professor começou a distribuir as provas. Eram duas páginas de questões, mas as respostas exigiam várias folhas. Não estava difícil, pois, em quarenta minutos terminei minha prova e já estava liberada.
Peguei minha mochila e saí em silêncio da sala, mas antes, olhei de relance para a Beatriz. Ela, assim como a maior parte da turma, parecia tensa, e isso me preocupava.
A sala em que eu estudava ficava no segundo andar. Fui caminhando lentamente pelo corredor enquanto observava o ambiente. Era bonito, tinha colunas arredondadas, e os azulejos nas paredes formavam mosaicos.
Olhei para o lado. Dava para ver bem os jardins dali de cima. Eram gramados, com arbustos bem podados e árvores que pareciam estar lá há bastante tempo. Havia alguns bancos de concreto espalhados pelo pátio, em lugares sombreados e dispostos de forma simétrica. Pensei comigo mesma que arquitetura poderia ser um curso interessante a se fazer.
Quando me virei para prosseguir meu caminho, deparei-me com um homem estranho. Possuía cabelos brancos até os ombros, olhos castanhos e pele clara. Tinha uma barba não muito comprida e a estranheza estava nas roupas que vestia. Sua vestimenta não habitual era uma túnica azul-marinho com as bordas brancas. Usava calças brancas por baixo da túnica e estava descalço. Além disso, havia alguma coisa em sua mão que eu ainda não tinha conseguido identificar.
Eu tinha certeza de que não havia ninguém no corredor e, de repente, lá estava ele! Fiquei pasma... ele aparecera como num piscar de olhos. Várias perguntas me vieram à mente: Quem era? De onde surgira? Como chegara ali sem que eu percebesse?
Ele me encarava de uma forma estranha e percebi uma pontada de medo surgindo dentro de mim. Resolvi me esquivar e continuar meu caminho sem dizer nada. Quando fui passar por ele, senti um aperto no meu braço que me impediu de prosseguir. Ele o tinha agarrado e começado a pronunciar palavras estranhas.
Tentei me soltar, mas não consegui. Ele segurava meu braço com muita força. Pedi educadamente para que me soltasse, mas ele não o fez. Meu medo foi só aumentando, mas, eu não estava sozinha, então estava claro o que eu tinha que fazer: comecei a gritar por ajuda. Esperava que algum professor, aluno ou funcionário viesse me ajudar.
Comecei a gritar cada vez mais alto para que alguém viesse me socorrer, mas nada aconteceu. Eu conseguia ouvir as vozes dos alunos na sala ao lado e o professor chamando a atenção deles. Por que ninguém abria a porta para ver o porquê de eu estar gritando? Será que não tinham me ouvido? Decidi gritar mais alto, enquanto lágrimas começaram a escorrer pelos meus olhos. Olhei de novo para aquele senhor que me segurava e tentei me libertar.
Ele estava concentrado, olhava fixamente para a frente e voltou a pronunciar palavras que eu não entendia. Comecei a bater nele com minha mão que estava livre. Tentei chutá-lo também, mas tudo parecia inútil. Ele permanecia imóvel como uma estátua até que, de repente, um brilho estranho surgiu. Comecei a me sentir fraca e então percebi, finalmente, o objeto que ele carregava na mão: uma pedra esverdeada incrustada em um círculo prateado.
Virei-me para ver o brilho. Era tingido de muitas cores: vermelho, laranja, azul, preto, branco e estava aumentando. Meu coração disparou mais uma vez, mas dessa vez não era só medo. Uma estranha curiosidade começou a me dominar.
A luz foi aumentando e começou a nos envolver. Minha cabeça começou a girar, e eu já não conseguia ficar de olhos abertos. Por alguns segundos, o chão no qual eu pisava parecia não existir, e tive a sensação de que estávamos flutuando. Talvez eu estivesse sonhando.... Sim eu estava sonhando! É a única coisa que podia explicar aquilo.
Uma pressão começou a surgir à minha volta e, em algum momento, meu braço foi solto e eu caí. Havia novamente um chão onde tocar, um aroma estranho no ambiente e a gravidade parecia pesar menos.
Alguma coisa estava muito errada! Eu não queria abrir meus olhos, não queria ver o que estava acontecendo. Um medo muito grande tomou conta de mim ao perceber que tudo ao redor era real, bem como o chão rugoso que minhas mãos tocavam. Comecei a ouvir vozes, mas não pude compreendê-las.
Alguma coisa me tocou nos ombros. Abri meus olhos e me vi numa sala pequena e escura. Reuni coragem para me sentar e olhar para os lados. Havia quatro homens. O que eu tinha visto na escola estava de pé ao lado do homem que me tocava nos ombros, sendo que este estava agachado perto de mim. Era alto, tinha cabelo preto e liso, usava várias joias finas e me olhava de forma que eu não conseguia compreender. Era um olhar sereno, tranquilo, tomado de emoção e ternura. Estava conversando com o velho estranho que me levara até lá.
O chão da sala parecia ser feito de uma pedra semelhante ao mármore. Havia poucas coisas no cômodo, uma mesa no canto esquerdo com um candelabro em cima, e um tapete azul escuro com três formas circulares brancas, que estava pregado na parede, como se fosse um brasão. À direita, havia uma tábua com tecidos por cima que me parecia mais uma cama improvisada.
Não havia janelas, e a única porta se encontrava do lado oposto ao brasão, por cima de uma escada onde os outros dois homens se encontravam. Eles estavam de pé, vestindo roupas semelhantes às do homem que me trouxe até esse lugar. Procurei por sinais de perigo, tentando discernir suas intenções, mas nenhum deles parecia estar armado.
O que eu estava fazendo naquele lugar? Por que eu estava ali? O medo era tão grande que me paralisava, impedindo-me de falar ou agir. Eu não sabia o que aqueles homens queriam nem do que eram capazes. Como fui me meter nessa situação? Cheguei a um lugar desconhecido, de forma misteriosa e cercada por estranhos. Será que as coisas poderiam ficar ainda mais insanas?
Minha cabeça começou a girar diante de tantos pensamentos. Comecei a me sentir sufocada e me deitei novamente, encostando minha testa no chão. Eles continuavam conversando entre si, falando palavras em uma língua que eu não compreendia. Quando achei que não poderia piorar, pegaram minha mochila e a jogaram de lado.
— Parem, por favor! — implorei, a voz sufocada pela angústia, enquanto tentava reunir forças para me levantar e correr ao perceber um movimento suspeito.
Tentei ficar de pé, mas cambaleei para trás, atordoada, e caí novamente. Desesperada, tudo o que consegui fazer foi rastejar para trás, tentando fugir do que acreditava ser o líder. De repente, senti minhas mãos e pés sendo amarrados juntos.
Não havia visto cordas no cômodo, então com o que eu tinha sido amarrada? Eu não sabia dizer. Tudo o que pude fazer foi fechar os olhos e implorar para que esse pesadelo acabasse. Senti alguém me pegar nos braços e, quando dei por mim, estava deitada na cama improvisada.
Reabri meus olhos, forçando-me a permanecer alerta. O homem que antes me olhara de forma terna agora me encarava com um olhar sério. Ele começou a falar alto com o velho que me havia trazido até ali, como se estivesse dando ordens, e seu tom de voz era de irritação. O velho respondeu passivamente, como se estivesse argumentando. Quando suspirou, percebi que havia perdido a discussão. Em seguida, ele fechou os punhos em minha direção e, ao abrir a mão, uma estranha energia veio em minha direção. Senti um impacto que me deixou ainda mais atordoada. Meu corpo começou a doer e minhas mãos ficaram geladas.
Eu não sabia o que estava acontecendo, mas era desesperador. O que eu poderia fazer para me livrar dessa situação? Como poderia fugir? Por mais que eu pensasse, não conseguia encontrar respostas.
Assim que a dor começou a diminuir, senti outro impacto, desta vez mais forte. Minha cabeça doía, meu abdômen latejava, e meus pés e mãos se debatiam, tentando se libertar como se isso pudesse conter a dor. Comecei a gritar, era a única forma que eu via para tentar amenizar o que estava sentindo, mas foi em vão.
Novamente uma energia me pegou, só que dessa vez era diferente, o oposto da de antes. Senti minhas forças se esvaindo de mim. Eu estava cansada e ainda sentia dor. Tudo estava ficando escuro, cada vez mais escuro, até que não senti mais nada.