Ela trabalhará como minha empregada

1641 Words
A expressão era sempre ferina, ela estava constantemente m*l-humorada. Sua voz sempre afiada para me atingir. Definitivamente, eu era uma impostora. Eles não estavam felizes comigo ali. Um eco da série de choques que eu sentira naquele dia provocou-me tremores por todo o corpo, mas ao mesmo tempo, minha ira rebelde também me invadiu e ergui meu queixo para dizer: —Não fiz de propósito. O silêncio impregnou o ambiente enquanto os olhos duros estavam fixos nos meus: —Não seja tão hipócrita a ponto de questionar minha palavra com respeito a isso, ou de querer discuti-la. Com o passado que carrega, duvido! Agora vai! Continue seu trabalho. Depois lave a louça e só então terá direito de comer o que sobrou. Eu assenti para ela sem discutir e pisando duro, voltei a fazer o meu trabalho. Allah! Dai-me forças! Amor era um sentimento do qual eu nem mais me lembrava. Eu só via ódio nos olhos deles. Acho que o único que aparentava gostar de mim um pouco, mas não podia transparecer, era meu tio, irmão de meu pai. E acredito que isso se deva ao fato de eu ter o seu sangue. Tirei toda a mesa de cabeça baixa. Fazendo o máximo possível para não ser notada. Meus pés estavam cheios de bolhas. Sempre andei com sapatos de saltos altos. Mas, na minha antiga vida de princesa, eu andava como se levitasse, agora eu me sentia como se eu marchasse. Acabou meu nariz em pé, acabou meu desejo por joias, acabou meu desejo de qualquer outra coisa que não fosse o carinho, o amor das pessoas por mim. Eu queria conquistá-las, mas eu não sabia como. Quando coloquei o vestido, foi apenas para lembrar um pouco de tudo que eu tinha nas mãos e perdi. Lembrei-me de um verso que eu vivia de Khalil Gibran: "Aprendi o silêncio com os faladores, a tolerância com os intolerantes, a bondade com os maldosos..." Essa agora era o meu novo "eu". Totalmente mudada. Comecei a lavar louça, mas quando via a água correndo, me deu vontade de usar o banheiro. Fechei a torneira e passei pela sala me esgueirando pelos cantos, de cabeça baixa. Alcancei o banheiro e tão logo fechei a porta atrás de mim, fiz xixi. Ahhhhhhhh! Alívio.... Quando finalizei me limpei e lavei as mãos. Ainda pensativa, abri a porta. Allah! Levei um susto, quando dei com Samir parado em frente a minha porta no corredor, quase dei um encontrão nele. Nossos olhos se encontraram. Aquele sorriso de sempre, surgiu em seu rosto. Eu me virei, mas antes de ir, sua mão pegou meu braço como garras, a outra tampou a minha boca. Seus olhos então me olharam predadores e ele veio para cima de mim. Ele me empurrou para dentro do banheiro e tentou fechar a porta com o pé. Mas eu lutei, para que isso não acontecesse. —Não! Nã... —Eu disse quando sua mão saiu da minha boca, mas seus lábios tomaram os meus calando o meu grito. Não sei quanto tempo isso levou até que ouvir uma voz estridente: —Samir! —Era a voz de Raissa atrás de nós. Ele ficou tenso, e eu aproveitei e mordi seus lábios. Samir me soltou e a encarou com a boca suja de sangue sem fala. Ela, como ódio, olhou para mim. — Sua v***a! Sua detestável! — Essa mulher me atacou! Eu me defendi: —Mentira dele, os olhos dele sempre foram maus para mim. Ele tentou falar. — Rai... — Cala a boca! — Ela disse para ele. O grito dela e a exclamação dele chamaram a atenção de todos, pois logo o corredor se encheu de olhares curiosos vendo a cena. Raissa estava lá, vermelha, olhando para mim e para Samir com ira nos olhos. Ela voou em mim e me acertou as faces e olhando para ele gritou: —Não haverá mais casamento! Seu i****a, porco! —Esbravejou. Chorando, saiu correndo esbarrando em todos os presentes, abrindo passagem. Selima correu atrás dela. Ela acreditou em mim? Se sim, não deixaria de me odiar por eu ter provocado o desejo em seu noivo. Samir saiu de fininho e seus pais o acompanharam. Eu fitei meu tio que me olhava furioso, vermelho de raiva. Said que até agora estava na sala, se uniu para ver a confusão no corredor. Minha tia estendeu para Ali um cinto, que ele pegou com um sorriso m*****o e avançou sobre mim. —Não! —Eu gritei e tentei entrar no banheiro, mas ele me alcançou. Recebi cintadas nas pernas, nos braços. Me inclinei quando ele começou a me bater nas costas. —Pare! Não bata nela! —O som veio de trás, um som ameaçador, sentir uma pontada de medo. Em sua voz continha uma autoridade que que não poderia ser negada ou ignorada. Tanto que meu tio parou de me bater. Eu fitei o dono daquela voz. Said estava ali na porta do banheiro. Enorme, com aquela aura superior, nos encarando com o olhar duro. —Senhor Haji. —Meu tio Ali disse, instantaneamente me liberando e dando um passo atrás. Disse cuidadoso. — Melhor o senhor não se meter. Você não a conhece, não se deixe encantar por esses olhos inocentes. Said me observou em silêncio por alguns minutos. Como se me dissesse que agora eu estava nas mãos dele. Fiz o mesmo, mas suplicando com os olhos para que ele me livrasse de toda aquela confusão. Seus olhos voltaram-se para o meu tio com expressão sombria e irritada. —Mesmo assim, não bata nela! —Said disse com voz firme, precisa, aterradora, mesmo num baixo volume, sem precisar elevá-la. Isso fez meu coração bater forte no peito. Desde que cheguei, essa era a primeira vez que alguém tomava partido por mim. —O senhor não viu o que ela fez? Ela acabou com a felicidade de minha filha. Não haverá mais casamento. Até o senhor foi atingido indiretamente. Sem esse dote, eu não conseguirei pagar o aluguel! Said olhou para mim como se pensasse. Eu o encarava emudecida, com os olhos embaçados pelas lágrimas abundantes e que molhavam todo o meu rosto. —Faremos o seguinte. Eu ficarei com ela, ela trabalhará de empregada na minha casa em troca do aluguel. Meu tio o fitou confuso, e depois olhou para mim, seus olhos foram ficando mais e mais duros conforme ele me olhava. Ele encarou Said novamente. —Eu não sei. Meu irmão me confiou os cuidados com ela. A responsabilidade de lhe dar um corretivo é toda minha. Por favor, digo e repito, não se encante por esses belos olhos. Foi pega em adultério. Ela é ardilosa, fútil. Percebi que Said ficou desconfortável com essa informação sobre minha pessoa. Seus olhos então procuraram os meus. Vi uma tempestade dentro deles. Ele estudou meu rosto, os olhos negros profundos movendo-se sobre a minha aparência, e um lento sorriso se espalhou em seu rosto. Ele então disse: —Sempre gostei de desafios. E como disse, você tem uma dívida comigo, então não terá outra solução. Allah! Estremeci de medo. Não sei se seria boa ideia estar nas mãos dele. Eu me perdi nos pensamentos e olhei para as minhas mãos, me sentindo um cachorro sem dono. Então, fitei os olhos gelados de Said que estavam postados no meu tio, esperando a resposta dele. Meu tio estava ali pensativo, sem saber o que fazer. —Tudo bem. Ela trabalhará para o senhor. — Ali disse, correndo a cinta nas mãos, nervosamente. Minha tia que deveria estar escutando tudo, surgiu na porta e me olhou com ódio nos olhos. —Ela terá que dormir no emprego. —Said anunciou. Meu tio respirou fundo: —Tudo bem. Eu me senti como se fizesse parte de um filme de terror, imaginando que tipo de situação a personagem passaria a qualquer momento. E tudo que você só sabe era que seria algo terrível. Said estendeu a mão para Ali para fechar o acordo. Meu tio pegou a mão dele e apertou suas mãos. Quando eles soltaram as mãos, seus olhos negros voltaram-se para mim. —Qual é o seu nome? Eu, que estava perdida em pensamentos confusos, me endireitei. Limpando meu rosto de lágrimas que ainda teimavam em descer respondi: —Jamile. —Arrume suas malas. Partiremos amanhã cedo. Eu assenti para ele. —Ela tem louça para lavar. — Minha tia avisou, com ira nos olhos. —Termine seu serviço e depois arrume suas malas. —Ele disse me olhando por um tempo antes de se virar. Seus olhos fixaram em todos que imediatamente entenderam o recado e deixaram o corredor. Eu, ainda trêmula por tudo que aconteceu e pelo meu futuro incerto, me sentei na privada, tentando imaginar que tipo de vida eu levaria lá. Escutei, então, os brados indignados que vinham do quarto ao lado. Era a minha tia e meu tio brigando entre si. Isso acabou surtindo um efeito bom em mim. A caldeira do inferno tinha sido aumentada, e sair de lá seria bom. Se não fosse por essa proposta, eu teria apanhado muito e receberia todo tipo de represaria dos meus tios. Allah! Me lembrei da maquiagem. Mesmo que eu conseguisse provar que eu fui vítima, quando ele soubesse que Samir me viu maquiada, ele iria me m*******r, me acusando de incitar o desejo nele e eu teria que me acostumar à ideia que a porta do meu cárcere se encerraria de fato. Ele jamais me arrumaria um marido e eu o serviria para sempre como empregada. Agora com Said, eu poderia trabalhar para pagar a dívida do meu tio e quando ela se finalizasse, eu pediria para prosseguir com meu trabalho. Faria um pé de meia e depois tentaria viver minha vida. Poderia até voltar para a Inglaterra. Sim! Positivo! Eu precisava pensar positivo!
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