SARA NARRANDO
Chamei o primeiro paciente do dia que já tinha se apresentado na recepção, a mim como Gabriel, Só achei ele um pouco introvertido para quem estava em uma entrevista de auto análise.
Me pareceu ser tímido, ou talvez estivesse ali a contragosto, não sei mas algo nesse rapaz me chamou atenção.
Pedi para que ele ficasse à vontade, poderia deitar no Divã ou apenas sentar na poltrona, sempre deixo os meus pacientes à vontade para escolher como ficar mais confortável, e ele escolheu sentar na poltrona de frente para mim.
— Gabriel me fale um pouco sobre você.
O rapaz ficou me olhando de cima a baixo como se eu tivesse perguntado o seu maior segredo, minha função é essa Se eu conseguir chegar até lá, mas para isso ele teria que abrir a boca e falar alguma coisa.
Ele ficou alguns segundos me encarando nos olhos, parecia estar querendo me falar alguma coisa, maneei a cabeça um pouco para o lado e ele continua me encarando.
— Bom, você sabe como funciona uma entrevista de auto análise? ela é fundamental para que eu possa estudar o seu caso e te dizer se realmente você precisa de um psicólogo, de um psiquiatra, psicanalista ou se está tudo certo e não você precisa de nenhum profissional.
— O que a doutora quer saber sobre mim?
— Vamos começar pelo básico, se presente para mim, seu nome, sua idade, O que você gosta de fazer no seu dia a dia.
Antes de responder, ele fechou os olhos e começou falando com os olhos fechados, seu nome e sua idade, mas na hora de falar sobre o seu dia a dia ele preferiu se calar.
Abrir os olhos e continuo me olhando, Já vi que com esse rapaz vai ser difícil.
Já fui falando que assim ficaria difícil de ajudá-lo, insisti mais uma vez ele pediu para falar sobre a sua infância.
Como se o seu presente fosse algo assustador e que ele deveria esconder de mim, pelo visto é a primeira vez que ele está em um consultório, tenho que ser sábia e exercer a paciência para poder ajudar esse homem que nitidamente tem a alma oprimida.
— Ótimo, mas lembrando Isso é apenas uma sessão teste, ok?
— Ok.
A história do Gabriel é um pouco triste, ele perdeu o seu pai quando ainda era criança, ele e a sua mãe chegaram a passar necessidades, até que um dos seus tios paternos decidiu estirar a mão para eles e o acolheu.
— O que você sente quando fala sobre isso?
— Sinto muita mágoa, muito ódio.
Mas o que eu percebi no Gabriel é que ele faz alguns movimentos repetitivos, não sei se é tique nervoso.
Ele falou mais um pouco algumas vezes Ele parava como se estivesse relembrando o momento, até que acabou o seu horário.
— Gabriel, gostei muito dessa entrevista, então você tem a escolha de continuar com as sessões ou parar por aqui ou até mesmo se você quiser eu posso te encaminhar para um outro profissional da área.
— Posso voltar amanhã?
Tirando uma garotinha que atendo, ele é a primeira pessoa que pergunta se pode voltar no dia seguinte, como se não quisesse ir embora.
Expliquei para ele como funciona e que no seu caso são de duas a três sessões por semana, ele insistiu muito e eu consegui agenda-lo com a minha secretária, um horário para ele no final do dia.
Nos despedimos e logo fui atender o meu segundo paciente , o dia foi produtivo graças a Deus, Deus tem me abençoado no meu trabalho e tem me dado direcionamento para ajudar as pessoas.
Quando eu estava voltando para casa o dia já tinha ido embora e a noite estava caindo, no caminho fui ouvindo um louvor e no mesmo momento me lembrei do Gabriel.
"Vai passar, eu sei que essa luta logo vai passar
Tá doendo, mas não vai querer parar
Não deixe a esperança em você morrer
Você precisa crer
Vai chegar, a solução pra tudo que te aconteceu
Você vai ter de volta o que você perdeu
Só não se desespere pelo amor de Deus"
O trânsito na volta estava bem lento e Deus colocou no meu coração de orar por aquele rapaz, fui ouvindo louvor intercedendo pelo Gabriel, mesmo sem conhecer sabendo apenas o que ele me contou da sua vida, deu para ver que é uma pessoa triste e Cheia de feridas.
Quando cheguei na entrada do Morro os vapor já baixaram as armas, com o Thalles não era tão assim como é com o Henrique.
Hoje qualquer pessoa só sobe na comunidade se estiver com os vidros abertos, farol baixo e depois que os meninos que ficam na entrada fazer uma revista no carro.
Eles só me deixam passar porque sou irmã do Henrique, se não me mandariam descer para revistar o meu carro, eu acho isso muito invasivo já conversei com meu irmão mas o Henrique ouve aqui e esquece logo em seguida.
Fui subindo morro quando vi o Mateus sentado no bar, buzinei ele veio até mim sem camisa, com uma latinha de cerveja na mão, Isso entristece tanto a nossa mãe.
— Fala minha Dra.
— O que acha de ir para casa e jantarmos justos , estou carente do meu gêmeo.
Essa é uma tática que eu uso com os meus três irmãos e sempre funciona quando falo que estou carente de um, às vezes falo que estou carente de cafuné dos três, o único que não rende muito é o Pietro, ele só se rende sem contestar para nossa mãe.
Mateus voltou ao bar e tirou o algo do bolso, acredito que foi o dinheiro e deixou a cerveja no balcão, ele me acompanhou de moto.
Ainda bem que o Mateus entrou primeiro que eu, se não tinha apanhado nós dois, minha mãe pulou em cima do Mateus estapeando ele, Henrique e o meu pai seguraram ela.
— Mãe, o que aconteceu?
— Eu vou te mandar conversar com Jesus pessoalmente, seu moleque irresponsável.
— Filha, o Seu irmão vai ser pai.