"Precisa dar adeus à ingenuidade, querida! Quem é bom ou quem é mau depende de que lado do campo de batalha você está"
(Ezequiel Vladmir)
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Disseram-me uma vez que todas as pessoas deveriam registrar os acontecimentos importantes de suas vidas em benefício da posteridade. No futuro, então, as pessoas poderão olhar para os registros e buscar, na vida de seus ancestrais, sabedoria para que os mesmos erros não sejam cometidos.
Besteira!
Ninguém aprende pelo erro dos outros, cada pessoa precisa viver e aprender com suas escolhas e as consequências advindas delas. Acredito que seja importante conhecer o passado, não para aprender com erros dos outros, mas para compreender os acontecimentos do presente. Só entendendo como as coisas chegaram aonde chegaram, que poderemos mudar o que parece impossível de ser mudado.
Como são estranhos os pensamentos que temos quando estamos morrendo... Percebo isso agora, em meio à imensa dor que estou sentindo, que deveria ter escrito os acontecimentos que me levaram até aqui. Talvez seja tarde demais...
Sinto o gosto amargo de ferrugem em minha boca. Não me resta muito tempo.
"Te ofereço o fim de toda essa dor, posso te dar mais do que essa vida miserável, te ofereço a eternidade."
Ele estendeu a mão para mim sorrindo.
A dor é lancinante, começo a desejar a morte para me livrar dela. Meu sangue escorre pelo chão. Posso vê-lo. Ele está se aproximando cada vez mais e não há nada que eu possa fazer para evitar, nem para onde ir, ninguém pra me socorrer...
"Por que não morro logo?"
Tiraram-me tudo, toda a minha família está morta... Toda essa dor, meu Deus, por que não morro logo?
"Não precisa ser assim, não precisa mais sentir dor."
Ele insistiu, se aproximando. Sua voz mais atraente do que eu me lembrava...
Posso vê-lo nitidamente. Está perto de mim, sentou-se no chão ao meu lado e passou delicadamente a mão fria pelo meu rosto. Seus cabelos pretos como a noite, olhos que conseguem atrair e ao mesmo tempo repelir por puro instinto. Seus olhos possuem um brilho assustador.
Ele encostou os lábios em minha orelha, sussurrando:
"Como é saber que vai morrer, Anne?"
Não tenho forças para respondê-lo, respirar está se tornando um esforço impossível de realizar. Não quero morrer, não agora, não desse jeito! Estou com muito medo, mas não consigo responder.
Ele sorri como se compreendesse o que estou pensando.
Aproximou seu rosto do meu.
Sua voz é grave e macia, como uma música para meu funeral... Meus olhos já se acostumaram com a falta de luz. Olhando para o lado, consigo ver minha mãe. Ela está vestida de branco, deitada, imóvel, sem vida..
Eles a mataram.
Mal consigo respirar, o gosto de ferrugem que sinto deve ser do meu próprio sangue.
Olho para ele, seu rosto nunca foi tão atraente, não consigo desviar de seus olhos. Sinto-o sorrir quando seus lábios tocam minha orelha.
"Você só precisa dizer sim e te darei mais do que a própria eternidade. Pegue minha mão, Anne, e eu te ofereço vingança pela morte de sua família, vingança contra aqueles que tiraram tudo de você..."