- Você está apaixonado por uma Camorra? - O Dego quase gritou antes de rir a plenos pulmões do rapaz.
- Vicente! - Eu o repreendi vendo a vergonha assumir um tom rosado no rosto do Nicolas. - Você deveria ser o primeiro a entender! - Acusei e ele seguiu rindo, de forma mais contida, mas ainda rindo.
- Ele tem razão. É o motivo de vergonha máxima dentro da minha família, e eu mantive isso em segredo… - Percebi que ele parou de falar e mudou o rumo do assunto. - Eu quero evitar esse ataque, não posso imaginar ela ferida.
- E o que te leva a pensar que nós devemos nos envolver? - O Ricardo perguntou, com um tom de voz mais brando, mas ainda incomodado.
- Foi uma ideia maluca, eu sei… - Ele olhou para o Ricardo, mostrando nas expressões dele exatamente o que ele era, um menino apaixonado. - Você nunca fez uma idiotice por ela? - Ele apontou com a cabeça para mim e foi impossível não sorrir para ele.
- Isso é diferente… - O Ricardo argumentou.
- Só porque os pais de vocês eram aliados e não rivais? - Ele perguntou abalado. - Se eles fossem como as nossas famílias, você desistiria dela? - O rapaz estava mesmo apaixonado. Um assobio baixo tomou a sala, o Cobra estava provocando o Ricardo.
- Esse não é o caso. - Eu intervi, antes que o Ricardo se complicasse mais nos argumentos daquele menino. - O caso é, eu não tenho poder para interferir. E também não devo. Estou aqui por coisas completamente diferentes.
- Clara… - Ele começou.
- Chame-a de Rhay! - O Ricardo ordenou, ainda vendo algum perigo ali. Um perigo que eu não via de forma nenhuma.
- Desculpe. Rhay, você veio até aqui para fazer negócios com eles, usando a nossa receita. - Me levantei e caminhei até ele, esperando que ele concluísse, mas ele se calou.
- Me responda uma coisa… Essa sua paixão, é correspondida? - Ele piscou algumas vezes antes de abaixar a cabeça. - Então você sabe exatamente o que foi discutido ali? - A sensação de ameaça finalmente me atingiu. Aquilo poderia colocar a todos nós em perigo, se um deles falou algo, outros podem ter dito. - O que exatamente a Anna te contou? - Eu estava bem perto dele agora, segurando a adaga na mão, e tentando não parecer ameaçadora, mas sentindo os alertas de perigo tomar o meu corpo. Ele respirou fundo. - Se não falar… - Ele levantou as mãos e a reação de todos os presentes quase fez o meu coração tremer. O barulho de várias armas sendo engatilhadas e apontadas assustou a nós dois e eu olhei ao redor. Ele manteve as mãos para o alto enquanto olhava para as armas apontadas para ele.
- Isso é um gesto comum na Itália. - Ele falou, com a voz mais firme do que imaginei. - Levantamos muito as mãos quando somos pegos em algo.
- Na América isso é visto como um ataque. - Eu esclareci. - Abaixem as armas. - Ninguém se moveu e eu bufei. - AGORA! - Todos me obedeceram, menos o Ricardo, ele manteve a arma apontada para o rapaz e eu não poderia culpá-lo, eu estava extremamente perto do Nicolas. Virei a minha atenção ao rapaz.
- Abaixe as mãos e abra a porr4 da boca! - A minha voz saindo mais grossa do que eu gostaria.
- Ela me contou, pelo menos a maior parte… Ela disse que você era intensa e bocuda e que deixou os tios dela muito put0s. O pai dela se enfiou no escritório com o Dom e não saiu até agora. - Ele estava me dando informações que eu não tinha.
- O plano de ataque, me explique. - Mandei.
- O meu tio quer tomar Nápoles. Ele diz que tudo ao redor já é dele, então ele tem feito aliados de lá até aqui. - Eu sou o espião dele. - Ele admitiu. - Como não sou alguém completamente envolvido nos Bambinos ele me convocou. - Continuei a montar o quebra cabeça. - Eu trabalho para os Camorras de fachada, para poder acompanhar a rotina deles. - Ele sorriu, como quem vê o sol pela primeira vez quando falou a próxima frase: - Fiquei responsável por buscar as meninas na aula. - Ele suspirou. - No primeiro dia que coloquei os olhos nela eu soube, que iria morrer por ela…
- Isso é muito triste. - A Malu falou de repente.
- Não… Não é triste, só não é justo. - Ele suspirou. - Eu tentei me manter afastado dela, mas ela é radiante, linda e forte.
- Ele está mesmo apaixonado. - O Piranh4 reforçou e o Nicolas assentiu.
- E por algum motivo que eu não entendo, ela sente o mesmo por mim… - A voz dele se perdeu e me senti triste por ele, pelos dois, por estarem apaixonados e serem rivais.
- Vocês já pensaram em fugir? - A Malu estava emocionada com a história.
- É impossível ela fugir. Eu poderia até conseguir, mas ela está presa eternamente à herança Camorra.
Ficamos em silêncio por alguns minutos, com um rapaz muito familiar que veio enfrentar mafiosos desconhecidos, para pedir ajuda, por causa de nada mais que amor. Aquilo era surpreendente e familiar de muitas formas. Afinal toda essa história começou com isso. O amor do meu avô pela minha avó, que era de uma família rival. Depois o amor dos meus pais, o meu amor pelo Ricardo. Tudo estava ligado de alguma forma ao sentimento mais enlouquecedor do mundo.
A paixão por alguém, a vontade de querer a pessoa bem. A vontade de fazer de tudo pelo outro.
Observei o Ricardo que tinha aliviado um pouco a força que segurava a arma e suspirei quando o olhar dele encontrou o meu, me mostrando exatamente o que eu sabia que ele era.
Um romântico incurável. Ele piscou para mim e se voltou para o Nicolas.
- É impossível por que exatamente? - O brilho nos olhos do Ricardo acelerou o meu coração.