Eva, doce Eva !

2963 Words
Eu nunca me imaginei como uma má pessoa, sempre que me olhava no espelho o que eu via refletido era a imagem de uma jovem honesta e sonhadora, disposta a se sacrificar por aqueles que ama sem sequer hesitar, mas eu ainda não havia conhecido de fato a podridão que se escondia por baixo da raça humana. Eu acho que Deus errou muito ao entregar o mundo as pessoas talvez se ele tivesse dado esse privilégio aos animais ao invés de nós o planeta ainda seria um bom lugar para se viver, tudo bem talvez você ache que eu seja uma doida qualquer, revoltada com a vida e atormentada por fantasmas do passado, e eu não discordo, sou tudo isso mesmo, mas não sou só isso, muito prazer, meu nome é Eva e agora eu vou te contar a minha história. Eu nasci em um lugar humilde e cresci cercada de dificuldades e desamor, minha mãe foi embora de casa atrás de uma vida melhor acredito eu, me deixou para trás quando eu era apenas um bebê, meu pai cuidou de mim e me deu tudo quanto pôde, foi suficiente para mim, eu não tinha saudades dela e nem sentia raiva, talvez tivesse curiosidade para saber como era e o que a levou a me deixar, hoje eu a entendo, se eu estivesse em um lugar como aquele, cercada de violência, fome e risco de morte constante eu talvez tivesse feito a mesma coisa. Até meus quinze anos eu era uma menina normal e cheia de sonhos a conquistar, tudo que eu queria era ter uma oportunidade apenas,para tirar meu pai do buraco no qual vivia, seria por acaso pedir muito a Deus um espacinho no mundo ? Um mais digno e seguro? Naquela época eu ainda acreditava que ele existia e que se importava comigo, a fé que eu tinha que ele estava me olhando e cuidando de mim mantinha acessa a minha chama de esperança, mas depois eu percebi que ele não tá nem ai pra mim e nem pra nada, nos colocou nesta merda de mundo apenas para nos ver fodidos até o limite. Eu estudava dia e noite tentando aprender e me superar para que assim as minhas chances aumentassem, sempre a mais estudiosa, a mais bonita, a mais amável, a mais prestativa e sempre a que mais se ferrava, meus colegas se aproveitavam da minha boa vontade para que eu os ajudasse com seus trabalhos, o único amigo que eu tinha era Anibal, ele era afilhado do meu pai e crescemos juntos apesar dele ser dois anos mais velho que eu. Eu sempre gostei de estar com ele até que crescemos e ele passou a me enxergar não apenas como amiga, me vi na obrigação de não o iludir, em uma tarde de verão quando eu tinha acabado de me formar no segundo grau estávamos comemorando em uma sorveteria como era de costume fazermos sempre que dava, não era um lugar chique e nem caro, era o único que tinha ali, Anibal segurou na minha mão e disse : __ Sabe Ariel ! Ele me chamava assim por causa da minha semelhança com a sereia das histórias, eu achava engraçado quando ele me chamava daquele jeito, já estava quase acreditando que Ariel era meu nome. __ O que Anibal ? __ Eu estava pensando e nós dois não somos mais crianças, você não pensa por acaso em ter alguém ? __ Do que está falando ? __ De um namorado ! __ Você tem namorada ? nunca te vi com ninguém ! __ Já estive com outras mulheres se é o que quer saber, mas namorada só quero uma ! Eu sabia exatamente aonde ele queria chegar, os olhares dele e as indiretas haviam se tornado constantes em nossas conversas, eu não gostava nem um pouco daqueles modos dele,fingia que não percebia, me fazia de desentendida para não magoa-lo, mas naquela tarde vi que não tinha jeito eu precisava por um fim em qualquer ilusão que ele tivesse. __ Olha eu não estou preocupada com isso agora, quero focar em sair daqui do subúrbio, você sabe. __ Você não tem nem um pouquinho de curiosidade ? beijar é bom, você iria gostar e o que vem depois é melhor ainda. Percebo que o p*u dele esta duro e desvio o olhar constrangida, ele coloca a mão em cima da minha e acaricia meus dedos, pela primeira vez afasto minha mão da dele sentindo repulsa, eu não queria aquilo, pra mim era nojento imaginar nós dois juntos, não que ele fosse feio, pelo contrário Anibal era um belo rapaz, alto, forte e cheio de qualidades, não era estudioso largou os estudos cedo, mas era trabalhador e honesto, aos dezoito anos já sustentava a casa dos pais, a mãe apenas cuidava da casa e da sogra doente enquanto o pai ainda trabalhava na metalúrgica fazendo pequenos reparos e soldas, o que ganhava m*l dava para nada, já não tinha forças para trabalhar como antes, os anos ali adoeceram muitos funcionários, bom filho que era Anibal se desdobrava em três empregos para ajudar aos pais, eu ainda suportava a nossa amizade porque a presença dele só me era imposta em seus dias de folga. __ Não Anibal, melhor mudarmos de assunto, eu vou embora! __ Ei, espera sua boba, tudo bem ! Ele sorri para mim daquele modo travesso que sempre fazia quando éramos crianças e por um momento esqueço o que ele quer e retribuo o sorriso. Eu não entendia por que não podíamos continuar como antes, apenas bons amigos e nada mais. Dois dias depois ele começou a me falar sobre querer entrar para a gangue dos cobras, eu fiquei horrorizada afinal as coisas que eles faziam e das quais já ouvi falar não eram nada boas. __ Você só pode estar de brincadeira, mas não tem graça Anibal! __ Tô falando serio, eu vou tentar entrar, eu soube por um conhecido que tão recrutando gente nova. __ Eles não são a policia, são bandidos perigosos, você quer ser como eles? o que deu em você ? __ Não briga comigo Ariel, eu vou fazer isso pelos meus pais, por você ! __ Não, por mim não, você não vai me impor essa responsabilidade! Dou as costas para ele furiosa, se eu soubesse o que aquela amizade iria me custar talvez eu tivesse feito isso bem antes, mas a inocência que habitava em mim me fazia confiar demais nos outros. __ Volta aqui, por favor me ouve! __ Ouvi o quê ? que você enlouqueceu e vai virar estuprador e assassino ? __ Lembra do que seu pai sempre te diz ? __ Não vem querer usar as palavras dele contra mim, e além do mais ele fala de amor e não de horror! __ É melhor enganar do que ser enganado! __ Você quer dizer. é melhor matar do que ser morto ? Ele me olha assustado, talvez a ficha dele tenha caído naquele instante, mas eu não tava nem ai, tudo que eu queria era ir embora dali o mais rápido possível. Saiu correndo e vou para casa, mas escuto ele gritar ainda __ você vai me agradecer ainda ! O que aconteceu com meu amigo, tão gentil e compassivo ? ele não lembrava nem de longe aquela pessoa que me fazia sorrir quando eu estava triste. Olho para trás e vejo ele ainda me olhando, os olhos dele mudaram, alguma coisa aconteceu e eu não sabia o que era, mas ele não era mais Anibal, meu grande amigo. Entro em casa fechando a porta atrás de mim, papai não está, tem uma garrafa de bebida na mesa e sujeira para todo lado, começo a limpar quando o telefone toca, solto a garrafa no chão assustada, droga o que está acontecendo comigo também ? __ Alô ? __ Senhorita Eva Bragantes, por favor ! __ Sou eu ! __ Ah, ótimo, eu sou Paula chefe de rh da industria CRT, recebemos seu currículo e estamos interessados em lhe oferecer uma oportunidade de trabalho, você pode nós procurar amanhã as oito na sede ? __ Com certeza senhora Paula, estarei lá sem falta. Desligo o telefone aos pulos, eis ai a minha chance, a oportunidade da qual preciso para crescer na vida e ter meus sonhos realizados, agradeço a Deus como a boa menina que eu era achando que a partir daquele momento minha vida mudaria, quão ingênua eu ainda podia ser ? Arrumo a casa e corro para minha caixa de roupas, nós não tínhamos móveis novos e chiques, mas eu arrumava e cuidava de tudo com capricho, percebo que não tenho roupa nenhuma adequada, procuro embaixo de alguns brinquedos meus um urso, é meu esconderijo, todo dinheiro que eu ganhava fazendo limpeza nas casas vizinhas, ou ajudando de outras formas eu guardava um pouco ali, ajudava papai com as despesas de casa e guardava um pouco, retiro as notas amassadas e as conto, tem pouco mais de duzentos reais ali, devia ser o suficiente para algo que causasse boa impressão. Atravesso a cidade na minha bicicleta velha e enferrujada, Anibal deu pra mim quando conseguiu comprar sua moto velha, chego na zona nobre, deixo minha bike jogada atrás de alguns arbustos para não ser roubada e sigo a pé, eu podia não estar bem vestida, mas minha aparência ajudava muito, não me olhavam feio e a policia não tentava me expulsar como acontecia com outras pessoas. Era claro ali que pessoas de boa aparência tinham, privilégios que os menos favorecidos. Entro em uma loja e começo a olhar, a moça que atende me olha desconfiada enquanto passo pelos corredores, paro em um manequim, a roupa que está nele é perfeita, a loja é uma das populares não deve ser tão cara, mas mesmo assim a moça ainda me olha atentamente como se eu fosse roubar. Analiso a roupa, é uma calça preta social, mas o tecido é grosso, apertada das pernas até os tornozelos, duas costuras grossas cruzam as frentes das pernas deixando elas com uma aparência mais sofisticada, uma camisa branca de tecido fino vai por baixo ensacada e por cima um paletó também preto com o mesmo tecido da calça, era aquele que eu queria, levo as mãos ao tecido para testar mas a moça me impede __ Ei, sem tocar para não sujar. Na certa ela achou que eu fosse mais uma i****a analfabeta que se vendia para ter algo __ Primeiro, fale direito comigo senhorita, posso não estar vestida adequadamente neste instante, mas lhe garanto que minha instrução me permiti conhecer meus direitos de cidadã seja onde for, e quanto as minhas mãos, veja, estão limpas, embora calejadas do trabalho duro assim como as suas estariam se de alguma forma não estivesse aqui. A mulher calou-se e me olhou atentamente __ Sinto muito, são os procedimentos da loja! __ Ok, eu quero provar este aqui, algum problema para você ? __ Claro que não, me acompanhe até o provador. Visto a roupa que fica ótima como imaginei, a etiqueta diz que custa 65 reais, ainda me sobra para mais um conjunto, opto por um de saia midi e camisa de mangas longas vermelho combinaria com meus cabelos, compro ainda três combinações de calcinha e sutiã e vou para casa satisfeita, sapatos tenho alguns novos que nem cheguei a usar, os encontrei pelas ruas outro dia. __ Eva, onde esteve ? __ Oi papai, fui até a cidade. __ O que tem ai ? Mostro para ele as roupas e digo para que são, ele sorri entusiasmado para mim __ Parabéns minha menina, eu nunca duvidei que você conseguiria, estou tão orgulhoso de você. __ Obrigada papai, estou ansiosa, tomara que gostem de mim. __ E alguém no mundo não gostaria ? Penso na minha mãe, ela não gostava de mim, mas tudo bem, ela me deu o melhor pai do mundo e isso já me bastava. No dia seguinte acordo as cinco da manhã, tomo um banho e uso o resto do perfume que eu tinha, Anibal deu para mim no meu aniversário passado, coloco o terninho preto e calço uma sandália preta de salto alto que achei ainda outro dia na rua de baixo, minhas unhas não estão feitas, mas estão limpas e bem cortadas, penteio meus cabelos dessa vez os prendendo em um r**o de cavalo, deixo duas ondas caírem soltas perto das minhas orelhas, me olho no espelho, minhas sobrancelhas eu costumo faze-las eu mesma desde os quatorze anos, não tenho maquiagem, Anibal diz que não preciso dessas coisas, pego o resto de um estojo que tenho com farelos de sombras e batons a chuva de outro dia trouxe até mim, passo um pouco de batom rosa na boca apenas para tirar a palidez , me olho de novo, estou tão diferente,pareço mesmo uma dessas metidas da cidade. Na cozinha preparo café para mim e papai, deixo o dele na garrafa térmica e bebo o meu acompanhado de uma banana, aproveitei a viagem a cidade e comprei também algumas coisas para comer, são seis e meia melhor me apressar se não quiser chegar atrasada, alguém bate na porta, quem será a essa hora ? __ Quem é ? __ Sou eu! É a voz de Anibal, o que ele faz aqui tão cedo, abro a porta e ele fica parado olhando para mim __ Uau, você tá um espetáculo! __ Obrigada, o que faz aqui ? __ Eu pedi pra ele vir filha! Diz papai surgindo do quarto, e me olhando também, ele derrama uma lágrima ao me ver __ Ah papai, não chora, ou eu choro também. Digo abraçando meu velho __ Você agora é uma mulher feita meu anjo, olha pra você tão linda, se parece tanto com... Sei que ele ia dizer com mamãe mas algo o impediu, a raiva que ainda sentia dela, ou talvez o amor, ele foi enganado e se fechou quando poderia ter continuado sua vida escolheu não viver mais nenhuma desilusão. __ Não exagera pai! Por que chamou o Anibal ? __ Ele vai te acompanhar até seu trabalho, você não pode andar por ai sozinha! Eu não queria ter que ouvir mais declarações de Anibal, porém meu pai estava certo, eu correria um risco serio saindo tão cedo sozinha,as gangues sempre estavam a postos prontos para fazer m*l. __ Tudo bem, obrigada por vir Anibal ! __ Sem problemas fica no meu caminho lembra? Saímos de casa e eu subo na moto dele __ Se cuida filha, vai com Deus, te vejo a noite. Só agora percebo que ele está com um olho roxo, mas antes que eu possa questionar ele entra e fecha a porta e a moto sai me afastando de papai, o que ele anda aprontando, será que foram as gangues ? __ Ani, você sabe o que aconteceu com meu pai? __ Ele não te disse ? __ Não, o que foi ? Ele fica em silêncio como se tivesse dito algo que não podia falar, eu o aperto na cintura e dou um beliscão. __ Fala ! __ Desculpa, se ele não disse eu também não posso. __ Para essa moto agora! Ele não para e continua o caminho, eu bato nas costas dele __ Quer matar a gente sua doida ? __ Para, já falei. Ele freia e eu desço da moto e saio pisando duro rua a fora, já tem movimento na rua e passamos da área perigosa, posso pegar uma condução daqui e ir sozinha. __ Espera maluca, sobe aqui anda. __ Você antes me contava tudo, agora só vem falar comigo quando é sobre namoro. __ Não faz assim Eva, deixa de doce e sobe ai, vamos nos atrasar. Ele tem razão, já são mais de sete e meia estou sem tempo, subo na droga da moto e vou o resto do caminho emburrada e calada, ele para na porta da grande CRT e eu desço __ Brigada! Digo seca e viro para ir até a entrada, mas ele segura meu braço __ Você tá muito fria comigo, diferente, foi pelo que eu disse, sobre namoro né ? __ Esquece disso, eu quero saber apenas sobre o que meu pai anda fazendo pelas minhas costas. __ Tudo bem, eu te pego na sua casa hoje a noite e conversamos tá ? tenho que ir trabalhar. Não sei se foi a pontada de medo ou tristeza que passou pelo olhar dele ou se foi outra coisa, mas eu sabia que a coisa era grave. __ Certo, me deseje boa sorte. __ Você não precisa disso. Sorrio para ele, era nesses momentos que eu tinha as minhas duvidas sobre ficar ou não com ele, talvez eu devesse ceder. Naquele dia, começaria em fim uma nova fase da minha vida, eu sabia que passaria por esta entrevista com sucesso, não por me achar melhor, mas por saber da minha capacidade, respiro fundo e entro na industria CTR pela porta de vidro, pela primeira vez em um lugar desses não me olham torto mas sim com admiração. Lembro de outra frase que meu pai sempre me dizia, " Eva, minha doce Eva, tanto mel um dia vai lhe causar problemas ", e ele estava certo, a doçura que eu mantive mesmo naquele mundo tão hediondo me custou muito, custou dores físicas, mas o pior foi o que eu perdi, a minha alma, a fé, a esperança e qualquer sentimento bom que pudesse haver no mundo. * Como vimos até aqui Eva não era má desde o inicio, era uma dessas criaturas que se doava por todos, mas o que aconteceu de tão pesado em sua vida para torna-la uma assassina c***l e sem limites ?
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