Ângela
Dói, mas não é tanto, acho que está bem melhor, abro meus olhos e pisco para as lentes voltarem ao lugar certo. Tento mexer meus braços, mas não consigo, um está imobilizado, o outro está entrelaçado com um homem, que está dormindo ao meu lado.
Acho que estou delirando, ele está bem junto de mim, uma mão sobre minha barriga, seu rosto em meu ombro, ele respira baixa e me causa arrepios, fico paralisada, consigo vê um pouco de luz saindo entre as cortinas da janela.
Minha boca está tão seca, estou morta de sede. É o médico, foi ele que cuidou de mim, realmente cuidou, me sinto bem, a dor é mínimo, mas tenho medo. Mantenho minha respiração presa, com medo de acordar ele e ficar furioso com isso.
O calor de seu corpo é intenso, estou um pouco suada, o peso de seu braço e cabeça é um pouco desconfortável. Acho que dormiu assim para que eu não fuja, não consigo controlar as lágrimas, eu não fugi, estou numa prisão pior, só pode ser isso. Fungo, travo quando ele se mexe.
Não consigo ver seu rosto, ele tira o braço de cima de mim muito rápido e se afasta na mesma velocidade, não consigo levantar e correr, acho que se eu tentar vai ser pior.
— Me desculpe, eu, acabei dormindo. — Olho para ele sem entender, ele sorri, sorri, como assim? Aperto o lençol que me cobre, minha mão está quente. — Numa escala de um a dez, qual seu nível de dor?
Quê?
Contorna a cama e eu me contráio sobre ela, ele percebe, mas não diz nada, alcança o suporte com o soro vazio, tira, coloca outro.
— Então? — Ele se afasta um passo. — Eu sei que você fala. — O jeito que ele me olha é muito estranho, desvio meu olhar. — Preciso saber como está sua dor para ver a dosagem dos medicamentos que estou administrando, entende? — Fala comigo como se eu fosse uma criança, com calma e paciência, sem nenhum tipo de arrogância ou ignorância.
— Cinco. — Falo, mas sai muito baixa, limpo minha garganta seca. — Cinco. — Olho para ele, tentando adivinhar o que vai fazer. Sorri, estou começando a ficar com muito medo.
— Então vou continuar com a dosagem que já está tomando. — Ele pega um caderninho numa cômoda e anota. — Qual seu nome? Quer que eu ligue para alguém? — Olho para porta, está longe demais para o meu estado. Olho para ele, está com a sobrancelha erguida, esperando uma resposta.
— Ângela, meu nome é Ângela... — Arranha muito e dói, ele sai pela porta do quarto aberta e retorna com um copo de água.
— Posso te ajudar? — Pergunta a um passo da cama. Balanço a cabeça, ele coloca o copo no criado mudo ao lado da cama, se estica sobre mim, e eu posso sentir seu cheiro mais uma vez, é bom, o cheiro é bom, não é forte, nem enjoativo. Pega um travesseiro, coloca a mão atrás da minha nuca e me levanta um pouco, colocando dois travesseiros atrás de mim, assim fico um pouco sentada. — Respire fundo. — Obeceço. — Tonta?
— Um pouco. — Olho sedenta para o copo de água. Ele pega e coloca em minha mão.
— Beba devagar, pode sentir náusea. — Faço como diz, tomo apenas um pequeno gole, mesmo querendo engolir toda água de uma vez só. — Pronto. — Toma o copo da minha mão e coloca sobre o criado mudo ao meu alcance. — Em poucos minutos você bebe mais um pouco. Quer que eu traga o telefone, assim você liga para alguém, sua família ou amigos? — Insiste. Desvio meu olhar. Não tem. Sou só eu, sozinha.
— Eu vou embora assim que conseguir levantar. — Digo logo, ele estreita os olhos.
— Insisto que deve ligar para alguém. — Sua voz soa firme.
— Não tem ninguém, eu não tenho ninguém. — Contrai os lábios firmes.
— Entendo, então, o seu quadro requer cuidados, você precisa tomar antibióticos, está com pneumonia e algumas de suas feridas estão infeccionadas. — Começa a explicar.
— Eu vou... — Engulo em seco. — Vou morrer?
— Claro que não. — Sorri daquele jeito, como se o mundo fosse bonito. — Só precisa tomar os medicamentos nos horários certos, o seu braço está quebrado, o ideal seria realizar um raio-x. — Olho para o meu braço imobilizado contra meu peito, as faixas cobriam meus s***s, eu mantinha o lençol cobrindo o restante do meu corpo. — Olha, você pode ficar aqui, até se sentir melhor, depois eu posso te levar pra sua casa.
Sinto vontade de rir dele, parece tão feliz, tão, não sei explicar, não consigo identificar o que é, bondade sei que não é, por que eu nunca conheci ninguém bom de verdade, sempre quero algo em troca.
Realmente não tenho pra onde ir, ou a quem recorrer, então apenas concordo com o que diz. Eu posso aguentar, ou dar a ele o que ele quer, quando estiver melhor.
— Certo, eu vou comprar algumas coisas, minha geladeira só tem pizza. — Eu adoro pizza, adoro qualquer comida, meu estômago ronca muito alto, ele começa a rir alto. — Acho que isso é bom.
Não consigo não olhar pra ele incrédula, esse homem deve ser um psicopata, daqueles muito malvados, o tipo que cuida e mata aos poucos, sim, deve ser isso.
— Não levante, assim que eu chegar te ajudo. — Só faço concordar, é o melhor a se fazer, não quero irritar ele de alguma forma, dizendo o que ele não quer ouvir.
Ele abre uma gaveta, pega uma roupa e sai, fecha a porta, aposto que passou a chave. Tô ferrada, vou ter que fugir, mas nem sei se vou conseguir, estou fraca.
Olho para o quarto, é muito organizado, não tem nada fora do lugar, pego o corpo, bebo alguns goles, sinto a ânsia, fecho meus olhos e respiro fundo.
Meu corpo está um pouco sujo de sangue, estou me sentindo estranha e suada. Ouço o barulho de porta sendo fechada. Saiu. É minha chance, preciso fugir. Tem que ser agora. Afasto o lençol, preciso pegar alguma roupa dele e vestir, coloco as pernas pra fora. Puxo com meus dentes o soro em meu braço, sangra, mas é o de menos. Levanto dou um passo e desmaio, caindo com tudo no chão.