Prólogo
A feiticeira empurrou a porta de madeira, deixando o vento quente da tarde de verão adentrar a casa. Inspirou fundo e fez uma careta ao identificar o usual cheiro de fumaça percorrer o ar, como acontecia em todos os dias desde que ensinara magia ao menino. Na verdade, não tinha certeza de que ele aprendera o que ela tentara lhe passar – parecia mais que havia desenvolvido seu próprio método de queimar as coisas.
Deu de ombros. Não lhe importava o modo como ele fazia magia, contanto que ele, de fato, a fizesse; a bruxa apenas se importava com o que conseguiria realizar quando finalmente pudesse usá-lo em seus planos. Em breve, pensou. Ainda está muito cedo.
Deixou a porta bater atrás de si quando saiu e contornou a pequena cabana, evitando os olhares curiosos que os vizinhos sempre lhe dirigiam. Com poucos passos, chegou a uma área isolada da vila em que morava: seu próprio quintal. Escondido de todos os sussurros desconfiados dos camponeses que m*l conhecia, o amplo lugar era tão vazio quanto o interior de sua casa. A feiticeira atribuía a culpa daquela infeliz realidade à pequena quantia de dinheiro que lhe fora deixada após a morte de seu líder.
Quando o maior feiticeiro que Cannehor já havia visto foi derrotado, todos os outros bruxos recuaram e se camuflaram entre os mortais, procurando esconder-se da poderosa maga que controlava a natureza e, agora, comandava o reino. Eles tinham medo de serem capturados pelo exército da rainha, mas a feiticeira de Darkot Village sabia que a nova família real jamais pensaria em organizar uma caça às bruxas. Eram fracos demais para isso, misericordiosos demais. Acreditavam muito em bondade. E ela usaria isso a seu favor.
— Aqui está você — disse ela, em um tom leve de repreensão, quando avistou a pequena criança ajoelhada em frente a uma fogueira. Agarrou-lhe o braço e virou-o para si, franzindo o cenho para o sorriso satisfeito do menino. — O que eu disse sobre usar seus poderes sem minha supervisão?
— Mas, mamãe... — começou ele, tirando o cabelo loiro dos olhos para poder enxerga-la melhor.
— Não me chame assim — rosnou a bruxa, retesando-se. Endireitou a postura e se afastou da criança. — Nunca me chame assim.
O menininho ignorou sua raiva e abriu um sorriso largo, aproximando-se da mãe:
— Mas eu consegui acender uma fogueira. Sozinho! Vê? Fui eu que fiz!
Apontou para a chama que crepitava ao seu lado e engolia preguiçosamente um amontoado de folhas secas. Não era muito. O fogo estava quase se apagando, não duraria o suficiente para terminar de carbonizar as folhas.
Com um floreio das mãos, a bruxa apagou a fogueira e suspirou. Decepcionado, o menino loiro fungou e segurou as lágrimas que ameaçaram escorrer por seu rosto.
— Eu só queria deixa-la orgulhosa — murmurou, baixando a cabeça e esfregando os olhos, que, estranhamente, ainda não haviam se tornado negros, apesar de toda a magia que já usara.
A feiticeira suspirou, cansada do drama que sua vida tinha se tornado, mas não pôde deixar de sentir pena pelo menino. Afinal, ele não pedira para nascer e não tinha culpa de tudo o que havia acontecido a ela.
— Olhe para mim — ordenou, após um tempo em silêncio. Com os olhos inchados e uma expressão manhosa, o garoto obedeceu à feiticeira e encarou-a através das lágrimas. — Nunca abaixe a cabeça diante dos desafios. Você me ouviu? Nunca. Aquele fogo era apenas uma prova da sua fraqueza. Não estava bom o suficiente, não ainda. Você deve tentar de novo, e de novo, e não pare até conseguir produzir algo significante.
— Está bem — murmurou, obediente.
— Bom. — Ela ergueu o olhar e fitou o céu, observando as pesadas nuvens de chuva se formar acima de suas cabeças. — Agora vamos logo. O jantar está quase pronto e a tempestade vai logo nos alcançar. Devemos nos proteger dos raios e relâmpagos.
Ele assentiu e enxugou o rosto com a manga da camisa. Seguiu a bruxa quando esta tomou o caminho pelo qual viera, para retornar à cabana. Antes de sair do quintal, certificou-se de que sua mãe não olhava e virou-se rapidamente, a fim de experimentar um último gostinho de magia. Abanou os dedos na direção da pilha de cinzas que deixara para trás e sorriu, presunçoso, ao ver o fogo engoli-la novamente.
Não ligava para o que a feiticeira dizia. Para o menino, aquela pequena demonstração era mais do que o suficiente. Ele tinha poderes. Era só o que lhe importava.
E, no futuro, iria usá-los para grandes planos.
***
A rainha estava sentada no banco do jardim, ansiosamente aguardando. Esfregava os braços por conta do frio repentino que assolava a tarde quente no espaço particular da família real, ao qual apenas ela, o rei e a garotinha à sua frente tinham acesso permitido. O segredo do local era encoberto por sua localização favorável: acessada apenas por uma passagem secreta, a ampla clareira ficava nos fundos do castelo e era rodeada por uma floresta densa. A rainha ainda se lembrava de quando seu marido lhe dera aquele espaço com presente de aniversário, e de como ela cuidara dele por anos...
Saindo de seus devaneios, a mulher observou a menina, corroendo-se de antecipação. Queria ver o que aquele humano em miniatura sabia fazer. A neve que caía ao seu redor em pleno verão era uma boa prova da amplitude da magia que percorria as veias da pequena princesa, mas nem de longe podia ser considerado o suficiente. Se ela sabia c******r, deveria saber descongelar; afinal, dominar os poderes e ser capaz de apagar os vestígios da magia era fundamental.
O rosto pálido e adornado por longos cabelos castanhos estava contorcido de concentração enquanto a garotinha encarava o chão coberto de neve fofa. Seus olhos dourados brilhavam, o que fazia a rainha lembrar-se de seu marido, cujas íris eram tão parecidas com as da filha. As madeixas escuras, no entanto, eram uma herança da avó da menina, a qual a princesinha não teve a chance de conhecer. A senhora Beaumont morrera muito cedo, por uma fatalidade...
Afastando os pensamentos sobre a morte da mãe, a rainha levantou-se em um salto quando o chão sob seus pés começou a derreter e molhar seus sapatos. Gradativamente, a neve do local sumiu e a temperatura aumentou alguns bons graus.
— Eu consegui, mamãe, eu consegui! — exclamou, correndo para os braços da mulher quando a paisagem tropical era tudo o que se via na clareira. Seu pequeno vestido farfalhou quando tropeçou para alcançar o outro lado do jardim, onde a mãe se sentara.
— Eu estou vendo, meu amor. Meus parabéns! — a rainha disse, ajoelhando-se e abrindo os braços para receber a empolgação da princesa.
— Você acha que o papai vai gostar, mamãe? E o titio Matt?
— É claro que vão, querida. Seu pai e seus tios têm muito orgulho de você, assim como eu.
— Ah, Logan vai morrer de inveja! Espera só até eu contar a ele... Vai ficar roxo.
A rainha balançou a cabeça e riu. Aquela implicância de amizade entre a princesa e o príncipe era muito parecida com a que ela própria tinha com o pai do menino — Matthew, o atual conde do reino. As duas crianças consideravam-se primos, mas não havia r*****o de sangue entre Jennifer e Logan — porque, além de o conde não ser realmente irmão da rainha, Logan era adotado.
— Vocês dois não têm jeito... — disse a mulher, por fim, sorrindo mais uma vez.
A garota apenas deu de ombros e saiu em disparada até a entrada para o castelo, ansiando para exibir seus novos feitos. No entanto, apesar de gostar de ouvir os elogios e as congratulações, não ligava realmente para o que os outros achariam. Ela tinha poderes. Era só o que lhe importava.
E, no futuro, iria usá-los para grandes planos.