Um sentimento de nostalgia dominou a bela morena ao descer do carro em frente ao jardim da casa onde morou até sua adolescência. Os jardins outrora tão bem cuidados não viam uma poda há tempos, provavelmente. As flores que a mãe cuidava com tanto carinho... já não existiam mais. A fachada da casa permanecia a mesma, mas as paredes descascadas, sujas, sem uma pintura decente denunciavam a situação financeira.
Os pais, principalmente Peter sempre se orgulharam da imponência daquela mansão e faziam questão de mantê-la bem cuidada, luxuosa e elegante. Sentindo lágrimas nos olhos Jane imaginou como estaria seu interior. Não significava que luxo era o mais importante para ela. Nunca foi. Se fosse analisar friamente a boa situação financeira da família só foi aceita de bom grado na época em que cursou a faculdade.
Sabia que se as condições não fossem tão favoráveis ela talvez jamais conseguisse cursar umas das melhores faculdades de medicina do mundo, além de arcar com os custos do modesto, mas bem equipado apartamento em que morou naquela época.
Agradecendo ao motorista de Ethan, ela se afastou do carro e caminhou até a entrada da casa seguida pelo pai. Algumas pedras da varanda feitas do melhor mármore estavam encardidas, como se há tempos não fosse feita uma faxina decente. Mas apesar de saber que os pais não estavam desfrutando de antigas regalias, ela não pode deixar de sentir uma paz, uma satisfação ao estar novamente ali.
Não poderia se esquecer jamais de que ali ela viveu os melhores momentos... e também o pior de sua vida. Mas esse último ela preferia esquecer, embora fosse difícil agora de volta àquela casa... e à vida daquele que proporcionou a maior decepção de sua vida.
— Filha? Eu sei que... pode não estar tão confortável, mas ainda é um lar.
— Você disse tudo pai. É o meu lar. O senhor mais do que ninguém sabe que embora eu estivesse longe, batalhando e fazendo meu trabalho eu nunca deixei de pensar em vocês um minuto sequer. Se fiquei tanto tempo ausente...
Ele me interrompeu com voz embargada.
— Eu sei. Nós sabemos disso querida.
— Não foi certo pai. Vocês não poderiam ter escondido essa situação de mim.
Agoniado, pois mesmo acreditando que aquela tinha sido a melhor opção, Peter segurou no braço da filha e a fez girar para encará-lo.
— Eu sei que não deveríamos ter deixado você no escuro. Mas também não poderíamos tirá-la do seu trabalho. Aquilo é sua vida, Jane. Eu sei que nunca disse isso... mas eu me orgulho do trabalho que você faz. É incrível. E me orgulho muito também... você não pode imaginar o quanto... da mulher maravilhosa na qual você se transformou.
— Ah pai...
Ela o abraçou fortemente. Não foram poucas as vezes em que se recriminou por estar tão envolvida com o trabalho e longe de casa. Mas aos seus olhos os pais viviam em clima de lua de mel, sempre viajando, curtindo a vida e tudo de bom que o dinheiro podia proporcionar. Agora se amaldiçoava. Talvez se tivesse prestado um pouco mais de atenção as coisas não tivessem chegado a esse ponto.
— Não era minha intenção fazê-la chorar. Vamos lá... sua mãe está louca para vê-la.
Jane também estava ansiosa. Somente agora tinha real noção do quanto sentiu falta da família. Entraram em casa abraçados e não foi surpresa nenhuma perceber que o interior da casa já tinha visto dias melhores. Não estava obviamente inabitável, mas não tinha mais aquele toque acolhedor e de conforto de antigamente.
Percebendo o estado nostálgico da filha Peter suspirou e piscou algumas vezes, tentando inutilmente afugentar as lágrimas. Porém foi em vão. Ele se sentia um lixo, um ser desprezível. Quantas e quantas vezes Diana e até mesmo Jane disseram que aquela compulsão por jogos era um vício perigoso? Era doença? Por que não procurou um tratamento enquanto era tempo?
Essa tardia percepção não seria de grande ajuda no momento. Não quando a mulher que amava, a companheira da vida inteira estava tão gravemente enferma. Ele precisava ser forte, mas na maioria das vezes ele apenas fingia ser. Sozinho, longe dos olhos de Diana ele chorava toda sua dor. Dor em ver a esposa sofrendo tanto.
Alheia aos pensamentos dolorosos do pai, Jane deu alguns passos se afastando dele e parando em frente ao aparador onde Diana fazia questão de deixar vários porta-retratos da família em diversas ocasiões. Pelo menos isso permanecia igual.
Não se deteve por muito tempo. Precisava ver e abraçar a mãe. Por isso logo subiu seguida pelo pai e se dirigiu à primeira porta do lado esquerdo do corredor. Estava entreaberta e após empurrá-la totalmente Jane teve a visão que fez seu coração se apertar. Aquela imagem nem de longe lembrava a Diana cheia de vida, com olhos, pele e cabelos brilhantes. Os lábios que antigamente estavam sempre coloridos pelo batom rosado hoje estavam ressecados, assim como a pele de seu rosto e seus cabelos ralos e aparentemente quebradiços.
Ela sorriu ao ver a filha e a flacidez de sua pele ficou ainda mais perceptível.
— Filha! Ah minha querida... que saudade.
Já incapaz de segurar suas lágrimas Jane praticamente correu até a cama, sentando-se ao lado da mãe e a envolvendo num abraço repleto de saudade.
— Mãe...mãe... Que falta eu senti da senhora. Eu sinto tanto... tanto. Desculpe não ter sido uma filha...
— Não se atreva a dizer o que está pensando mocinha. Você foi cuidar do seu futuro, querida.
Ela se afastou um pouco e suas mãos trêmulas acariciaram o rosto úmido de Jane.
— Eu tenho tanto orgulho da mulher, ser humano e profissional que você se tornou.
Falou repetindo quase as mesmas palavras que Peter. E ao ouvir isso Jane chorou ainda mais. Que espécie de ser humano cuidava de outras vidas enquanto aquela que lhe deu à vida estava tão doente?
— Eu te amo mãe. Amo muito. E eu farei o impossível para que a senhora fique bem.
Diana suspirou e ficou olhando para o rosto lindo da filha.
— Tendo que se casar?
— Esqueça o Ethan. Eu sei muito bem como tratá-lo. Estou bem quanto a questão do casamento.
Os olhos das duas se encontraram numa conversa muda.
— Acredite em mim. Por favor.
— Eu acredito.
E realmente Diana acreditava que a filha poderia enfrentar Ethan Crown. Ela só queria saber até que ponto ela era imune a ele. Pois para ela não havia dúvida alguma de que ele gostava de Jane. As duas se abraçaram novamente enquanto Peter apenas as observava. Não havia muito o que dizer naquele momento. A emoção das duas dizia tudo.
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Deitada na cama em seu antigo quarto Jane olhava para um ponto fixo no teto. O relógio marcava quase uma da manhã mas ela não conseguia dormir. Aquele bolo em sua garganta a impedia. Quando seu pai lhe contou a respeito da proposta abusada de Ethan e dos motivos pelos quais ela teria que aceitar nunca imaginou que a situação fosse tão crítica.
Não tanto pelo lado financeira, mas pela saúde de sua mãe. Não esperava realmente que ela estivesse tão frágil. E pensar nisso aumentou o aperto em seu peito, o bolo em sua garganta aumentou e por fim as lágrimas quentes desceram incontroláveis pelo seu rosto.
Não suportava a hipótese de perder a mãe. Ou melhor não suportaria perder a família, pois sabia que Peter sucumbiria também. Jane nunca foi uma pessoa pessimista, principalmente vivendo em Burundi. Mas a fragilidade da mãe realmente a pegou de guarda baixa.
— Não perderemos, mãe. Não vamos desistir.
Falou consiga mesma. E nesse momento seus pensamentos escorregaram até Ethan. Se antes ela achava que não o conhecia realmente, agora ela tinha certeza. Que ser humano seria capaz de usar a doença de alguém para obter vantagem? O que ele pretendia? Apenas seu perdão? Ela não acreditava nisso. Ninguém é tão r**m a ponto de chantagear, usando uma pessoa tão debilitada apenas a troco de perdão. Isso só faria com que ela sentisse mais nojo dele.
Suspirando ela se virou de lado na cama e fechou os olhos. No dia seguinte iria atrás do "noivo" e exigiria honestidade. Pelo menos isso.
Colocou o travesseiro sobre a cabeça no momento em que a imagem de Ethan surgiu nítida em sua mente. Jane não era hipócrita, nunca foi. Ethan era lindo quando adolescente e estava arrebatador como homem maduro. Mas era frio, podre. Por dentro continuava o mesmo Ethan egoísta, fútil e sem escrúpulo. Pelo menos até o momento não havia uma única qualidade que fizesse dele merecedor da simpatia de Jane.
O perdão que possivelmente ele buscava, já o tinha há anos. Jane o perdoou por ter sido tão canalha. Ela só não perdoou a si mesma por ter ter entregue seu coração a quem não merecia.