Não estava sendo fácil. Além da raiva por causa dos últimos acontecimentos ainda havia a espera. Ethan não estava com a mínima paciência para isso, mas tentou se controlar. Desde a festa de noivado há três dias ele vinha remoendo os acontecimentos e a cada minuto se irritava um pouco mais.
Não conseguiu mais falar com Jane e isso contribuía para sua irritação. Ela estava deliberadamente fugindo dele. No entanto, tanto Peter quanto Diana garantiram que ela estava visitando umas amigas na cidade de Santa Cruz. Talvez não fosse de todo mentira, mas aquela visita obviamente tinha como intuito fugir dele.
Exasperado, e por que não dizer muito puto, ele se levantou da cadeira disposto a ir atrás do infeliz que o deixou esperando há quinze minutos. E ninguém deixava Ethan Crown esperando, principalmente sendo um subalterno.
Entretanto não deu seus primeiros passos e ouviu uma batida, em seguida a porta foi aberta por Gina.
— Com licença senhor Crown. O Sam já está aqui.
— Mande-o entrar.
— sim senhor.
Ele voltou a se sentar e em seguida o loiro alto entrou na sala. Quando soube que Ethan queria falar com ele e pior, fora da empresa, seu primeiro pensamento foi: o que eu fiz de errado? Logo pensou em demissão e o desespero ameaçou dominá-lo. Ele realmente precisava daquele emprego.
— Bom dia senhor Crown.
— Bom dia. Sente-se.
Sam se sentou e engoliu seco. Era diretor do setor de expedição da EC Techonolgy e seu salário era muito satisfatório. Não poderia se dar ao luxo de perde-lo e por isso imediatamente sua mente começou a procurar o motivo daquele chamado.
Entretanto Ethan não era homem de meias palavras. Nunca foi de fazer rodeios para obter ou falar o que queria. E não seria dessa vez que o faria.
— Irei direto ao assunto. Qual o seu relacionamento com Sophie?
— O que?
Ele falou com a voz um tanto esganiçada pelo susto.
— Qual o seu relacionamento com Sophie Brent?
Ethan repetiu lentamente cada palavra, olhando diretamente nos olhos de Sam.
— Eu... eu não tenho um relacionamento com a senhorita Brent. É apenas uma boa amiga.
Ethan arqueou a sobrancelha e continuou o encarando friamente como se não acreditasse em nenhuma daquelas palavras.
— Amiga? Não foi isso que chegou aos meus ouvidos. Soube que ela é sua namorada.
Sam arfou e arregalou ainda mais os olhos. Uma fina camada de suor já cobria sua testa e suas mãos tremiam ligeiramente.
— Nunca. Por favor... não temos nada. Como o senhor deve saber eu não sou de San Francisco e...
— Eu sei que não. Você veio de Seattle e muito bem indicado por alguém em quem confio.
— Sim. E então... eu não conhecia ninguém aqui e Sophie surgiu como uma boa amiga. Ela meio que...me inseria em seu círculo pois eu me sentia meio desligado. Mas eu posso garantir que não temos nenhum envolvimento. Eu... eu tenho uma namorada em Seattle e a amo muito. Inclusive ela está grávida e... é uma gravidez de risco. Sophie a conheceu quando esteve aqui antes de confirmamos os riscos na gestação.
— Mas você esteve com ela em minha festa de noivado.
— Sim, mas foi ela quem se convidou para me fazer companhia.
Ethan se remexeu inquieto e continuou encarando Sam, mas dessa vez com expressão menos severa. Sabia ler muito bem as pessoas e se fosse comparar a expressão dele com a de Sophie ao dizer que eram namorados... não havia dúvida de quem mentia.
— Eu acredito em você. Mas eu so digo uma coisa...
Inclinou-se para frente e Sam acreditou nunca tê-lo visto de forma tão ameaçadora.
— Afaste-de dela. Pelo seu bem... da sua namorada e do seu bebê. Sophie, eu e minha noiva temos algumas divergências e pode ter a certeza de que ela se convidou para lhe fazer companhia não foi a toa.
— Oh... eu juro que não sabia.
— Eu sei que não. Apenas aceite meu conselho e afaste-se dela. Agora pode ir.
— Sim... tudo bem. E obrigado por acreditar em mim.
Ele se levantou ainda meio trêmulo.Emily precisava dele e de salário para conseguir pagar todos os gastos com consultas com especialistas por causa da gravidez. Não poderia de forma alguma perder esse emprego agora.
— Sam?
Ethan o chamou antes que alcançasse a porta.
— Sim?
— Se precisar de alguma coisa... para sua namorada não hesite em me procurar.
— Sim senhor. Obrigado.
Assim que a porta foi fechada Ethan recostou o corpo na cadeira e fechou os olhos suspirando pesadamente.Maldita Sophie que resolveu surgir do além para infernizá-lo. O que aquela desgraçada queria? Ver sua derrocada? Porque era óbvio que ela sabia que Jane ficaria furiosa com sua presença. E ele sequer teve tempo de saber o que as duas conversaram.
Não sabia mais o que fazer.Na verdade queria conversar com Jane antes do casamento, mas ela fazia de tudo para fugir dele. Pelo jeito não lhe restava alternativa a não ser esperar.
Ajeitou o corpo na cadeira e abriu a pasta onde estavam os documentos relacionados aos projetos que andou pensando para a tal ajuda humanitária que Jane pediu.
Há alguns quilômetros dali Jane se divertia com Laura e Paul. Já tinha resolvido a questão de sua ida até Santa Cruz e agora queria apenas a companhia dos antigos amigos, embora alguns deles estivessem ausentes. Porém os dois a fizeram se esquecer por algumas horas daquele casamento que estava cada vez mais próximo e também dos acontecimentos no dia do seu noivado.
Por dois dias ela pensou naquele reencontro com Sophie. Do fundo do seu coração ela afirmava que já tinha perdoado Ethan por seus erros. Mas perdoar não significava aceitá-lo de volta em sua vida. Mas Sophie ela não perdoaria jamais. Sabia muito bem que tudo o que ela fez foi com a intenção de ter alguns momentos com Ethan. E ela conseguiu.
Não importava se os dois não estavam juntos, se não se falavam ou se Ethan a odiava. A verdade é que Sophie teve uma parte de Ethan que Jane jamais teve. Quem poderia dizer que ela perdeu? Ela quis levá-lo para a cama e conseguiu.
— Você ri, se diverte, mas sua mente está longe daqui.
— Desculpe Laura. Realmente por mais que eu tente certas coisas não saem da minha cabeça.
— Olha... nós estivemos por perto, sabemos de toda a canalhice, mas... pelo que eu vi e ouvi Ethan mudou Jane. Já que vão se casar por que não tentam? Quem sabe da certo? Quer dizer foi há tanto tempo...
— E vocês eram muitos jovens. Todos nós aliás.
Paul completou olhando intensamente para a amiga.
— A questão aqui não é apenas o perdão. Eu acho que já o perdooei por sua fraqueza. Eu só não perdoo a falta de confiança. Ele não confiou em mim e me apunhalou pelas costas. E agora sou eu quem não confia mais. Como um relacionamento pode dar certo sem confiança?
— Eu entendo. Mas me diga apenas uma coisa: você ainda gosta dele?
Jane permaneceu um longo tempo apenas olhando para o mar. Adorava aquela pequena cidade, umas das primeiras onde surgiu o surf. Quantas e quantas vezes não ficou ali babando pelas manobras dos surfistas e sonhando em fazer o mesmo um dia? E como se esquecer que foi ali que o viu pela primeira vez?
— Jane?
Após um longo suspiro ela girou a cabeça e encarou Paul e Laura.
— Depois do que aconteceu eu simplesmente enterrei Ethan em um canto bem obscuro da minha mente. Eu não me permiti pensar nele, remoer os fatos, ficar chorando pela perda. Eu apenas me joguei de cabeça nos estudos e no trabalho. Sequer parei para pensar que um dia ficaríamos novamente frente a frente.. Resumindo: eu não pensava em nada relacionado a ele, inclusive se havia ainda algum sentimento dentro de mim. Então... eu não sei responder essa pergunta.
— Ok. Entendi. Mas saiba que se você não sabe a resposta, eu sei.
— É... nós sabemos.
E os três olhando para o mar, sem sequer prestarem atenção às pessoas que se divertiam deixaram que o silêncio reinasse entre eles, cada um perdido em seus próprios pensamentos.
****
Dias depois
Os olhos que encaravam o espelho não transmitiram nenhuma emoção, apenas um conformismo inquietante. Enquanto Jane rezava pelo arrastar das horas, o tempo insistia em correr fatalmente chegando ao dia de seu casamento. Tentou ao máximo e conseguiu evitar Ethan nos dias anteriores. E sabia o quanto isso o deixou angustiado. Ela percebeu isso em seu tom de voz nas inumeras mensagens que deixou em seu celular. Talvez tivesse medo de que ela voltasse atrás em sua decisão.
Seria típico dele pensar isso. Ele não a conhecia suficientemente bem para saber que ela jamais voltava atrás em suas promessas.
— Eu não gosto dessa expressão em seu rosto.
Os olhos de Jane se desviaram de sua imagem e se encontraram com os de Diana parada ao seu lado.
— A senhora não deveria estar na cama?
— Eu ainda consigo ficar de pé Jane. Ainda quero entrar dignamente na igreja ao lado do meu marido para ver minha filha se casar.
Jane retorceu a boca numa expressão de desgosto.
— Esse não é um casamento dos sonhos, a senhora bem sabe disso.
— Querida...
Diana tocou as mãos de Jane e a fez girar ficando de frente pra ela. Jane não podia negar que a mãe estava bem mais magra e aparentemente envelhecida para sua idade. Entretanto sua aparência estava bem mais saudável do que quando a viu pela primeira vez logo que voltou da Africa.
— Você não quis me contar o que houve entre você e Ethan. Sei que não deve ter sido fácil, mas o tempo passou. Vocês amadureceram. Por que não conversarem agora e tentarem restaurar a confiança quebrada? Eu gostaria muito que você me considerasse digna da sua confiança. Eu gostaria de ouvir a sua versaõ dos fatos.
Jane encarou a mão por um tempo, a testa franzida tentando assimilar as palavras.
— O que quer dizer com... a minha versão dos fatos? O que a senhora sabe?
— Eu sei a versão dele.
— O que? Como?
— Ethan me contou.
Jane ficou petrificada. Jamais imaginou que Ethan teria a pachorra de contar a história deles justamente para Diana. Ela riu desgostosamente. Ethan era muito baixo. É óbvio que estava se aproveitando da doença da mãe para tentar puxá-la para o seu lado.
Percebendo que a filha estava julgando precipitadamente Diana balançou veemente a cabeça.
— Ele não estava buscando minha simpatia, querida. Ele queria apenas desabafar. Eu acredito no arrependimento dele e mais...
Dessa vez ela encarou Jane com firmeza, apesar de seu aspecto frágil.
— Eu confio que ele a fará feliz. Basta você tirar a armadura desse coração.
— Eu tirei uma vez. E ele o estraçalhou.
— Jane...
— Acho que está na hora mãe. Não queremos deixar meu futuro e adorável marido esperando.
Diana não ousou discutir mais. Embora quisesse aparentar força ela se sentia cansada demais para tentar abrir os olhos da filha. Talvez Jane estivesse perdendo uma chance de ser feliz. Mas o que ela podia fazer além do que já tinha feito? Apenas torcer para que Ethan estivesse certo e no futuro pudesse ver seus netos correndo pela casa.
****
Toda a apreensão dos últimos dias desapareceram por encanto no momento em que Ethan a viu parada à porta da igreja. Seu coração batia errático, descompassado... alucinado. Por muito pouco seus pés não ganharam vida própria e não seguiram até a entrada arrancando Jane dos braços de Peter.
Procurando se acalmar ele inspirou e olhou para o lado onde seus pais estavam. Will e Marie jamais souberam da história daquele casal. Claro, na época ao verem como o filho estava transtornado, a beira do desequilíbrio os dois buscaram informações sobre o que levou o filho àquele estado de autocomiseração.
Não o julgaram, embora não concordassem com aquela sujeira. Principalmente porque ouviram boatos de terceiros e nunca a verdade através do filho. Somente agora com a notícia do casamento eles puderam arrancar a verdade de Ethan. Não foi uma conversa fácil, mas agora Ethan se sentia mais leve. Lógico, se sentiu um lixo ao ver a decepcção nos olhos dos pais, principalmente nos de Marie. Ela que sempre o ensinou a sempre dar o benefício da dúvida e nunca... jamais dar ouvidos a mexericos.
Marie sorriu para o filho em aprovação. Apesar de ainda um pouco distante pode ver toda a formosura de sua nora. Lembrava-se de Jane, mas os anos passaram e aquela adolescente tinha se tornado uma belíssima mulher. Will colocou a mão de Marie que repousava em seu braço e sorriu. Embora julgassem a atitude do filho impensada e inconsequente, torciam para que a união entre os dois desse certo.
Nervosa Jane se agarrou à manga do paletó de Peter e caminhou até Ethan. Se havia algo que ela jamais se cansaria de assumir era: Ethan era lindo. O homem mais lindo que já conheceu. Pensar nisso a deixou com a boca seca e o coração de repente disparado. Agora se perguntava se aquilo daria certo. Ela deveria ter brigado, gritado, batido, mas jamais ter aceitado se casar com ele. Devia haver uma saida. Claro que havia. Ela apenas não conseguia enxergar a porta.
Porém agora era tarde demais. Ela não era tão r**m e rancorosa a ponto de dizer não a ele em pleno altar. So lhe restava prosseguir com o casamento.
***
Os olhos estavam úmidos, a garganta embargada... e ele se sentia um t**o. Sabia que era quase uma farsa, uma obrigação, mas ele estava se casando com a mulher que amava e isso bastava para que sua emoção aflorasse.
Agora oficialmente declarados marido e mulher, Ethan fechou os olhos brevemente e apenas pediu uma segunda chance. Era tudo o que ele pedia. E uma segunda chance significava fazer com que Jane pelo menos ouvisse sua versão da história.
Pateticamente ele percebeu como tremia ao ficar de frente para sua esposa. Ambos se olhavam mas nenhum dos dois sabia explicar o sentimento no olhar do outro. Um pouco satisfeito Ethan sentiu Jane estremecer quando ele tocou seu rosto. Ela queria gritar e fugir, mas se manteve estática enquanto o via aproximar o rosto. Logo seus lábios se encontraram causando um frenesi inexplicável em ambos.
Se por um lado Ethan estava eufórico por mais uma vez provar dos lábios de Jane, ela estava arrasada por perceber que mais uma vez ele conseguia balançar suas estruturas. Felizmente, tendo convivido diariamente com o lado mais c***l da vida, ela sabia muito bem como disfarçar suas emoções. Retribuiu, correspondeu ao beijo, mas ao se afastarem tudo o que Ethan viu em seus olhos foi frieza e indiferença.
Engolindo o orgulho Ethan sorriu e com a mão na cintura de Jane girou seus corpos de frente para os convidados. Porem seu sorriso desapareceu completamente ao ver na primeira fila alguém que não estava ali antes.
Disfarçando seu ódio ele sorriu novamente e disfarçou, como se beijasse o rosto da esposa.
— Você convidou Phillipe Patel?
Afastou-se sorrindo falsamente. Jane também sorriu com o mesmo nível de falsidade.
— Olho por olho...