Superficial

2205 Words
Tendo feito todas as provas finais e com notas boas, Elisabeth não necessitou participar da última semana de aula, o que foi perfeito para seu plano. Passou aqueles dias indo com sua mãe ao esteticista, cabelereiro, modista e spa, preparando-se para enfrentar Andrew e sua turma de queixo erguido. A formatura do colegial ocorreria na noite de sexta-feira, sendo uma festa com música, dança, comes e bebes a vontade e, o principal para Elisabeth, a presença de todos os alunos e seus familiares. De manhã, com a ansiedade agitando-se em seu estômago, deixou-se cuidar pelas mãos dos profissionais contratados por sua mãe. Seu longo cabelo, agora com um corte moderno e mechas em tons de chocolate, foi preso em um coque frouxo com fios soltos e enfeitado com uma tiara de brilhantes, feita pela joalheria de sua família. A maquiagem, embora leve, destacava seus lábios com um tom de cereja e lhe dava um olhar de gata, pelo delineado e o rímel destacando os cílios longos. Não havia como, em uma única semana, lhe dar formas mais curvilíneas, mas a talentosa modista indicou um espartilho, para destacar os s***s e a cintura fina, e um belíssimo vestido vermelho com saia ampla. Ao seu olhar no espelho antes de sair de casa sentiu-se como uma rainha. Para sua satisfação, essa impressão refletiu-se nos rostos de todos quando atravessou o portal que levava ao salão da festa. Embora nervosa e levemente trêmula, seguiu o garçom para o lugar previamente selecionado para sua família de queixo erguido, a postura perfeita e o olhar altivo. O coração retumbando em seus ouvidos não conseguiu ocultar as expressões de deslumbramento dos colegas, professores e familiares ao redor, que, mesmo com seu pai e sua mãe ao seu lado, não a identificaram de imediato. A cada novo passo, a cada expressão de espanto, admiração e até inveja, o sorriso, de início falso, ampliava-se com veracidade e brilho. Quando chegaram as mesas, antes que pudesse sentar-se, Elisabeth reparou no grupo de rapazes vindo em sua direção, entre eles Andrew, que estava sentado, junto dos familiares, na mesa ao lado da que estava reservada para ela. Preparando-se para qualquer tentativa de humilha-la, Elisabeth aguardou em pé, mantendo a postura orgulhosa e o sorriso inabalável, mesmo que por dentro estivesse à beira de um colapso nervoso. Ao contrário do que imaginou, no lugar de algum comentário depreciativo para constrangê-la, foi convidada por todos para dançar no centro do salão, aonde alguns casais rodopiavam em uma canção romântica. Confiante e satisfeita pelo impacto que causou, Elisabeth ignorou os outros garotos e focou sua atenção total em Andrew. — Agora sou o tipo de garota que te atrai, Andrew? — perguntou, relembrando-o da declaração dela não ser o tipo dele. As sobrancelhas de Andrew se uniram, as íris azuladas percorreram Elisabeth de cima a baixo, se detendo em cada detalhe, procurando uma centelha de reconhecimento sem sucesso. Foi ao reparar o aparelho dentário, que Elisabeth não podia tirar nem mesmo para aquela festa, que a identidade dela brilhou em seus olhos arregalados. — Bombi? É você mesmo? — Meu nome é Elisabeth — retrucou com a confiança adquirida através da raiva pelas humilhações dele. Andrew olhou para Elisabeth em choque, sem acreditar que ela conseguiu em uma semana transforma-se de lagarta pavorosa em uma borboleta atraente. Mesmo odiando-a, por ter alimentado os avôs de ambos a insistir num noivado que o amarraria a sua feiura, vestida daquela forma, ocultando seus defeitos com a maquiagem bem colocada, poderia conformar-se em apresenta-la como noiva. Ainda não estava satisfeito em ter que atura-la, pois a achava fraca de personalidade, uma chorona que virava uma foca em suas crises de falta de ar. Se ela mantivesse a boca fechada, e o corpo a disposição dele, poderia acostumar-se a atura-la quando cassassem. — Está diferente, magnífica — ele declarou impressionado, soltando um assobio ao apreciar o corpo dela de cima a baixo novamente. — Sou um cara sortudo pra caramba. — Andrew esticou a mão. — Venha dançar comigo, minha bela noiva. Elisabeth olhou para a mão estendida, depois para o sorriso conquistador, e o fitou com dureza, embora sua boca estivesse curvada com doçura. — Quero dançar — soltou suavemente, causando o brilho vitorioso na face de Andrew até acrescentar: —, mas não com você. — Para surpresa dele, de suas famílias e de todos observando-os, voltou-se para Mikhael, que permanecia sentado com os pais. — Vamos dançar, Mikhael. O rapaz a encarou confuso por menos de um segundo, logo se ergueu e a seguiu para a pista de dança. Orgulhosa consigo mesma, Elisabeth deixou-se guiar na dança, mantendo os olhos atentos ao rosto contorcido de raiva de noivo arrogante e c***l. Ele recebia exatamente o que merecia dela: total desprezo e a devolução de parte da humilhação que a fez sofrer. ~*~ A festa seguiu-se pela noite, a cada pedido de dança, agitada ou romântica, Elisabeth aceitava com um lindo sorriso. O único rapaz que recusou, cinco vezes até ele desistir de pedir, foi Andrew. Sentada a centímetros dele, Elisabeth conseguia sentir a tensão dele, a vibração de pura indignação, como o tratamento frio que reservava a ele o irritava. E isso a divertia mais que a festa, música ou as caras de bobos de seus colegas ao notar que a patinho feio transformou-se em uma linda cisne. Necessitando de um pouco de descanso dos convites dos colegas, após mais uma dança, em vez de voltar à mesa dos familiares, foi para o corredor passar um tempo sozinha. Seu sossego durou pouco, de repente teve a cintura segurada e foi prensada contra uma parede. Assustada, encarou Andrew. — O que...? Andrew, com seu sorriso e olhar sedutor, que até aquele dia reservava a outras garotas, jamais para ela, deslizou a mão pela pele dela. Longe de derreter-se ao toque dele, como ele desejava, Elisabeth sentiu-se gelada e com medo. — Está realmente muito linda, minha noiva — ele disse inclinando-se na direção dela, que afastou o rosto o máximo que conseguia. O que era pouco por estar contra a parede. — Admito que errei quando disse que não faz meu tipo — ele declarou, os olhos fixos nos s***s apertados no espartilho. — Até quero adiantar a lua de mel — disse deslizando a língua pelo lábio inferior. O pavor atravessou Elisabeth quando ele inclinou-se e plantou um beijo em sua clavícula. O aperto em sua cintura aumentou e Andrew deslizava a outra mão por sua b***a. — Pare com isso! — exigiu plantando as mãos no tórax dele para afastá-lo, embora sem sucesso por ele ser mais forte. — Me solte! — Qual é, Bombi! Em breve estaremos casados, que custa me dar uma provinha. — Nosso casamento demorará, porque estudarei no exterior por cinco anos ou mais — anunciou na esperança dele desistir de toca-la e beija-la. Andrew a fitou intrigado, sem se afastar um só milímetro. — Pra quê estudar? Sua beleza e riqueza é suficiente pra mim. Elisabeth considerou o comentário repugnante, assim como todos que ele lhe lançava desde que se conheceram. — Não entendo como me deixei enganar pelas suas cartas. Você não é nada do que imaginei, é justamente o oposto. Só se importa com beleza e dinheiro — declarou e, decidida a fazê-lo solta-la, ergueu o joelho com força, atingindo-o em cheio. Andrew caiu sentado no chão, às mãos encaixadas entre as pernas, urrando de dor. — Vou estudar por quanto tempo eu quiser, serei poderosa, não um rostinho bonito e superficial como você. Tendo dito tudo que ardia em seu coração, e temendo que Andrew se restabelecesse e revidasse o golpe, correu de volta ao salão, mas foi para um canto oculto em vez de seguir direto para a mesa de sua família. Por culpa da corrida, ou do nervosismo, sentindo o chiado no peito e a respiração falhando, necessitou pegar no discreto bolso da saia a bombinha para asma. Discretamente a utilizou sem que ninguém visse, de forma a não alarmar os pais e acabar fazendo-os mudar de ideia sobre seus estudos. Necessitava desse tempo longe, cuidando de sua saúde sem a interferência e superproteção da família, estudando e se tornando uma versão melhor e mais forte de si, alguém que ninguém, em especial Andrew, pisaria ou humilharia. ~*~ De volta à sua casa, Andrew estava furioso. O principal foco de sua raiva era a noiva. Elisabeth não só o humilhou durante toda a formatura, como o agrediu nas partes baixas. Nenhuma garota jamais teve a ousadia de despreza-lo, sempre era o contrário, e aquela bruxa, só porque conseguiu ficar bonita em um vestido e quilos de maquiagem, achava que podia humilha-lo? Mostraria a ela quem mandava depois que estivessem casados. Revidaria na mesma moeda cada raiva que ela o fez passar naquele dia. No lugar de ir para seu quarto, invadiu o de seu irmão adotivo sem nem mesmo bater na porta. Mikhael parou o ato de desabotoar a camisa social e o encarou por um instante, antes de baixar a cabeça como o simplório que era. — Não sei o que escreveu nas cartas pra Bombi, mas aquela i****a acha que sou fraco como você. Michael afastou uma mecha do cabelo longo para trás da orelha, ainda de cabeça baixa e encurvado, o que o fazia ser quase do tamanho de Andrew. — Desculpe-me! — murmurou, sua voz não alcançando toda potência que tinha. — “Desculpe-me” bosta nenhuma! — Com raiva, Andrew empurrou o irmão adotivo, que caiu no chão. Mikhael não expressou dor e nem ergueu o olhar, ficou no piso frio sem mover nenhum de seus músculos, fortalecidos pelas aulas de natação e exercícios diários. — E não pense que gostei que dançou com a minha noiva. Ela é uma inútil como você, mas me pertence, entendeu? — Sim, entendi! — Mikhael respondeu sem erguer o rosto. Andrew sorriu com desdém e maldade, uma mórbida satisfação preenchendo seu peito pelo medo que causava em Mikhael. Quando a irmã de seu pai morreu, Andrew odiou dividir os pais com o garoto remelento de sete anos. Mas logo viu as vantagens em ter alguém como Mikhael por perto. O primo, agora irmão, mostrou-se uma pessoa medrosa e facilmente manipulável. Foi por isso que, quando o avô deles teve a brilhante ideia de que Andrew deveria escrever para sua noiva, repassou a tarefa para Mikhael. Nunca teve interesse em ler o que o irmão adotivo escrevia, tão pouco quis ler as respostas de sua noiva, mas agora arrependia-se de não ter indicado exatamente o que deveria ser dito nas cartas. — Suas cartas a fizeram achar que sou um molengão como você — resmungou perturbado com as ofensas de Elisabeth. — A i****a da Bombi, só porque ajeitou a cara feia, acha que pode me humilhar e rejeitar. Quando nos casarmos mostrarei a ela quem é que manda. A colocarei dobrada no chão, beijando meus sapatos — narrou satisfeito com a imagem mental. — Você não gosta dela, porque vai aceitar esse compromisso? — Mikhael perguntou ainda de cabeça baixa, embora sua voz estivesse um tom mais forte. — Papai fica me enchendo o saco — Andrew respondeu dando de ombros. — Ele disse que unir nossa família a dela será uma grande aquisição. Parece que eles são podres de ricos, até mais que a nossa família — contou. — Deveria dizer ao vovô que não gosta da... sua noiva — Mikhael indicou. — Ele cancelaria o compromisso. — Pra quê? Um dia terei de casar de qualquer forma. — Mas se não gosta dela... — Ah, cala a boca! — Andrew disse chutando a perna de Mikhael. — Que importa se gosto ou não? Mesmo depois que casar posso ter quantos casos eu quiser. A Bombi só vai aumentar nossa riqueza. — Isso não é certo — Michael reclamou erguendo os olhos, um brilho estranho luzindo em sua face. — Você é mesmo muito i****a e esquisito — Andrew comentou fitando-o com dureza. — Só te aturo porque o papai me obriga e os outros garotos têm medo de você — comentou desdenhoso. Andrew não acrescentou que, de início, também teve medo de Mikhael. Tinham a mesma idade, mas Michael era uns quinze centímetros maior que ele e os outros garotos do colégio. Seus cabelos cor de carvão, na altura dos ombros e sempre despenteados, aliado aos olhos escuros sempre ocultos, o tornava uma versão humana de um lobo selvagem, prestes a atacar quem atravessasse seu caminho. No entanto, a convivência lhe mostrou que Mikhael não passava de obediente cachorrinho, pronto a seguir suas ordens. Ter o irmão adotivo do lado lhe garantia o medo dos demais e uma muralha caso alguém se atrevesse a desafia-lo. Cansado de falar com aquela criatura tão deplorável quanto sua noiva, Amdrew seguiu para a porta, para ir para o próprio quarto. — Ah, não precisa mais escrever para a minha noiva — indicou parado no vão da porta. — Darei um jeito na Bombi quando casarmos. Mesmo após o irmão sair, deixando a porta aberta, Mikhael continuou sentado no chão, à mandíbula tensionada, os punhos apertados, o fogo da vingança e retaliação ganhando mais lenha em seu coração.
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