Capítulo VII

1754 Words
Ana sentou-se no mesmo banco da praça, dessa vez não sentia medo, pelo menos, não tanto quanto antes. O raio de sol sobre o seu rosto, os gritinhos das crianças, o cheiro de pipoca da carrocinha parada a alguns metros de distância, todas essas coisas a faziam sentir viva novamente. Amava crianças, sempre desejou ter filhos e deixou isso bem claro para o marido desde o início do namoro. Ela lembrou-se da primeira vez que falaram sobre o assunto. Ele a pediu em namoro duas semanas depois que se conheceram. “Depende, você gosta de crianças?” Ele surpreendeu-se com a pergunta. “Gosto, mas o que isso tem a ver com o nosso namoro? “Quando casar, terei pelo menos uma filha, não posso namorar um homem que não pretenda ter filhos.” “Então, teremos um menino e uma menina, o que acha?” Ela sorriu com a lembrança, mas, logo depois o seu rosto anuviou-se. Por causa daquele homem, aquele monstro, ela nunca poderia realizar o seu sonho de ser mãe, nunca daria um filho a João. — Oieeee! Ana abriu os olhos com uma sensação de déjà vu, era a mesma voz nasalada do outro dia. — Vivi, que bom te ver! — Vovô disse que estaria aqui. A gente pegou essa flor lá no quintal do vizinho pra te dar. A menina entregou um botão de rosa amarela a Ana, que a abraçou agradecida. — Bom dia, senhora Ana! Fico feliz em vê-la novamente. — Bom dia, senhor Pedro! Também estou feliz em vê-los. Obrigada pela rosa, é muito gentil. Ana adorava flores e tinha predileção por rosas amarelas, lembrou-se da primeira vez que o seu marido lhe deu flores. Estavam num Café tradicional do centro da cidade do Rio de janeiro, comemorando o terceiro mês de namoro e Jonny chegou com um pequeno buquê de rosas cor-de-rosa. Dias depois, ela soube que, ironicamente, ele fizera uma resenha para um colega da turma de Ética, em troca do dinheiro que gastou com ela naquele dia. “São lindas, João, adorei!” “Imaginei que essas seriam suas flores preferidas”. Comentou Jonny. “Hum… Na verdade, as minhas rosas favoritas são as amarelas, mas essas também são lindas, João.” “Não esquecerei. Mês que vem, trago amarelas.” “Como sabe que ainda estaremos juntos mês que vem?” “Palpite!” ◆◆◆ — Vovô, posso comprar pipoca? — A voz da menina afastou Ana das suas lembranças. — Pode sim, querida. Aceitaria um saquinho de pipoca, senhora Ana? — Perguntou Pedro, sorridente. — Não, obrigada, mas gostaria de pedir um favor. — Se estiver ao meu alcance! — Não me chame de senhora, pode chamar-me só de Ana. — Só se me chamar apenas de Pedro, combinado? — Combinado! ◆◆◆ — Bom dia! Jorge já chegou? — Perguntou Jonny na recepção do edifício onde ficavam os escritórios da firma de advocacia. — Sim, senhor, mas ele saiu em seguida, só voltará depois do almoço. — Respondeu a recepcionista. Jonny entrou no elevador e apertou o número cinco. As salas dos sócios, como Jorge, ficavam no oitavo e último andares do prédio, enquanto as salas de Jonny, Diego, Marta e Marcos ficavam no quinto andar. O sócio majoritário e advogado fundador da firma era o pai de Jorge e havia prometido a Jonny uma promoção antes do fim do ano. Como ainda era juiz, dirigia a empresa por baixo dos panos, mas um ataque cardíaco o afastou da firma, deixando-a integralmente sob o comando de Jorge. Quando Jonny abriu a porta, Diego estava debruçado na copiadora com uma pilha de papéis debaixo do braço. Ao ver Jonny, se assustou e a derrubou no chão. — Meu Pai amado! Homem, que susto! — Bom dia, Diego! Perdoe-me, não quis assustá-lo. — Está tudo bem. Admito que a culpa é minha por me assustar, estou tirando cópias de uns convites para um evento incrível, mas que não tem nada a ver com o escritório e não queria que Jorge visse. — Diego falava enquanto estava abaixado, recolhendo os papéis. — Os outros ainda não chegaram? — Marta saiu com Jorge, parece que Zeus telefonou do Olimpo nada satisfeito com o filhote. Pude ouvir os gritos do velho através do celular! — Algum cliente novo depois que eu fui embora? — Não que eu saiba, mas passei a tarde de ontem fora. Como foi na delegacia? — Foi difícil para Ana, mas ela é uma mulher forte e saiu-se bem. Pelo menos o desgraçado está dentro de uma jaula, onde é o lugar dele. — E se depender de nós, vai morrer por lá. — Comentou Diego, antes de voltar a sua atenção para a copiadora novamente. Jonny olhou seriamente para Diego e se lembrou das palavras do doutor Moura. Se perguntava quais dos seus amigos seriam parte desse “nós” mencionado por Diego. Marcos chegou enxugando o suor da testa com um lenço de seda. — Jonny, que bom que você está aqui! Jorge chegou furioso e está te chamando lá em cima no escritório dele. Perguntei do que se tratava e ele disse que era assunto particular e só abriria contigo. Sem dizer nada, Jonny foi imediatamente à sala de Jorge. Marta estava sentada numa cadeira e levantou-se quando Jonny entrou. Cumprimentou Jonny com um meio sorriso e se dirigiu a porta, para deixar os dois homens a sós, no entanto, foi interrompida por Jorge. — Marta, por favor, fique, talvez você me ajude a fazer o nosso amigo compreender a situação. Marta parou diante da porta em dúvida, mas voltou a sentar-se no mesmo lugar onde estivera antes. — Então é verdade, Jorge? — Perguntou Jonny, com o maxilar contraído pela tensão. — Jonny, primeiramente sejamos civilizados. Sente-se! — Jorge indicou uma cadeira próxima a de Marta. — Estou bem em pé. — Como preferir. — Ripostou Jorge, com um suspiro. — Escute com atenção, depois você pode falar o que quiser, tenho certeza que você é um homem razoável. Eu soube do que aconteceu com a sua esposa e toda essa história. Saiba que fiquei muito penalizado. Jorge apoiou as costas na sua mesa, com as mãos nos bolsos olhando atentamente para Jonny, cujo exterior se mostrava falsamente calmo e controlado. No entanto, Marta percebeu o retesar dos músculos da face. — Quer que eu agradeça por sua… pena? — Não é nada disso, Jonny! Qual é? Somos amigos, estamos do mesmo lado. — Jorge pôs-se a andar e deu um tapinha no ombro de Jonny. — Esse cara está ferrado, mas de qualquer modo, alguém terá que fazer a defesa dele, esse é um direito dele por lei, todos nós sabemos disso! O pai dele não é nenhum milionário, mas tem influência, e influência, no mundo de hoje, vale tanto ou mais que grana. As mãos de Jonny crisparam-se com tanto força, que Marta pôde ver os nódulos dos dedos dele tornarem-se brancos. — Então, Jonny, você pode entender perfeitamente que, se alguém vai ganhar com a defesa desse cara, por que não pode ser a minha firma? O filho do coronel errou, com certeza, mas quem de nós nunca errou? Jonny perdeu o pouco controle que tinha naquele momento, agarrou Jorge pelo colarinho, levantando-o a ponto dele, que era mais baixo do que Jonny pelo menos dez centímetros, ficar na ponta dos pés. — O “erro” ao qual você se refere, seu playboyzinho de m***a, foi ele ter estuprado e esfaqueado a minha esposa grávida. — Ele disse que a sua esposa pediu para ele comer ela e depois se arrependeu! Jonny acertou um soco em cheio no rosto de Jorge, quebrando-lhe o nariz. O sangue escorria pelo rosto do rapaz, que caiu no chão com o golpe. Jonny ainda chutou Jorge na boca o estômago com toda a força que pôde. Marta segurou Jonny pelo braço, gritando que se acalmasse e impedindo que ele continuasse a bater no outro, que estava encolhido de dor no chão. — Você está despedido, Jonny! Não vai mais trabalhar aqui e nem em nenhum escritório decente, disso eu me encarregarei pessoalmente! — Gritou jorge, ainda no chão, ao ver Jonny abrir a porta para sair. — Eu já entreguei o meu pedido de demissão, seu i****a! Foi a primeira coisa que fiz ao entrar nesse prédio hoje. Você pode enfiar esse emprego no seu r**o, eu não sou homem de trabalhar com cretinos como você! Jonny saiu batendo a porta atrás de si com um estrondo. — O que houve, homem? Parece que encontrou o demônio! Foram as palavras de Diego ao ver Jonny retornar ao escritório e jogar seus objetos pessoais dentro de uma caixa de papelão. — Aquele desgraçado do Jorge não perde por esperar! — A resposta de Jonny deixou Diego ainda mais intrigado com a situação. — Mas o que aconteceu, afinal? — Perguntou Diego, mais uma vez. — Jorge aceitou o caso, vai pessoalmente defender o Flávio. Respondeu Marta, que ajudava Jonny a recolher os seus pertences. — Mas esse não foi o sujeito… — Começou Diego, interrompendo as próprias palavras, levando a mão à boca com os olhos arregalados de maneira quase cômica. — Foi por isso que “Zeus” ligou para ele hoje? — Sim. — Respondeu Marta. — Ele não ficou nada satisfeito com isso, mas Jorge tem o controle de tudo devido à procuração que possui. Está fazendo o que quer, sem consultar os sócios minoritários. — Você vai sair da firma? — Perguntou Diego abalado. — Já estou saindo, aliás, Marta, você poderia fazer-me esse favor? — Pediu Jonny, apontando para a caixa. — Pode deixar, Jonny, eu vou guardar as suas coisas e mando para sua casa. Marcos entrou no escritório de Jonny parecendo estar confuso. — O que houve com o Jorge? Encontrei-o a caminho do elevador, está indo para o hospital com o rosto ensanguentado. — Jonny quebrou o nariz dele.— Respondeu Marta. — Gente! Que babado, e eu não vi isso, que desperdício de cena! — Disse Diego abanando-se com uma mão e levando a outra ao colarinho, demonstrando surpresa. — Você está louco, Jonny? Você está para receber a proposta de sociedade e apronta uma dessas? Não é esse tipo de cara! — Disse Marcos surpreso com o comportamento do amigo. — Você não faz ideia do “tipo de cara” que eu sou, Marcos. — Respondeu Jonny, saindo dali.
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