Capítulo 1
Mais um dia. Mais um dia chegava ao fim e nenhuma ligação, nenhuma! Talvez não tivesse sido uma boa ideia morar em um apartamento tão grande e sozinha... A culpa, na verdade, era de seu pai, que tirou todo o dinheiro de sua poupança de um dia para o outro, sem deixar um único centavo para sua sobrevivência. “Sério que você achava que ele iria ajudar?”, perguntou-se e revirou os olhos com seu pensamento irônico.
Suspirando e apoiando-se com as duas mãos à mesa, Clara Dunsley fitava fixamente a chuva descer pela janela e ficou assim, tentando ignorar os próprios pensamentos, algo impossível em seu atual estado. Em dois dias, ela teria que pagar o aluguel do apartamento e seu dinheiro não chegava nem a metade da quantia total. Na verdade, chegava exatamente ao meio, porém isso significaria ficar sem comida na geladeira.
Ah, como ela sentia raiva de seu pai naquele instante!
— Respire, Clara, respire — recomendou para si mesma, fechando os olhos e respirando de forma lenta e calma. — Você precisa se focar, parar de culpa o papai e esperar a bendita ligação.
Sorriu para o nada e voltou a olhar o telefone, tentando parecer animada. Há três semanas, sua irmã havia dado essa ideia maluca de dividir o apartamento com alguém. Clara, como uma boa medrosa que era, ficou um pé atrás e só aceitou a sugestão há duas semanas, quando viu que suas opções estavam acabando. Pensara em colocar no anúncio “apenas para mulheres”, contudo, não tinha dinheiro nem oportunidade para escolher.
Ela também poderia mudar para outro apartamento, menor e mais barato, porém tinha um pequeno defeito: a falta de costume. Na casa dos pais, Clara recebeu durante toda sua vida do bom e do melhor e, do nada, perder essa “mordomia” parecia fora de questão na hora de alugar seu novo lar.
“O quê? Qual é o problema de ser um pouquinho mimada?”, deu de ombros e voltou a olhar o telefone. “Por que você não toca?”
Nesse segundo, Deus atendeu seu pedido. O barulho estridente do telefone fez que Clara pulasse da cadeira e corresse para atender. Animada e de esperança renovada, soltou um feliz:
— Alô!
Para receber um feliz:
— Aloooo, irmã!
A felicidade e o sorriso morreram quando reconheceu a voz da irmã mais nova. Havia se esquecido que, todos os domingos, Yaraline e sua mãe a ligavam para ver como estava indo com sua vida de “garota independente”. Forçou-se a dar um sorriso e reprimiu um suspiro de decepção enquanto continuava a conversa com a sua irmãzinha.
— Como vai, Yaraline ?
— Nossa, que diferença na sua voz!— era claro que ela perceberia... — Pensou que fosse quem? Um namorado?
— Yaraline — riu um pouco e negou para o ninguém. —, sabe que tenho mais coisa para me preocupar... Namorado está fora de cogitação.
— Posso sonhar, não? E o seu colega de quarto? É gostoso?
— Yaraline! — repreendeu, sentindo as bochechas queimarem, e ouviu a voz da sua mãe no fundo, rindo. — Está no viva-voz?
— Sempre, meu amor! — respondeu Celena, mãe de Clara. — Como está indo, anjo?
— Bem, Mãe. Um pouco nervosa, mas extremamente bem.
— Nervosa, Irmã?
— Sim, faltam dois dias para pagar o aluguel, mas não tenho nenhum colega de quarto...
— Anjo, quer que eu mande mais dinheiro? — indagou a mais velha, claramente preocupada.
Certo, o dinheiro que Clara tinha não era fruto do seu “trabalho suado” e sim de sua mãe preocupada mesmo. Celena fizera uma conta sem que Hilton, seu pai percebesse e havia mandado uma quantia para que a filha vivesse sem se preocupar, mesmo que contra a vontade desta. Ela não queria mais dinheiro, queria aprender a se virar sem os pais e estava ficando difícil.
— Não! Falta pouco para conseguir o emprego — mentiu e rezou para que nenhuma das duas percebesse. — e eu vou pagar essa quantia quando conseguir dinheiro, então, não aumente minha dívida, Por favor.
— Mas, filha, você é tão bebê!
— Mãe! — corou e ouviu a irmã rindo ao fundo. — Yaraline, pare de rir!
— Oque? Vai pedir para a mamãe te proteger, bebê? “Mamãe, olha a Yaraline como é chata! Blá blá blá!” — continuava a rir e Clara ainda sentia o rosto vermelho. Só que de raiva!
— Se querem saber, não precisam mais me ligar! Passar bem! — e bateu o telefone no gancho, fervendo de raiva.
Secou as lágrimas de ódio e ouviu o telefone tocar. Pensou em atender, contudo, sabia que seria sua mãe e, orgulhosa, ficou de costas para o aparelho. Tocou uma, duas, três, quatro vezes! Na quinta, engoliu todo o seu orgulho e pegou o maldito telefone, descontando sua raiva na pessoa ao outro lado.
— Não aceito desculpas, Yaraline!
— Ih, acho que está me confundindo...
Clara estremeceu e sentiu o rosto vermelho novamente, desta vez de vergonha; do outro lado, havia uma voz rouca e sexy com um tom de brincadeira... E que, obviamente, pertencia a um homem. Será que era engano?
— Desculpe... D-deseja falar com quem?
Droga, aquele não era momento para gaguejar!
— Hã... — se ele tivesse com vontade de rir, disfarçou bem enquanto parecia ler algo. — Clara Dunsley?
— Sou eu mesma — repreendeu-se por gaguejar e respirou profundamente, tentando conter seu nervosismo.
Claro que estaria nervosa! Era a primeira vez que ela falava com um homem sem ser seu primo ou pai ou motorista ou porteiro... Enfim, fora do seu “mundo”.
— Sou Nathan Zanford e queria saber se o quarto no seu apartamento ainda está para alugar? — ele era direto, ainda bem.
— Sim...
— Será que poderíamos marcar para eu ver como é aí?
Clara engoliu seco e trocou o telefone de mão, secando o suor na calça logo em seguida. Aquilo estava mesmo acontecendo? Um cara queria alugar o apartamento? Seria ele um estuprador? Ou, quem sabe, um velho tarado? No entanto, será que velhos tarados tinham vozes roucas e sensuais como a do tal Nathan? “Pare de ser negativa, Clara!”, repreendeu-se e sorriu. “O apartamento precisa ser p**o, foque nisso!”
— Claro! Tem como ser hoje?
(...)
Ela estava mesmo fazendo aquilo? Quando ouviu o sino do minúsculo restaurante tocar, essa pergunta surgiu em sua mente enquanto avaliava o lugar. Acostumada com lugares imensos e tão recheados de detalhes de luxo, o Restaurante Levianus era pequeno e humilde. Sem luminárias de mil cristais, semmaître, sem mesas redondas cobertas com lindas toalhas de seda. Na verdade, aquele restaurante estava com cara de lanchonete Chinesa.
Fechou o guarda-chuva e lembrou-se da descrição que Nathan havia dado dele: Loiro, olhos azuis e marcas de nascença nas bochechas. Olhou ao redor e corou ao constatar que todos no recinto olhavam-na como se ela fosse de outro mundo... Ela não se vestira tão m*l assim: uma calça jeans, uma blusa preta, um casaco grosso bege e uma bolsa com franjas. Seu cabelo estava em um dia comportado, então, nada demais.
Clara não percebia, porém não era a aparência e sim seu jeito. Ela tinha uma pose de superior e, para pessoas como frequentadores daquele restaurante, uma pessoa como ela era uma novidade para todos.
— Clara? — ergueu os olhos e corou mais um pouco ver de quem se tratava.
Na sua frente, estava o homem mais gato que viu em toda sua vida! O cabelo curto e bagunçado era de um Loiro vivo que fez que ela se lembrasse do Sol que raras vezes aparecia no céu de Nova York; o sorriso daquele indivíduo era tão alinhado e brilhante que o deixava até mais lindo – “se é que é possível”, pensou ainda abobalhada com a beleza dele –; seu rosto tinha o formato divino e seu nariz, sua testa, tudo naquela face tinha a medida certa; e, por último e igualmente importante, os olhos dele eram azuis... Não qualquer azul, um azul ou igual ao céu ou ao mar ou a mistura impecável de ambos.
Um anjo ou um deus grego... Era beleza demais para um mero mortal!
Clara voava em seus pensamentos quando percebeu o que estava fazendo, encarando um desconhecido fixamente, nem tentando disfarçar. Sentiu as bochechas ficarem mais vermelhas ainda ao lembrar que ficou encantada pelo rapaz, ou seja, deveria estar com a expressão mais i****a do mundo na cara. Repreendendo-se mentalmente, colocou uma mão na bochecha e curvou-se respeitosamente.
— V-você deve ser Nathan, não é? — ela não podia acreditar que estava gaguejando outra vez.
— Eu mesmo! — o Loiro curvou-se com um sorriso e a moça apertou mais a mão contra a bochecha, sentindo a mesma ficar mais quente do que nunca. — Vem, vamos sentar.
Nathan guiou-a a uma mesa de canto e afastada e essa atitude deixou Clara aliviada, porque a sensação de ser observada por todos ainda continuava a incomodá-la. Logo que se sentaram, uma linda moça veio atendê-los e a morena precisou de um minuto para ver o que queria no cardápio, afinal, estava faminta.
Também não era culpa dela, o fato de não saber cozinhar. Ou, talvez, era sim, mas não era importante na hora.
Quando a moça se foi, o Loiro puxou assunto sobre a casa e a Dunsley acabou se rendendo ao papo. Ela explicou que estava procurando uma pessoa para dividir o apartamento pela falta de dinheiro e, quanto antes ele aceitasse, melhor seria para ambos. Em um momento da conversa, acabou descobrindo que ele estava procurando um apartamento próximo à faculdade que começaria a frequentar na próxima semana.
— Não me diga que você vai estudar na Universidade de Fordham? — perguntou e riu quando o mesmo assentiu. — Eu também!
— Sério? Uau, que demais! Vai fazer o que por lá?
— Letras e Economia... Sim, eu passei nas duas — corou ao perceber o espanto dele, os olhos arregalados e a boca aberta.
— Caraca, além de gostosa, você é inteligente! — Nathan assobiou após alguns minutos, deixando-a corada e sem graça. Vendo isso, ele riu e coçou a nuca. — Perdão. Sou tão acostumado a dar conselhos sexuais que acabo falando essas coisas...
— Conselhos sexuais? — se ela não estivesse envergonhada, provavelmente estaria fazendo a careta mais confusa do mundo.
— Sim, é o que o amigo gay faz, certo?
“Eh, oi? Perdi alguma coisa?”, ela tombou a cabeça levemente para o lado e estreitou os olhos. O Zanford corou ao ter soltado aquela bomba na cabeça da morena e ficou olhando-a à espera de alguma reação. Por fora, Clara estava extremamente confusa, entretanto, por dentro...
COMO ASSIM, ELE ERA GAY? Deus, que desperdício! Claro que, ao pensar daquela forma, ficou corada, porém era verdade! Loiro, olhos azuis, bom-humorado, sorriso perfeito, brincalhão e despreocupado com a vida... Ah, e gay. Caramba, nada contra os gays, mas ele não combinava nada com um homem. Ou, talvez, combinasse... “Ah, mas é triste ver um cara tão lindo ser gay”, suspirou interiormente e sentiu-se decepcionada por dentro.
Olha pelo lado bom: ele não iria estuprá-la.
— Por favor, diga que não é homofóbica — torceu o rapaz e aquilo a chamou para vida.
— Que? não não! É só que... — como ela iria falar que pensava que teria uma chance com alguém que gostava da mesma coisa que ela? — Essa notícia me pegou de surpresa. Você não parece ser gay... Nada contra.
— Tudo bem, tudo bem. Eu sou um tipo de gay discreto, entende? — Nathan aproximou-se e sussurrou. — Não que eu seja discreto, mas prefiro manter minha opção s****l em segredo...
— Ah, entendo.
— Aqui está o pedido de vocês! — a garçonete voltou e colocou a comida sobre a mesa, assustando-os e afastando-os rapidamente. — Aproveitem!
Enquanto comiam, Clara olhava disfarçadamente para o Loiro, pensando em uma possível razão de fazer um rapaz tão bonito desistir das mulheres. Deveria ter algum motivo, afinal, as pessoas não nascem homossexuais, elas se tornam assim. Talvez, mesmo sendo extremamente gato, ele não tivesse bons exemplos de mulheres na vida... Seja qual for a resposta, ela não se importava; se ele era gay, então, eles seriam amigos.
Nathan percebeu que ela o olhava e fitou seus olhos com um sorriso, porém esqueceu que estava com macarrão na boca, o que fez o mesmo cair na tigela novamente e o caldo pular para fora, molhando o rosto e as mãos dele. Clara tentou conter a gargalhada, mas acabou saindo uma risada baixa. Talvez não fosse tão r**m ter um amigo gay bonito assim...
Três anos depois...
A porta do quarto foi aberta com força e Clara pulou na cama, sentindo o coração na garganta e batendo velozmente. Olhou para a porta e fechou a expressão ao ver Nathan com as mãos escondidas atrás do corpo e olhando ao redor, como uma criança querendo ser sonsa após ter feito algo errado. Revoltada, virou a cara e deitou a cabeça no travesseiro.
— Não, Não, Não! Nem pense nisso, dona Clara — repentinamente, a cortina foi aberta e a moça soltou um gemido frustrado, escondendo o rosto sob o travesseiro. — Clara Dunsley, pare com isso!
O travesseiro sumiu e ela estava com vontade de matar aquele viadinho! Virou a cabeça para o outro lado da cama, onde Nathan se encontrava deitado com as costas apoiada à cabeceira, braços cruzados contra o peito desnudo e um sorriso sacana nos lábios. Mesmo sem sua permissão, sentiu o coração acelerar novamente, só que não era de susto desta vez.
— Qual é o seu problema, Zanford? — perguntou e gemeu, puxando o cobertor sobre a cabeça e sentindo-o sumir assim como o travesseiro. — Por que, meu deus? O que eu fiz para merecer isso?
— Nah, para de ser uma velha e abra esses olhinhos. — pediu ele e, vendo que ela não faria, sorriu malicioso. — Isso é um desafio, Dunsley?
Quando notou o tom de voz dele, já era tarde demais. No segundo seguinte, Clara se contorcia em sua cama enquanto gargalhava com o ataque de cócegas que Nathan lhe dava. Ela tentava afastar-se dele, tirar as mãos dele de sua barriga, porém o loiro havia subido nela e prendido as grossas pernas da morena entre as suas. Ela tentou também empurrá-lo com as mãos, todavia, ele a conhecia: prendeu as duas mãos dela com uma sua e segurou-as sobre a cabeça da amiga, tendo apenas uma mão para fazer todo o trabalho sujo.
— Nathan.... — tentava falar e não era de se espantar que não conseguia. — Por favor!
— O que, Clara? — o rapaz parou de repente, deixando-a respirar. — Não estou ouvindo, quer que continue? Okay!
— Não, Não...
E lá estava ela gargalhando como uma criança outra vez. Não conseguia abrir os olhos de tanto rir, contudo, tinha certeza que seu amigo sorria maldosamente. Nathan parecia adorar torturá-la daquela forma e, sempre que ela não fazia algo que ele queria, o loiro dava um jeito de prendê-la e fazer cócegas. Após os segundos mais demorados de sua vida, ele parou e ela conseguiu respirar novamente. As lágrimas desciam pelas laterais de seu rosto, sentia o rosto quente e os pulmões e o coração pareciam querer sair de seu peito.
— Seu... Cruel... — começou enquanto tomava o ar. — Sabia que... dá para morrer... de rir?
— Não brinca? — o Zanford saiu de cima dela e deitou-se ao seu lado de novo, desta vez, apoiando a cabeça em um braço para poder ficar de lado e encará-la melhor. — Droga, deveria ter feito por mais tempo!
— Nathan! — repreendeu-o e fitou-o, ainda segurando a barriga. — Você não consegue viver sem mim...
— Haha, iludida você, querida. É só aparecer uma garota mais humilde que eu te substituo...
— Você não teria coragem? — Clara arregalou os olhos e fez um bico, caindo de verdade na brincadeira. — Faz isso comigo não, Nathan!
Mal ela sabia que Nathan ficava todo abobalhado quando ela falava daquele jeitinho meigo e implorador. Com aquele biquinho então, se derretia inteiro. Ele sorriu para sua melhor amiga e puxou-a para um abraço, fazendo-a ficar sobre si.
— Claro que não tenho coragem! Você realmente acreditou?
— Não sei, você é meio bipolar, às vezes — ela riu da expressão indignada dele e parou abruptamente quando viu as mãos dele irem para sua cintura. — Não, Nathan! Você não é bipolar!
Clara descansou a cabeça no peito dele e ouvia as batidas do coração forte e saudável do rapaz. Três anos... Uau, ela não acreditava que vinha aturando Nathan por três anos. No começo, quando ele alugou o apartamento, eles mesmos pensavam que aquela amizade não daria certo por serem tão diferentes, entretanto, acabou dando certo. O Zanford era bem divertido, companheiro e brincalhão, mas sabia ser sério nos momentos que exigiam. Ele sempre fazia questão de acordá-la cedo e...
A morena levantou a cabeça para encará-lo.
— Por que me acordou cedo? — indagou e ele pareceu lembrar o motivo, porque a empurrou para o lado gentilmente. — Ei, Nathan!