Águia
Depois da reunião, decidi passar no Vidigal. Faz tempo que não vou lá, e sou padrinho do Noah e da Mia, então preciso ficar por perto. Além disso, estou morrendo de saudades da Sophia, e sei que ela também sente minha falta. O caminho até lá foi tranquilo, apesar do trânsito habitual do Rio de Janeiro.
Assim que cheguei na entrada do Vidigal, abaixei o vidro do carro, deixando o ar fresco da noite invadir o interior do veículo. Os caras que estavam na entrada, conhecidos meus de longa data, apenas acenaram com a cabeça em sinal de reconhecimento e permissão para minha entrada. A rua estreita e sinuosa do morro estava mais movimentada do que o normal, com pessoas indo e vindo, criando um cenário de vida pulsante mesmo àquela hora da noite.
Dirigi devagar, subindo até a boca principal. As luzes amareladas dos postes de iluminação lançavam sombras compridas pelas paredes grafitadas, dando um toque artístico ao local. Estacionei o carro do outro lado da rua.
Ao sair do carro, senti a brisa suave da noite acariciar meu rosto. O som distante de uma batida de funk misturava-se ao murmúrio das conversas e risadas vindas das casas próximas. Tinha uns caras na porta da boca, fumando e jogando conversa fora. Eles me viram e, com um aceno de cabeça, me cumprimentaram.
Hg _ Quem é vivo sempre aparece! _ um deles falou, vindo na minha direção. _ E aí, irmão! _ Fez toque comigo.
Águia _ E aí, meu parceiro, como você tá, Hg?
Hg _ Tô de boa, pô. Que milagre é esse você por aqui?
Águia _ Fazer uma visita pros meus afilhados, né.
Hg _ Você sumiu, tá de coleira? _ perguntou rindo, e eu neguei rindo também.
Águia _ Tô nada, essa vida eu não largo nunca.
Enquanto conversávamos, vi Pesadelo saindo da boca com um celular na mão, todo sorridente. Fui chegando perto dele.
Águia _ Se for foto de mulher pelada, a Priscilla te mata! _ brinquei, e ele me olhou surpreso.
Pesadelo _ Olha só quem deu as caras! _ Ele me abraçou.
Águia _ Vim ver os gêmeos e a Sophia. Comprei uns brinquedos pra eles, vim entregar.
Pesadelo _ Bora lá, pô. Ela vai amar ver você.
Fui até meu carro e seguimos para a casa do Pesadelo. Ao chegarmos, ele já foi entrando e gritando pelas crianças. Alguns segundos depois, vi Sophia descendo as escadas. Assim que me viu, veio pulando no meu colo.
Sophia _ Tio Águia! _ falou toda animada.
Águia _ Oi, princesinha. Titio veio te ver!
Sophia _ Você abandonou a Sôso aqui, tô brava com você! _ fez birra.
Águia _ Me desculpa, Sôso. O titio tinha muito trabalho, mas como pedido de desculpas trouxe um presente pra você! _ Ela abriu um sorrisão. _ Tá lá no carro, vamos pegar.
Fui com ela até meu carro, peguei os presentes e entramos novamente na casa. Pesadelo e Priscilla estavam descendo as escadas com os gêmeos.
Águia _ E aí, Priscilla, tudo bem? _ Cumprimentei-a.
Priscilla _ Estou ótima, Águia. Que bom te ver! _ Olhei para Noah que estava em seu colo.
Águia _ E aí, garotão, ele tá grandão já! _ falei olhando para ele, que estava rindo.
Priscilla _ Pegue ele um pouquinho! _ Priscilla pediu.
Peguei Noah do colo dela, e ele começou a brincar com as correntes no meu pescoço.
Pesadelo _ Alguém está com ciúmes! _ observou.
Olhei para Sophia, que estava com uma carinha de brava. Me sentei ao lado dela, junto com Noah.
Águia _ Seu irmãozinho tá grandão, né, Sôso? Logo ele vai ficar grande igual você! _ Ela me olhou sorrindo.
Sophia _ Tá vendo, papai? O tio falou que eu sou grande!
Pesadelo _ Você ainda é um bebê, Sophia. _ respondeu.
Águia _ Pesadelo, pega o Noah, vou pegar a Mia um pouquinho.
Pesadelo _ Coloca ele no tapete aí, ele já sabe engatinhar.
Coloquei Noah no chão e fui até Mia, que estava no carrinho brincando. Peguei-a no colo. Ela me olhou estranho e depois começou a rir.
Sophia _ Tio, eu posso abrir o meu presente? _ Me olhou com aqueles olhos igual do gato de botas.
Águia _ Pode, princesa, abre aí e me fala se gostou.
Ela abriu o presente e quando viu o que era, abriu um sorrisão e veio me abraçar com cuidado para não machucar Mia. Comprei uma daquelas bonecas que parecem bebês de verdade, reborn, acho que é o nome.
Sophia _ Eu queria muito uma dessa, obrigada, Tio Águia.
Águia_ Você gostou, princesinha? _ Ela concordou, abrindo a caixa.
Mia começou a chorar no meu colo, e Priscilla a pegou, indo dar leite.
Pesadelo sentou ao meu lado, olhando para Noah, que brincava com o brinquedo que comprei, uma mesa didática.
Pesadelo _ E aí, meu parceiro, como vão as coisas? _ Pesadelo me olhou.
Águia _ Correria como sempre, vários bagulhos pra resolver, uma dor de cabeça. _ passei a mão no cabelo.
Pesadelo _ É normal, parceiro. Talibã esteve aqui esses dias, me falou que tú tá xonadão em um mina aí! _ falou rindo.
Águia _ Talibã tá viajando, não tem mulher nenhuma. _ menti.
Pesadelo _ Tem certeza? Pelo jeito que ele tava falando não parecia mentira, não.
Águia _ Talibã é um fofoqueiro, meu Deus. _ Passei a mão no rosto.
Pesadelo _ Então tem alguém?
Águia _ Tem, pô, mas é complicado demais.
Contei para ele tudo o que aconteceu e que estava acontecendo entre mim e Maria Luiza.
Pesadelo _ Eu não tô acreditando até agora que o Lobo é pai dessa Maria Luiza, a única que eu conheci foi a Isabella, pô.
Águia _ Pra você ver que mundo pequeno. Sabe a mulher que cuidou de mim depois que minha mãe morreu? _ olhei para ele
Pesadelo _ Sei, pô, a Mariana, né? _ concordei.
Águia _ Ela é mãe da Maria Luiza.
Pesadelo _ Tá de caô, então aquela menininha que você vivia brincando quando era criança é ela?
Águia _ Que menininha? _ Olhei para ele confuso.
Pesadelo _ Você não lembra dela? Eu não lembro o nome, mas vocês dois viviam juntos, pô, e você morria de ciúmes dela comigo! _ começou a rir. _ Que mundo realmente pequeno.
Águia _ Não lembro disso.
Priscilla entrou na sala, limpando as mãos no pano de prato.
Priscilla _ Vai ficar pra jantar, Águia?
Águia _ Ah, não, muito obrigado, mas não. Tenho que resolver umas coisas agora.
Pesadelo _ Uma hora dessas? Resolve depois, pô, fica aí.
Águia _ Outro dia eu fico, hoje não dá mesmo. Cadê a Sophia? _ falei olhando para os lados a procura da garotinha que parece a Boo dos monstros S.A.
Pesadelo gritou por ela, e ela veio correndo com a boneca na mão.
Sophia _ Que foi, papai? _ falou enquanto penteava o cabelo da boneca.
Águia _ Princesinha, o tio já vai embora.
Sophia _ Mas já, titio? Fica aqui! _ me olhou tristinha
Águia _ Outro dia o tio volta, tá bom?
Sophia _ Não abandona a Sôso de novo, vem me ver todo dia, tá bom?_ me abraçou.
Senti meu coração aquecer. Adoro crianças, e amo tanto a Sophia e os gêmeos.
Pesadelo _ No próximo dia o titio Águia vai trazer uma titia pra você, filha. _ olhei para ele que estava rindo.
Sophia _ O titio tá namorando?_ me olhou com um sorrisão.
Águia _ Ainda não, Sôso. Tô indo nessa.
Fui até os gêmeos, dei um beijo nos dois e depois fiz toque com Pesadelo e Priscilla. Fui até meu carro, desci o morro, e no meio do caminho vi Gb e Lc, cumprimentei os dois e segui para casa.
Estava subindo o morro, passei pela rua de Maria Luiza. Vi j**a na porta da casa dela, e segundos depois ela saiu. Os dois se abraçaram, senti uma raiva crescer dentro de mim. Não parei o carro, continuei subindo o morro até minha casa, cheio de ódio. Cheguei jogando minhas coisas em cima da mesa, subi para o quarto para tomar um banho. Durante o banho, me lembrei das coisas que Pesadelo me falou, da tal menina que eu brincava quando era pequeno. Não me lembro de nada disso.