Malandro,
"Malandro é o cara
Que sabe das coisas
Malandro é aquele
Que sabe o que quer
Malandro é o cara
Que tá com dinheiro
E não se compara
Com um Zé Mané
Capítulo 1
WL
"Carioca não nasce, ele estreia"
Quatro e vinte da manhã acordo com a p***a do despertador tocando, e o décimo desse que eu taco na parede, o infeliz que inventou o despertador deveria ser rico, ele inventou essa merda só pra ter certeza que o pobre ia chegar na hora certa no trabalho.
Olho pela janela, o dia nem amanheceu, o céu ainda está sendo pintado por cores em preto, azul e lilás.
Me arrumo para o trabalho e depois desço a ladeira cantando baixinho até chegar ao metrô que nunca tem lugar, o bom de você morar no Rio de Janeiro é o sol e o r**m também, o povo soa, cheira, fede, pois é meu povo, o povo fede a suor às 05h da manhã, uma ou outra não tomou banho ou não usou desodorante, ou ambos.
Chego ao trabalho às 07h e mesmo antes de dar bom-dia ao dia, já estou querendo ir embora, eu não estou cansado, eu já nasci cansado.
Aliás, eu nasci numa terça-feira de carnaval, minha mãe contou que ela estava na praia, se queimando com uma mistura de margarina e urucum, depois de uma noite pulando carnaval.
Aí a bolsa estourou em plena praia de Copacabana e foi um Deus nos acuda, meu pai gritando, meus primos correndo, minha avó surtando e tudo o que minha mãe queria era terminar a caipirinha em paz antes de ir para o hospital, pois é gente, antigamente mulheres grávidas bebiam na gravidez, dona Sônia, minha mãe, nunca foi de parar quieta muito menos quando nova, ela sempre foi espoleta, trabalhadeira, mas danada, minha avó conta que os homens ficavam loucos quando ela entrava na roda de samba, babando por ela, eu gostaria de ter visto, gostaria de ver minha mãe sambando, rindo brincando, mas tudo acabou, tudo acaba, a alegria a juventude e principalmente a felicidade.
Minha casa era um barraquinho pequeno no Complexo da Mangueira, para ser mais preciso na rua nove, mas sempre foi cheio de felicidade, cresci sentindo os seus pelos do braço arrepiarem ao ouvir os primeiros movimentos da bateria da mangueira, ali em seu berço senti o que era amar as cores de uma escola de samba.
Meu pai era um malandro, um capoeirista, daqueles que você vê na Lapa nas rodas, balançando de um lado para o outro, desafiando a gravidade, mostrando as raízes de seus ancestrais, um cara safo, carioca raiz; desses que vendem gelo para esquimó e carvão como se fosse diamante.
Ele saía de casa para trabalhar todos os dias e nunca tinha dinheiro, só que ao invés de trabalhar ele ia jogar dados nas esquinas do mundo afora, era um pedreiro de mão-cheia, um dos melhores que já existiu nesse Rio de Janeiro, levantava uma casa de dois quartos e deixava em ponto de laje em 3 dias, tudo bem que esse prazo se estendia por três meses, até porque pedreiro que e pedreiro ganha por diária, mas estava valendo, o bom homem é aquele que diz para a pessoa o que ela quer ouvir e às vezes, só às vezes mascarar a verdade.
Por isso que ele sempre mentia para minha mãe dizendo que estava indo trabalhar quando, na verdade, ele estava em mesa de 21 gastando todo o dinheiro que ela havia guardado para o aluguel.
Mas quando ele ganhava, nossa como era bom, ele chegava em casa com um buquê de rosas e um perfume cheiroso para minha velha, ela ficava toda boba, feliz de verdade era tudo uma festa tão grande, cerveja churrasco, meu pai pagava até meses de aluguel adiantado, pagava a conta na quitanda do seu Manoel e aquilo era um máximo, teve uma vez que ele voltou com tanto dinheiro que comprou um carro zero à vista!
Fomos passear para todos os lugares, praia, cachoeira, futebol, eu me achava o playboy.
Mas quando a sorte dele acabava voltávamos para estaca zero, devendo a todo mundo e às vezes sem comida, sem casa e principalmente sem dignidade.
Mas nada do que ele fez devastou tanto minha mãe que ele ter se apaixonado por outra mulher, na verdade, ele se apaixonou pela patroa dela.
A mulher estava precisando de um pedreiro, minha mãe fez meu pai ir atender a patroa, e por fim pegou os dois na cama, nesse dia minha mãe não perdeu só o marido perdeu a mulher com quem ela trabalhou desde os 14 anos.
Às vezes nós os pobres achamos que valemos algo para gente rica, minha mãe amava aquela mulher, a chamava de dona, mas nutria carinho de irmã, no entanto, a mulher não sentia o mesmo, a mandou embora minha mãe com uma mão na frente e outra atrás sem nenhuma justificativa, aliás, justificativa havia: estou comendo seu marido minha senhora.
Meu pai, ele foi embora, parece que o tal rolo com a patroa havia começado bem antes do flagra, ela já estava grávida dele.
O que é melhor para um homem que não gosta de trabalhar; que uma mulher de meia-idade rica?
Depois desse dia minha mãe nunca mais foi a mesma, a felicidade foi sugada de seus olhos e virou um ser oco e vazio.
Meu pai, mesmo sendo casado com uma ricaça só lembrava que tinha filhos no final de ano, quando chegava cheio de presentes, de carro novo e vestido com roupa cara.
No início levava a gente para o apartamento, antes do filho deles nascer, a madame aturava a gente para fazer média depois dizia que era muito trabalho cuidar de tantas crianças, ele ainda tentou levar a gente no Dia dos Pais, mas já era tarde, os filhos pobres não se adequaram na realidade chique que ele havia arrumado para vida dele, não cabia mais os filhos pobres.
Eu ajudo a colocar comida na mesa desde os meus dez anos, ia para escola de manhã e à tarde vendia bala no trem, no ramal Saracuruna.
Meus irmãos mais novos, assim que foram crescendo começaram a aprender a arte de se virar.
Uma coisa eu aprendi com o meu pai, aliás, que eu não aprendi, eu posso até não ficar com a mãe do meu filho, mas jamais vou ser um pai ausente, a pior coisa para um filho é sentar no portão esperando um pai que nunca chega.
Foi na rua que eu aprendi o que era certo, errado e o talvez, o talvez não te faz errado ele te dá uma possibilidade.
Dou muito orgulho a minha mãe, sou um cara honesto trabalhador na medida do possível, trabalho na indústria petrolífera, o setor que mais cresce no Brasil, tudo bem sou frentista de posto de gasolina, mas tá valendo, sempre disposto a dar tudo o que de mim no trabalho, sou malandro carioca da gema, antigamente malandro andava de navalha e chapéu de panamá, e lenço no pescoço, hoje malandro só tem a lábia e eu sei usá-la.
Nasci na Mangueira, berço do samba, terra de poetas como Cartola, lugar que abriga grandes nomes da música brasileira, quer me ver pirar é ouvir o som da bateria, caiu de cabeça no samba, só volto quando a cuíca para de cantar.
Trabalho de segunda a segunda sem folga, tudo para dar minha mãe a vida que ela merece, mas nunca consegui.
Como dar uma vida de rainha ganhando o que eu ganho… Quer dizer eu dou meus pulos.
Faço investimentos de alto risco, todo dia faço minha fezinha no jogo do bicho.
Tenho uns rolos, mas nada muito alarmante, desde moleque eu sei como viver na rua.
O único assunto que não domino é mulher, na frente de uma mulher eu viro um completo i****a, na minha boca saem coisas sem sentido e a mulher acaba rindo de mim e não comigo.
Mas eu e L.P temos um plano que vai mudar tudo.