Sem nenhuma dúvida Jardim Primavera é a cidade mais linda que já estive. Assim que chegamos ao nosso destino tive esta certeza. Quando o garoto do cabelo azul descreveu esse lugar, se esqueceu de mencionar que era estonteante, de uma beleza inigualável.
Eram rochas de quase dois metros de altura que dividiam a cachoeira praticamente em duas. Elas formavam uma piscina natural de uma ponta a outra que passava a água aos poucos para o outro lado criando todo aquele barulho. Uma verdadeira cascata. No lado oposto em que estamos há uma faixa de areia muito branca, como se fosse uma praia. Muitas árvores rodeavam o local. Mais acima dava para ver sua extensão se perdendo no horizonte. Além de tudo isso, havia uma rampa feita de madeira que provavelmente servia para as pessoas pular dela no meio da cachoeira.
Patrick e Carol já estavam do outro lado, sentados na areia. Enquanto eu fiquei paralisado com toda essa beleza até que Heitor me trouxe de volta para a realidade.
– Vamos logo, cara – diz ele tocando de leve em meu ombro.
– Aqui é muito lindo – digo, sussurrando. Sinto que se falasse alto ou gritasse iria de alguma forma profanar o local. Um pensamento t**o.
Ele abre aquele sorriso largo e as covinhas se formam novamente em suas bochechas.
– Eu sei.
– Como vocês descobriram isso aqui?
– Eu nem me lembro mais. Acho que foi o avô do Patrick que falou disso para ele. E a gente veio ver se era verdade mesmo.
– Entendi.
O garoto do cabelo azul pega mais uma vez em minha mão. Eu abaixo os olhos para ela, e vejo o contraste da cor da minha pele para a dele. Por algum motivo inexplicável ele consegue ser mais branco que eu. Que apesar de não pegar muito sol eu tenho a pele mais morena. Seu toque é quente e sinto que gosto dele.
Para chegar ao outro lado, nós precisamos andar com o máximo de cuidado pelas rochas que formam a piscina natural. Escalamos e andamos aos poucos observando com cuidado aonde nossos pés vão. Eu tento seguir os passos que Heitor dá. Em poucos minutos estamos do outro lado.
O sol já está forte e só agora percebo que estou soando um pouco. Quando nos sentamos na areia fofa sinto minha respiração um pouco pesada. A verdade é que nunca fiz tantos exercícios de uma só vez na minha vida. Eu jogava bola às vezes, mas só isso. Nunca subi uma trilha na vida, mas não me arrependo nem um pouco. Com certeza enquanto estiver em Jardim Primavera sempre voltarei aqui com certeza.
– Gostando da vista? – pergunta Carol ao meu lado.
– Aqui é muito lindo – digo olhando para ela.
Ela sorri para mim.
– Vamos nadar? – pergunta ela depois de alguns minutos em um silêncio incômodo.
E vejo que ela está olhando para Heitor e Patrick que estão sentados juntos alguns passos além de nós. Acho que ela quer dar um pouco de privacidade para eles. Ela percebeu que eu também estava olhando para eles. Só digo que tudo bem e ela volta a sorrir.
Vou tirando minha roupa e só fico com a sunga. Ela é azul, e está um pouco apertada. Normalmente os garotos compram qualquer coisa escondidos dos pais, revistas de mulher pelada, filmes pornô, cigarros etc. Eu simplesmente comprei uma sunga de praia, e escondi dele. Ele não podia sonhar que eu ia nadar na piscina às vezes na outra cidade. Eu a deixava escondida no fundo do guarda-roupa literalmente.
– Sua sunga combina com o Heitor – diz ela olhando para mim e sinto meu rosto arder de vergonha, mas tento manter um tom normal.
– É né – digo ainda meio envergonhado. – Essa é a única que tenho.
Ela me avalia por mais um minuto. Encabulando-me um pouco mais.
– Tanto faz – fala dando de ombros.
Vejo-a tirando a camiseta branca e o short jeans mostrando um conjunto de biquíni justo florido que dá um contraste a pele mulata dela. Olho para seus s***s com certa timidez, tento desviar o olhar, mas não consigo. Ela se levanta e corre para a água. Eu a vejo pulando na água e sumindo dentro dela. Vou até a ponta d’água pensando que ela estaria muito fria. Mas não está. Não está tão quente quanto a piscina ontem à noite, mas também não está em uma temperatura de congelar o sangue. Aos poucos vou entrando nela, até a água bater em meu peitoral e posso finalmente mergulhar.
Fico nadando debaixo d’água por um tempo. E volto a submergir. Essa piscina não é funda. Na verdade, aquela que tem na minha casa é mais funda que esta. Mas ainda dá para nadar livremente. Até pular dessas rochas. Em alguns segundos eu alcanço Carol que está do outro lado. Ela está sorrindo para mim. E ficamos ali parados frente a frente.
– Quer dizer que você resistiu aos encantos do garoto do cabelo azul? – pergunta ela com seus olhos âmbar fixos nos meus. Eu sorrio.
– É o que parece – digo meio tímido.
– Como é que foi isso?
– Conheci ele durante a queima de fogos, então começamos a conversar e fomos para minha casa. A gente nadou só de cueca. E ele tentou me beijar, mas eu recuei.
– E por que você recuou? Você não é gay?
– Eu nunca me imaginei sendo gay – confesso olhando para Heitor que continua conversando com Patrick.
– Você já ficou com algum garoto? – pergunta ela e volto minha atenção para nossa conversa.
– Não, nunca fiquei com nenhum garoto. O máximo que cheguei foi com Heitor tentando me dar um beijo.
A verdade é que nunca beijei ninguém. Pode parecer meio patético eu já ter 16 anos e nunca ter ficado com uma garota. Mas como poderia conhecer alguém estando sempre me mudando. Sendo o garoto novo em todos os lugares. O garoto novo na rua, no bairro, na escola, na cidade, no curso de inglês. Sempre entrando como penetra na vida dos outros. Mas pela primeira vez não me sinto assim. Pela primeira vez me sinto como parte de um lugar e só estou aqui há dois dias.
Não digo isso a ela. É claro. Como poderia também. Sequer sei se ela sentiria graça ou pena de mim. Essa é a verdade, mas a deixo somente para mim.
***
Depois de alguns minutos Heitor e logo em seguida Patrick se junta a Carol e a mim. A água está ótima e é bem divertido ficar aqui, além de lindo. Heitor já entra na água sorrindo como se nada estivesse acontecendo, mas dá para perceber certo clima diferente entre os dois. Isso fica muito evidente no semblante de Patrick, mas como ele me ignora decido ignorá-lo da mesma forma.
Normalmente eu me sentiria um intruso no meio de pessoas que m*l conheço. Foi assim durante toda minha vida. Eu sempre preferi me esconder nas sombras, ficar longe das outras pessoas, principalmente daquelas com a mesma idade que a minha. Sempre me escondendo atrás de uma revista ou tentando ao máximo passar despercebido. Mas agora me sinto diferente e não sei como explicar.
Em princípio, ficamos nadando de bobeira, sem falar muita coisa um para o outro. Mas vejo os olhares tristes que Patrick lança para Heitor. Ele por sua vez tenta agir com o máximo de naturalidade possível, dá para ver que ele está triste pelo ex-namorado. Heitor gosta desse garoto de verdade, mas não como o outro espera que seja e eu consigo entender. Acho que se eu estivesse na posição de Patrick eu me esforçaria para esquecer Heitor com todas minhas forças, pois esse é o certo.
Acho graça de eu estar me colocando na situação de um garoto gay. Não sou preconceituoso, muito pelo contrário. Quem sou eu para julgar quem deve ou não amar. Mas nunca me vi como gay, no lugar de um garoto gay. Sequer tive contato direto com algum gay, pelo menos não assumido. E – sinceramente – acho engraçado agora eu estar sentindo empatia por um. Pois empatia é isso: colocar-se no lugar do outro.
– Está rindo de quê? – pergunta Patrick de um jeito completamente arrogante. Percebo que mais uma vez deixo transparecer em meu rosto meus pensamentos mais ocultos. Arrependo-me e rapidamente desfaço meu sorriso. Quando olho para Patrick a empatia que estava sentindo há pouco se apaga na mesma hora.
Ficamos todos em silêncio. Ele me encarando com rancor evidente em seu rosto. Por um momento penso em mergulhar, mas eu estaria fugindo. Ele me entendeu m*l e não sei como me explicar. Não tem o que explicar.
– Patrick… – Começa a falar Heitor, mas o garoto volta a nada para a prainha. Olho para o garoto do cabelo azul. Ele não sabe o que deve fazer, assim como eu não sei o que dizer. Ele olha para mim como se estivesse pedindo desculpas por algo que tenha feito. Não sei por que faz isso, já que ele não fez absolutamente nada, até mesmo Patrick não fez nada além de uma pergunta. É claro que o jeito com que ele se referiu a mim não foi nada legal, mas mesmo assim não passou de uma pergunta.
Heitor volta sua atenção para Carol. Ela me lança um olhar de soslaio sem dizer nada. Aproxima-se de Heitor devagar.
– Deixa que eu falo com ele – diz ela soltando um longo suspiro.
Vejo Patrick se jogar na areia, pegar sua mochila e tirar um pacote dela. Demorou nem um minuto para eu perceber que era um maço de cigarros. Vejo-o tirando e acendendo um cigarro e guardando o resto do maço. Heitor nada até mim e fica a minha frente, tampando parcialmente minha visão de Patrick e agora de Carol que já se sentou do lado dele e começou a falar com ele.
– Desculpa pelo Pat, Maximiliano – diz ele. Seus olhos azuis fixos nos meus.
– Você cometeu dois erros. – Ele se sobressalta surpreso. – Pedir desculpas e me chamar de Maximiliano – digo sorrindo para tentar tirar esse clima entre nós.
Ele sorri também.
– Me desculpa, pois eu sabia que o Patrick teria uma crise de ciúmes mais cedo ou mais tarde. E eu gosto do seu nome. Aquela hora só estava zoando.
– Não estou chateado por ele. Até entendo mais ou menos ele. E o meu nome é muito f**o!
– Eu acho que ele combina com você.
– Você acabou de cometer outro erro, garoto do cabelo azul – digo jogando água nele.
– Qual foi o terceiro erro? – pergunta ele.
– Você acabou de me chamar de f**o.
– O quê?! – exclama ele. Estou gostando de ver a confusão se instalar em seu semblante.
– Eu disse que meu nome era f**o e você disse que ele combinava comigo, logo você disse que eu era f**o. Está tudo nas entrelinhas… – aponto o indicador em riste. – E eu sou um gênio quando se trata de interpretar as entrelinhas – digo.
– Seu b****a. – Agora é ele quem joga água em mim. Dou um mergulho rápido e em cinco segundos volto a submergir. Quando volto encaro Heitor olhando para mim.
– Só para sua informação, se você fosse f**o eu não teria tentado te beijar. E com certeza você é péssimo lendo qualquer entrelinha, pois qualquer um teria percebido que eu estava te dando mole – diz ele e eu arregalo meus olhos, impressionado por sua sinceridade súbita.
Ficamos em silêncio mais uma vez. Meu coração está acelerado e sinto um calor subindo pela nuca que mesmo estando dentro d’água não sinto esfriá-la.
Ele volta a jogar água em mim e eu revido sorrindo.
– Vamos voltar para a areia – sugere.
Eu me inclino um pouco para ter uma visão do Patrick ele está mexendo em alguma coisa concentrado, Carol está ao seu lado prestando total atenção no que ele está fazendo. Vejo suas bocas se mexendo e concluo que ainda estão conversando só não consigo saber do que se trata.
– Ele já deve estar mais calmo – diz Heitor quando percebe para onde estou olhando. – O Pat é inofensivo. Já, já ele fica tranquilo.
O garoto do cabelo azul segura minha mão por debaixo d’água e sinto-me estranho. Penso em soltá-la, mas ele segura ela bem firme. Então vamos para a praia.
Chegando lá vejo que Patrick está totalmente concentrado em enrolar um cigarro de maconha. Eu olho para Carol que está prestando atenção nas mãos de Patrick e quando olho para Heitor ele dá de ombros. Vou até minha mochila e tiro a toalha de lá. Coloco na areia e me deito nela. Sinto uma leve brisa contra meu corpo. Sinto o sol começar a queimar minha pele. E a excitação em meu corpo aumenta gradativamente.
Olho para Heitor e ele sorri para mim. Ele se senta ao meu lado e deixa seu semblante transparecido. Um mixe de empolgação e alegria. Viro-me para o outro lado e observo a cachoeira. Decido não falar nada. Até que sinto aquele cheiro característico de maconha e me deparo com o garoto do cabelo azul tragando-a.
Ele olha para mim e solta a fumaça em minha direção. Um sorriso se forma em seu rosto mais uma vez. Aquele mesmo sorriso largo que faz as covinhas em suas bochechas ficarem muito evidenciadas.