Quinta chamada. Não havia mais como recusar. Sabia que havia extrapolado os limites e certamente levaria uma bronca, ou quem sabe poderia até ser afastado alguns dias por esse ato de indisciplina. Mas era mais forte que ele. Não poderia simplesmente virar as costas e voltar para o trabalho sem saber como a ruiva ficaria.
Minutos após dar entrada no pronto atendimento do hospital acompanhando a mulher, Dean ainda sentia seu corpo tremer e seu coração batia descontrolado a ponto de deixá-lo sem ar. Lionel e Alec esgotaram todos os argumentos e por fim desistiram de tentar obrigar o colega a voltar ao trabalho. Entendiam a preocupação dele, mas estava além das responsabilidades deles. O delegado de polícia já estava por ali e a qualquer momento a amiga da vítima também chegaria.
— Sim, Félix.
O homem bufou do outro lado da linha e ao falar sua voz era audivelmente irritada. Dean até conseguia enxergá-lo trincando os dentes ao falar, como sempre acontecia quando estava bastante irritado.
— O que diabos pensa que está fazendo Fowler?
— Desculpe senhor. Mas eu precisava...
— Você precisa voltar ao trabalho imediatamente. Não sei que raios está acontecendo, mas há outros chamados à espera. Você já salvou a mulher de um espancamento agora é com o pessoal dai.
— Eu não a salvei de um espancamento. Ela já foi muito espancada. Eu só preciso saber se ela está bem.
— Isso é pessoal, Fowler?
— Não, mas...quer dizer...
— Estou mandando você voltar ao trabalho. Quando estiver de folga volte ao hospital e peça informações, mas sem o uniforme da corporação, entendido? Sinto que está envolvido de alguma forma, mas isso conversaremos depois. Agora volte ao trabalho. E não me faça ter que o punir por esse ato, Fowler.
Félix desligou antes que Dean pudesse responder. Amaldiçoou a si mesmo por ter permitido que ele saísse para esse tipo de chamada. Sabia o quanto a violência doméstica mexia com ele mais do que qualquer outra coisa. Ele sempre ficava muito abalado, mas geralmente não descumpria ordens e nunca permaneceu a espera de notícias das vítimas. Claro, ele procurava saber o resultado final da situação, mas jamais ficou de plantão num hospital negligenciando seu trabalho. Isso era preocupante.
— Problemas? — Lydia falou se aproximando e esticando o copo com água que Félix solicitou mais cedo. — Parece nervoso.
— Fowler. Não se afasta do hospital para onde foi levada uma vítima e isso me faz pensar que é algo pessoal.
— Será? Alguma amiga ou parente?
— Não sei, mas vou descobrir quando ele chegar.
Lydia voltou ao trabalho e Félix fechou os olhos, se perguntando se não era o momento de dar umas férias prolongadas a Dean. Ele tinha direito a elas, mas se recusava a utiliza-las. Mas agora teriam que conversar seriamente.
Frustrado, Dean lentamente se afastou pelo corredor onde esteve parado desde o momento em que Mackenzie Cannon deu entrada no atendimento. Queria notícias e necessitava saber mais a respeito dela, principalmente se o causador daquela desgraça tinha sido o moreno bombado que esteve com ela no pub. Mas não podia desafiar a autoridade de Félix mais do que já tinha feito.
Para sua satisfação, uma loira esbaforida surgiu no corredor antes que ele se afastasse completamente. Paige arregalou os olhos ao reconhecer o homem do pub. Desceu o olhar pelo corpo dele e m*l acreditou ao perceber onde ele trabalhava. Teria sido ele a salvar Kenzie?
— Ei...
Os dois disseram ao mesmo tempo. Paige segurou o braço dele com força ansiosa por notícias da amiga.
— Foi você quem me ligou? Você a trouxe? Como ela está?
— Ei... calma. Foi meu colega quem entrou em contato. Nós recebemos o chamado dela e a trouxemos para cá. Mas eu ainda não tenho notícias e... eu não posso mais ficar aqui. Preciso voltar ao trabalho.
— Sim, eu entendo. Obrigado por tê-la ajudado.
— É meu trabalho, senhorita. Hum... você tem ideia de quem pode ter feito isso com ela?
O rosto de Paige adquiriu uma tonalidade avermelhada e ela fechou as mãos, os olhos faiscando demonstrando toda sua revolta.
— Ora se não é aquele maldito filho da p**a. Harvey Bogen. Deus... ele sempre foi violento. Cansei de avisar a Kenzie para se afastar dele e ela não me ouve. Mas no fundo eu sei que é por medo.
— Ele já fez isso outras vezes? Vocês precisam denuncia-lo.
Paige pareceu desconcertada, passando a mão nervosamente pelo cabelo.
— Olha... eu não posso ficar comentando sobre isso. E... eu preciso ver minha amiga. Mais uma vez obrigada por tudo.
Ela estava se afastando quando Dean a segurou pelo braço. Paige estremeceu com o contato, mas foi o olhar torturado dele que amoleceu seu coração.
— Por favor... anote meu telefone e me ligue para dar notícias. Eu... eu preciso saber como ela está.
Paige arfou com a intensidade não só das palavras, mas também do olhar dele. Aquele cara lindo estava visivelmente preocupado com a amiga, embora não fosse somente preocupação. Ele sentiu algo por Kenzie e isso agora estava bastante claro. Parecia ser boa pessoa e por isso Paige sentia pela amiga. Estava com um crápula em vez de tentar um relacionamento saudável com outra pessoa.
— Tudo bem. Seu nome?
— Dean. Não deixe de me ligar, por favor.
Paige digitou os números ditados por Dean e após um sorriso tímido se afastou pelo corredor. Dean também se afastou encontrando os colegas no estacionamento do hospital. Lionel e Alec se encararam e depois analisaram a expressão nada animadora do colega. Alec pressionou a mão sobre o ombro de Dean tentando confortá-lo.
— Você fez tudo o que podia e o que era seu dever, Dean. Agora precisamos ir.
Ele apenas concordou com um aceno de cabeça e entrou no veículo. Deitou a cabeça sobre o encosto do carro e fechou os olhos. A imagem da ruiva machucada não saía de sua mente. Queria matar o crápula que fez aquela barbaridade com aquele anjo. Se ele a tivesse em sua vida certamente a trataria como uma rainha. Apertou os olhos tentando afugentar as lágrimas que se acumularam e ameaçavam rolar pelo seu rosto.
Entretanto não foi bem sucedido, assustando seus colegas com suas lágrimas. Sabia, porém, que precisava se concentrar e voltar ao trabalho. Além, é claro, de ter que se explicar ao Félix. Seu turno seria longo...
***
No hospital Paige não conseguiu segurar seu choro ao se sentar na poltrona ao lado da cama da amiga. O olho roxo e inchado, lábios também inchados e cortados além de vários hematomas espalhados pelo corpo. O desgraçado fez um estrago em sua amiga e ela desejava que a polícia conseguisse logo colocar as mãos nele.
Kenzie estava dormindo sob efeito dos remédios e sequer fazia ideia de que a amiga estava ao seu lado olhando atentamente enquanto a enfermeira monitorava os aparelhos e anotava em um prontuário.
— Será que ela ainda vai dormir por muito tempo?
— Acredito que não. O medicamento não é tão forte. Mas seria bom se dormisse bastante. Ela sentirá dor ao acordar.
— Obrigada.
Paige falou quando a enfermeira caminhou até a porta. Voltou seu olhar para a amiga e se lembrou do policial. Kenzie sabia que fora salva por ele? Ela já estava desacordada quando ele chegou? Desesperada por notícias acabou se esquecendo de perguntar esse detalhe. Mas isso não era o mais importante. Tudo o que ela queria agora era que Kenzie acordasse e dissesse que apesar de tudo ela estava bem. E óbvio, Paige a levaria para sua casa nem que fosse à força. Não a deixaria sozinha a mercê da maldade daquele crápula novamente.
— Paige...
A loira levantou-se de um salto e se aproximou da cama. Perdida em seus pensamentos não percebeu o momento em que Kenzie abriu os olhos minimamente, mas voltou a fechá-los após chamar por ela.
— Kenzie... eu estou aqui.
— Dói...tudo...
— Eu imagino. Vou chamar a enfermeira.
Paige tocou a campainha e enquanto aguardava tocou levemente a testa de Kenzie que voltou a abrir os olhos. Lágrimas escorreram de seus olhos e Paige chorou com ela, quase a ponto de sentir a mesma dor que a amiga.
— Eu quero matar aquele filho da p**a.
— Ele enlouqueceu Paige. Cismou que eu queria t*****r com aquele cara do pub... aliás, ele afirmou que eu o traía com ele e por isso quis lá para vê-lo.
— Bom... mas ele estava certo quanto a você querer t*****r com o cara.
Kenzie deu uma risadinha, mas em seguida uma careta de dor.
— Brincadeira. Mas como é esse mundo, não é? Você viu quem socorreu você?
— Ele. Sim, eu vi.
— Dean é o nome dele. Quando cheguei ele ainda estava por aqui e... parecia muito preocupado. Inclusive deixou o número dele para que eu ligasse e desse informações sobre seu estado.
Kenzie arregalou os olhos visivelmente surpresa com aquela informação. Não imaginava que essa fosse uma atitude típica daqueles profissionais. Entretanto, apesar de feliz por saber que ele se preocupava, não queria dar mais motivos para que Harvey a acusasse injustamente.
— Melhor não Paige. Se Harvey...
— Ah pelo amor de Deus, Kenzie! Eu realmente não acredito que depois dessa surra você ainda vai voltar para aquele canalha.
— Não. Não vou. Eu vou denunciá-lo, está decidido.
— É a decisão mais acertada da sua vida.
— Mas você o conhece. Mesmo assim ele pode até tentar algo contra aquele rapaz... não posso permitir.
— Mas...
— Por favor, Paige deixe-o fora disso. Prometa.
Paige bufou, mas felizmente não chegou a prometer algo que não saberia se ia cumprir. A porta foi aberta e por ela passou uma enfermeira e o médico que viu mais cedo.
— Olá Makenzie.
— Oi.
— Sou o doutor Foster. Cuidei de você assim que deu entrada. Como está se sentindo?
— Dolorida. Muita dor, na verdade.
— Sim, é claro. Bom... fizemos vários exames e felizmente não houve danos maiores principalmente internamente. Hematomas, escoriações e inchaços. Nada de grave.
— Graças a Deus.
— E felizmente está tudo bem com o bebê também.
As duas arfaram e arregalaram os olhos. Kenzie começou a tremer e as lágrimas se acumularam em seus olhos.
— Bebê?
— Suponho que a senhorita não sabia?
Ela negou balançando a cabeça.
— Bom, mas então é isso. A senhorita está grávida e o bebê está bem.
A partir daí Kenzie não ouviu mais nada. Estava atordoada demais para raciocinar qualquer coisa. Um bebê. Ela estava grávida do homem que a espancou covardemente.
— Kenzie?
Ela girou a cabeça na direção de Paige, mas não conseguia ver seu rosto pois chorava copiosamente. Não percebeu que as duas estavam novamente a sós.
— Deus... grávida! O que eu farei agora, Paige? Um bebe do Harvey.
— Agora você vai descansar, Kenzie. Depois quando estiver mais calma você poderá pensar sobre isso. E saiba que eu estarei ao seu lado e a apoiarei em tudo.
Cautelosamente Paige curvou o corpo sobre a cama e abraçou a amiga. Sentia-se m*l por sentir pena dela por estar grávida daquele infeliz. Mas era uma criança. Um ser inocente. Ela teria direito a esse sentimento r**m?
— Eu não sei o que fazer...
— Juntas encontraremos uma solução. Já disse que estarei com você.
Kenzie se permitiu chorar ainda mais. Os sentimentos se misturavam dentro dela e no momento não saberia dizer se estava feliz ou não.