Capítulo 3
Gibi narrando :
Saí de casa na moral, sentindo o peso do dia começando a bater. O sol já tava esquentando o morro, e a rua tava daquele jeito de sempre, movimentada, mas com um silêncio estranho no ar. Quem vive aqui sabe quando tem algo no vento.
Fui descendo pelo beco, cumprimentando uns conhecidos, mas sem dar muita trela. O Nando já tava me esperando na esquina, de braço cruzado, olhando pros lados como sempre fazia quando tava bolado com alguma coisa.
— E aí, mano? — falei, chegando perto.
Ele bateu na minha mão e já foi mandando o papo reto:
— Bagulho tá estranho, Gibi. Tem uns caras diferentes rondando a parte baixa do morro, lá perto da contenção.
Fiz que sim com a cabeça, mas já sentia o sangue esquentar. Esse tipo de movimentação nunca era aleatória.
— Já viu quem são? — perguntei, ajeitando a camisa enquanto olhava pros lados.
— Dão do morro do Tatú, tá ligado? Tão trocando ideia com uns menor que trampa na contenção.
Suspirei fundo. Era sempre assim. Quando o morro tava tranquilo, aparecia alguém querendo testar o dono da parada.
— Vamos resolver isso agora — falei, já descendo com ele pro lado onde os caras tavam sendo vistos.
O coração batia firme, mas a mente tava gelada. Eu sabia que hoje não ia ser um dia comum. Alguma coisa ia acontecer. E eu tava pronto pro que fosse.
Descemos de moto, ele na dele e eu na minha, paramos na esquina e descemos da moto e já fomos caminhando. No morro, presença é tudo, e quem manda aqui sou eu. A rua tava naquele silêncio suspeito, só os passarinhos cantando e uns moleque jogando bola no campinho improvisado. Mas eu sentia o peso do olhar de quem sabia que o clima tava estranho.
O Nando apontou discretamente com o queixo. No canto da viela, perto de um barzinho de porta de ferro, tavam os tais caras. Três. Camisa larga, bermuda no joelho, uns cordão pesadão no pescoço. Eram do movimento, mas não daqui.
— Fica ligeiro — murmurei pro Nando, e ele só assentiu.
Cheguei sem alarde, parando bem de frente pra eles, de cara fechada, sem dar espaço pra gracinha.
— Perdidos, parceiro? — soltei, cruzando os braços, deixando claro que eu tava esperando uma resposta.
O do meio, que parecia ser o mais desenrolado, abriu um sorrisinho de canto, tentando pagar de tranquilo.
— Qual foi, mano? Só vim trocar uma ideia, conhecer o morro. Dizem que a boca aqui é forte.
Dei um risinho curto, mas sem humor.
— É forte porque tem dono. E o dono tá bem aqui.
Os outros dois se entreolharam, já percebendo que o papo não ia ser tão fácil quanto pensaram. O cara da frente coçou o queixo, como se pesasse as palavras antes de falar.
— De boa, chefe. Não queremos treta não pô. Só quisemos ver como funciona o corre por aqui.
Inclinei um pouco a cabeça, encarando ele de cima a baixo.
— E agora já viu. Então faz o seguinte… some. Antes que eu perca a paciência.
O ar ficou pesado. O cara hesitou por um segundo, mas no fim, deu um passo pra trás, levantando as mãos em rendição.
— Tranquilo, patrão. Sem estresse. Tamo saindo fora.
Fiquei ali, observando os três baterem em retirada. Nando bufou do meu lado.
— Tão testando, Gibi.
— Eu sei — murmurei, ainda olhando pra onde os caras sumir.
Peguei meu rádio e mandei logo o papo:
— E aí, menor, segue esses três que tão saindo agora. E eu quero saber quem deixou eles subir nessa p***a.
Do outro lado, demorou uns segundos, aí veio a resposta, e o moleque gaguejou:
— F-Foi o Júlio que deixou os mano passar, chefe...
Fiz cara feia na hora, já sentindo o sangue subir.
— Então manda ele pra boca agora, que eu quero trocar uma ideia com ele.
Desliguei o rádio, respirei fundo e olhei pro Nando, que já tava de braço cruzado, esperando meu comando.
— Bora pra boca.
Subi na minha moto e girei a chave, o motor roncando alto. Acelerei forte, cortando a rua na subida do morro, com Nando vindo logo atrás. O bagulho ia azedar pro lado do Júlio, e ele que se preparasse.
Cheguei na boca e já vi o Júlio de canto, meio sem jeito, olhando pro chão. Os outros caras tavam ali também, tudo na atividade, mas dava pra sentir no ar que a situação ia pesar.
Desci da moto num movimento só, e fui direto no moleque.
— E aí, Júlio, cê tá achando que aqui é o quê? Parque de diversão? Qual foi que tu deixou uns cara subir sem me avisar?
Ele engoliu seco, passou a mão no nariz, nervoso.
— Chefe... os cara falaram que só vinham trocar uma ideia, que já eram conhecidos...
Não deixei nem terminar.
— Conhecido de quem? Tua mãe? Aqui não tem essa p***a, não! Se não passou por mim ou pelo Nando, não sobe! Tá achando que isso aqui é bagunça?
O silêncio pesou. Todo mundo prestando atenção na cena, esperando o desfecho. Nando ficou do meu lado, quieto, mas de olho em tudo.
Júlio balançou a cabeça, meio trêmulo.
— Foi m*l, chefe. Não vai se repetir...
Passei a língua nos dentes, controlando a raiva.
— Se repetir, cê sabe qual é o caminho, né?
Ele assentiu rápido. Eu respirei fundo, olhei pros lado e soltei a última:
— Agora volta pro teu posto e abre o olho. Aqui não tem espaço pra erro.
O moleque saiu quase correndo. Nando deu uma risada baixa.
— Tá ligado que esse aí quase se mijou, né?
Dei de ombros.
— Melhor assim. Medo mantém o respeito.
Peguei meu rádio de novo, já mandando outro papo pros caras da contenção. Hoje eu ia reforçar a segurança do morro. Tava sentindo que o bagulho ia apertar, e eu não ia ser pego de surpresa.
Passei a manhã na boca, acompanhando tudo de perto. O corre tava fluindo, os mano embalando os papelote, pesando a mercadoria, separando os kits. Fiquei ali, só supervisionando, conferindo se tava tudo no esquema.
— Aí, menor, pesa direito essa p***a, que não quero cliente reclamando — falei, olhando um dos menor que tava na prensa.
Nando tava do lado, de olho também. Ele sempre prestava atenção nos detalhes, sabia que qualquer erro podia dar problema. O movimento não podia falhar.
Depois de um tempo, o serviço tava rodando liso. Dei um gole na minha água, estalei o pescoço e joguei o papo:
— Vou dar um pião no morro, ver como tá o movimento.
Nando acenou, já sabendo que eu gostava de sentir o ar do morro, ver de perto quem tava onde, quem se movimentava demais. Subi na moto e fui dando um rolê, cortando as vielas, trocando ideia com os cara da contenção.
Tava nesse pique quando o rádio chiou e um dos menor da contenção me chamou:
— Chefe, tem uma mina querendo subir. Nova moradora, falou que tá vindo morar com uma tia.
Na hora minha curiosidade bateu.
— Como é que é? Quem é essa aí?
— Não sei, não, chefe. Primeira vez que tô vendo. Tá aqui na entrada, perguntando onde é a casa da tal tia.s a mina é gata pra caralhø, só se veste meio estranho – ele diz, e eu acho aquilo estranho pra p***a.
Fiz a curva rápido e já soltei no rádio:
— Tô indo aí. Quero ver quem é essa novata.
Acelerei rumo à entrada do morro. Tinha alguma coisa me dizendo que esse rolê ia ser interessante...
Continua.....
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