Capítulo 4
Rafaela narrando :
Meu nome é Rafaela Martins, mas todo mundo me chama de Rafa, eu tenho 19 anos. Sou branquinha, olhos claros, cabelo loiro, liso e comprido. Nunca cortei muito, só as pontas de vez em quando. Meu corpo sempre foi bonito, pelo menos é o que dizem, mas nunca liguei pra isso, deve ser genética.
Nasci e me criei em berço evangélico, dentro da igreja Renascer em Cristo, no interior de São Paulo. Meu pai era pastor, um homem íntegro, respeitado por todos. Ele sempre dizia que a fé era o alicerce da vida, que Deus nunca abandona os seus. Só que há dois anos ele nos deixou, morreu de infarto, do nada, sem aviso. Foi um baque. Minha mãe desabou.
Ela já tava doente, lutando contra um câncer no intestino. Quando meu pai se foi, parecia que ela perdeu a vontade de lutar. Eu vi minha mãe definhar, vi ela sofrendo, até que há um mês ela também partiu. Eu chorei tanto, me desesperei. De uma hora pra outra, fiquei sem ninguém.
Fiquei dias trancada no meu quarto, chorando. Sem comer, sem dormir direito, sem vontade de nada. Minha vida era meus pais, só nós três. Eu não tinha irmãos, não tinha mais ninguém. E, de repente, me vi sozinha, sem rumo, sem trabalho, sem esperança. A dor era sufocante, parecia que ia me engolir.
Naquele dia, eu tava do mesmo jeito: deitada na cama, abraçada ao travesseiro, chorando baixinho, quando ouvi baterem na porta.
— Rafa… — a voz calma e firme da irmã Maria ecoou do outro lado. — Rafa, abre a porta pra mim, filha.
Demorei um pouco pra me levantar. Minhas pernas pareciam pesar uma tonelada, minha cabeça latejava de tanto chorar. Fui até a porta, arrastando os pés, sem força, sem ânimo, e abri. Lá estava ela, com aquele olhar bondoso e uma marmita na mão.
— Trouxe uma comidinha pra você, meu amor — disse com um sorriso suave. — E também quero ler uma palavra e orar com você.
Eu só assenti, sem voz, sem vontade de recusar. Fui até o sofá e me sentei. Ela colocou a marmita sobre a mesinha, pegou a Bíblia e abriu.
— Eu vou abrir uma palavra pra você, tá bom?
Eu só balancei a cabeça, tentando segurar as lágrimas. Meu coração ainda tava pesado, mas, no fundo, eu sabia que precisava daquilo.
A irmã Maria respirou fundo, passou a mão pelas páginas da Bíblia como quem acaricia algo precioso, e leu em voz clara e firme:
Salmo 27/14
— "Espera pelo Senhor, tem bom ânimo, e fortifique-se o teu coração; espera, pois, pelo Senhor".
Ela fechou a Bíblia devagar, me olhou nos olhos e sorriu de leve.
— Sabe, Rafa… Deus nunca nos abandona. Eu sei que agora tudo parece escuro, pesado, que a dor tá forte demais. Mas Ele tá aqui, Ele sempre esteve. Às vezes, a gente não entende os planos dele, não entende o porquê de certas coisas acontecerem, mas uma coisa eu te garanto: Ele nunca nos dá um fardo maior do que conseguimos carregar.
Minha garganta tava travada. Engoli seco, tentando conter as lágrimas, mas não consegui. Abaixei a cabeça, sentindo o choro vir de novo.
— Eu perdi tudo… — sussurrei, quase sem voz.
Ela segurou minha mão com carinho.
— Não, filha… Você ainda tem a sua fé. E a sua fé vai te sustentar. O Senhor tá te vendo, Ele sabe da sua dor. Ele tá te preparando pra algo maior. Mas, pra isso, você precisa se fortalecer. Precisa ter ânimo, precisa levantar. O inimigo quer te ver assim, caída, sem forças. Mas você é filha do Altíssimo. Ele vai te levantar.
Eu só balancei a cabeça, tentando absorver aquelas palavras. Queria acreditar, queria mesmo. Mas a dor ainda pesava demais.
Ela segurou minha mão com mais força e me olhou com uma expressão serena.
— Rafa, posso orar por você, filha? — ela perguntou suavemente.
Eu só acenei com a cabeça, ainda tentando engolir o nó na garganta.
Ela fechou os olhos, fez uma breve pausa e começou a orar com aquela voz firme que só quem tem fé sabe ter.
— Senhor, eu coloco essa filha diante de Ti, pedindo que Tu a cubras com o Teu amor, a Tua paz, e que Tu a fortaleças nesse momento de dor e sofrimento. Senhor, sabemos que Tu és o nosso refúgio, nossa fortaleza, e é em Ti que encontramos descanso. Senhor, toca o coração da Rafaela, remove essa tristeza, essa dor profunda que está em sua alma.
Eu sentia a presença de Deus, mas ao mesmo tempo, algo estava diferente, uma sensação diferente no ar, como se o ambiente tivesse mudado. A irmã Maria começou a orar mais alto, ela começou a orar em línguas estranhas. Sua voz ficou mais intensa, como se ela estivesse em outro nível de oração.
De repente, ela parou, respirou fundo, e me olhou com os olhos arregalados.
— Deus manda eu te dizer, filha… Ele vai te tirar dessa terra. Ele vai te levar para outro lugar, um lugar onde você não conhece ninguém. Nesse lugar, Ele tem um propósito para você, e você vai fazer a diferença na vida de alguém lá.
Meu corpo gelou. As palavras dela soaram como uma profecia. Era algo forte, algo profundo. Eu não sabia o que pensar, mas uma sensação estranha tomou conta de mim, algo que eu não conseguia explicar.
Ela segurou minha mão com mais força e continuou.
— Vai ser um novo começo, um novo caminho. Você vai sentir medo, vai querer voltar atrás, mas Deus está dizendo: não tenha medo, porque Eu sou contigo. E esse lugar será a sua terra de renovo.
Eu olhei para ela, atônita, sem saber o que dizer.
— Você vai cumprir o propósito de Deus, Rafa. Ele te escolheu para essa missão, e vai te usar de forma poderosa.
Fiquei em silêncio. Eu não sabia o que fazer com tudo aquilo. Mas algo dentro de mim começou a despertar, como se uma chama estivesse começando a brilhar no meio da escuridão.
Depois que a Dona Maria saiu de casa, um alívio profundo invadiu minha alma. Como se um peso tivesse sido tirado de mim, e aquela sensação de angústia começasse a dar lugar a uma paz que eu não sentia há muito tempo. Era como se a oração dela tivesse me tocado de uma forma tão intensa que eu começava a sentir uma vontade de me aproximar de Deus, de voltar a orar como antes, de jejuar e me conectar com algo maior. Eu estava pronta para mudar, pronta para me renovar.
Foi quando, no meio desse momento, meu celular tocou. O número da minha tia do Rio de Janeiro apareceu na tela, e algo dentro de mim já sabia o que viria. Era ela, me chamando para ir ficar com ela no Rio.
No mesmo instante, a lembrança da palavra da irmã Maria veio à minha mente.
– Deus vai te tirar dessa terra, vai te levar para outro lugar.
Não sei como, mas algo em meu coração me dizia que aquela era a chance, o começo daquilo que Deus tinha preparado para mim. O lugar que Ele mencionara, o novo caminho, a mudança.
Sem hesitar, aceitei o convite da minha tia. Eu sabia que aquilo era o que eu precisava, um novo recomeço. A vida, a dor, o peso de tudo o que eu estava vivendo… tudo isso poderia ficar para trás. Eu estava indo em direção ao desconhecido, mas com a certeza de que, de alguma forma, era a vontade de Deus para mim.
Respirei fundo, olhei para a casa, olhei para minha vida aqui e senti que, de verdade, algo estava se encerrando para um novo capítulo começar.
Peguei minhas coisas e vim. O coração apertado, um medo do desconhecido, mas a fé ainda intacta. Eu não podia desistir, não podia me entregar.
Quando cheguei na entrada do morro, já senti os olhares. Eu sabia que não era comum uma garota como eu aparecer por ali. Mas era ali que minha tia morava, era ali que eu teria que recomeçar.
Eu só não sabia que, a partir daquele momento, minha vida ia mudar de um jeito que eu nunca imaginei.
Continua.....