Capítulo 6
Rafa narrando:
Meu Deus, eu senti dez tipos de medo olhando pra ele. Aquele moço... Ele era lindo, grande, forte, cheio de tatuagens e, meu Deus, cheirava muito bem, um cheiro amadeirado. Os olhos dele eram azuis, e aqueles olhos... chamavam muito a atenção. Eu tentei manter minha postura, mas, por dentro, eu tava toda desestruturada. Ele me encarava de um jeito que parecia me analisar, e eu sabia que ele não acreditava nem um pouco no que eu tava falando. Mas, enfim, eu segurei firme e disse:
— Eu vim aqui porque Deus mandou.
Ele me olhou por um tempo, avaliando, e finalmente me deixou passar. Eu quase respirei aliviada, mas não consegui relaxar totalmente. O medo ainda tava ali, mas eu sabia que, naquele momento, eu não podia demonstrar fraqueza. Fui subindo, com a minha mala enorme na mão, carregando ela pelo calçamento, cada passo ecoando na minha mente. Não tinha volta. Eu sabia que aquele lugar ia mudar tudo pra mim, mas não sabia exatamente o quê ainda. Eu tava indo sem saber o que esperar, mas com a certeza de que Deus tinha algo pra mim ali.
Eu sabia que a casa da minha tia ficava bem perto da pracinha, então fui subindo, procurando a tal da praça. O calor tava insuportável, eu suando muito, e, pra piorar, eu tava de vestido e não tinha colocado um shortinho por baixo. Minhas pernas já estavam assadas, me dando aquele desconforto, sabe? Mas eu não podia parar. Eu não queria parecer fraca ali. A caminhada tava difícil, mas eu seguia firme, meus pés queimando na calçada quente e o sol batendo na minha nuca. O calor do lugar parecia não me dar trégua, mas eu tinha que continuar. Eu só pensava que logo eu chegaria na casa da minha tia, e quem sabe ali as coisas começariam a fazer sentido de novo.
Depois de uns vinte minutos, cheguei em frente à praça e vi a lanchonete cheia de gente. Tinha uns caras sentado, tomando cerveja, devia ser do movimento. Fiquei meio tensa, já dava pra perceber que estavam armados. Comecei a orar em pensamento, pedindo proteção, porque o ambiente ali não parecia muito tranquilo. Fui até o balcão onde tinha uma moça atendendendo e pedi uma água, meu corpo tava implorando por aquele alívio. Quando a garrafinha chegou, eu já me senti um pouco mais leve.
Foi então que ouvi a voz da minha tia me chamando:
— Meu Deus, Rafa! Por que não me avisou que eu ia te buscar, filha?!
Ela apareceu na porta com um sorriso acolhedor, e antes que eu pudesse responder, ela já me deu aquele abraço apertado que só tia sabe dar. Eu me senti acolhida, aliviada de verdade, como se a paz tivesse finalmente chegado depois de tanta bagunça na minha vida.
Ela me abraçou com força, e logo, me ajudou a pegar minha mala, que tava pesada pra caramba. A cada passo que a gente dava, ela ia falando, cheia de entusiasmo:
— Vem cá, filha! Vou te mostrar o seu quarto, tá tudo arrumadinho pra você, você vai gostar!
Eu não sabia direito o que esperar, mas de alguma forma, o jeito dela me fazia sentir que ia ser diferente aqui. Chegamos na parte de trás da lanchonete, onde ficava a casa dela, que era simples, mas aconchegante. Ela abriu uma porta e me mostrou o quarto:
— Olha, filha, aqui é o seu cantinho. Coloca suas coisas aqui, pode deixar só jeito que você gosta.
Era um quarto bem tranquilo, com uma janela que dava pra ver a praça lá de baixo. A cama estava arrumada com um lençol limpo, e a mesinha de cabeceira tinha até uma florzinha em um vaso, dando aquele clima acolhedor. Eu fiquei olhando tudo, e por mais simples que fosse, parecia que finalmente alguém estava me recebendo com carinho. Ela colocou a mala em cima da cama e me olhou com um sorriso materno:
— Se quiser descansar, fica à vontade, viu? Se precisar de qualquer coisa, é só me chamar. Você tá em casa, filha.
Senti um peso saindo das minhas costas. Talvez eu tivesse vindo pra um lugar onde, finalmente, as coisas pudessem começar a melhorar.
— Muito obrigado, tia, de coração... eu falei, sentindo uma onda de gratidão.
Ela sorriu, com aquele olhar cheio de sabedoria que só quem tem a vida marcada por experiências pode ter.
— Sua mãe faria o mesmo por mim. Família é pra isso, minha filha. Agora vai lá, toma um banho e descansa. Daqui a pouco, vou te trazer um lanche daqueles, tá! – Ela disse, me dando um beijo na testa, como se estivesse me passando toda a proteção que ela poderia.
Eu vi ela saindo para a lanchonete e, ao me ver sozinha, fechei a porta atrás de mim e me sentei na cama. A sensação de alívio foi instantânea. Tudo estava tão novo, tão diferente, mas ao mesmo tempo, o fato de estar ali, naquele quarto simples, me dava a sensação de que talvez eu estivesse no caminho certo.
Me levantei e fui até o banheiro para tomar aquele banho demorado, sentindo cada gota de água como se estivesse lavando todas as tristezas e incertezas. Eu sabia que não era a solução para tudo, mas era um começo. Um começo que eu não podia deixar passar.
Enquanto a água caía sobre o meu corpo, eu ficava ali, meio que em transe, pensando na vida da minha tia. A dor dela, que, apesar de tudo, nunca foi capaz de tirar a alegria do seu sorriso. Como alguém pode suportar tanta perda e ainda ser tão forte, tão acolhedora? Eu sentia uma admiração enorme por ela.
Ela perdeu o marido, que foi um homem dedicado, e o filho, que morreu na invasão, trocando tiros com a polícia. Eu sabia como aquilo deve ter destruído o coração dela. Ela não falava muito sobre isso, mas quem a conhecia, sabia que a saudade nunca deixou de apertar. Mesmo assim, ela seguiu, com fé e coragem, criando um ambiente que, pra mim, era como um porto seguro. Era uma força que não vinha de um lugar qualquer, mas da dor superada e das cicatrizes que a vida lhe deu. Eu olhava pra ela e via a esperança renascendo, a mesma esperança que eu tentava encontrar dentro de mim.
Minha tia havia perdido tudo o que amava, mas não perdeu a fé. A dor que ela carregava era silenciosa, mas firme. E eu, ali, naqueles minutos de banho, me perguntava: será que eu conseguiria fazer o mesmo? Superar todas as dificuldades e encontrar algo que valesse a pena, assim como ela encontrou a força pra seguir em frente?
A água continuava a escorrer, e eu me sentia renovada, como se fosse possível encontrar essa mesma força, essa mesma alegria de viver, apesar de tudo.
Eu me sequei e, com um suspiro, comecei a me vestir. Escolhi um vestido tubinho preto, bem simples, na altura do joelho, de manguinha, que eu sabia que ia me deixar confortável. Calcei uma rasteirinha, porque o calor estava insuportável, e deixei o cabelo solto, a brisa ajudando a dar aquele movimento natural. Enquanto eu ia desfazendo a mala, um pouco distraída, ouvi a porta abrir e minha tia entrar.
– Trouxe um lanche pra você, esse é o nosso x podrão. Você vai gostar, tenho certeza – ela disse, deixando o prato em cima da penteadeira, com uma latinha de Coca ao lado.
Eu dei aquele sorriso de gratidão, que só quem conhece a generosidade de uma tia pode entender. A comida ali, simples, mas feita com tanto carinho, me fez sentir mais acolhida, mais em casa.
– Obrigada, tia – eu disse, já imaginando o sabor daquele lanche que, com certeza, era delicioso. Eu sabia que a comida dela sempre tinha um tempero especial.
Ela sorriu, me olhando com aquele olhar que só ela sabia dar, e me deixou à vontade no quarto. Eu estava tentando absorver tudo o que estava acontecendo, meio que me permitindo relaxar pela primeira vez depois de tanto tempo de dor.
Comi devagar, saboreando cada pedaço, e enquanto isso, olhei pela janela, refletindo sobre os próximos passos. Eu estava em um novo lugar, com novas oportunidades, e talvez, apenas talvez, esse fosse o começo de algo que eu ainda não conseguia ver, mas que o meu coração, aos poucos, começava a acreditar.
Continua .....