— Bate com força Serguei, isso com toda certeza não é um soco, você pode fazer melhor que isso. — O provoco desferindo vários socos em sua direção, ele se defende bem, mas não consegue impedir que um dos socos pegue em sua boca fazendo a mesma sangrar outra vez.
O tatame estava repleto de sangue e suor de todos os homens que lutei, Serguei é o último de meus seguranças a lutar comigo. Não mentirei meu suor também estar nesse tatame…
Mas todo o meu sangue ainda corre em minhas veias. Penso olhando divertido para Serguei que limpava o sangue de sua boca com a manga de seu Kimono, que por ser na cor preta, o sangue não ficou evidenciado.
O núcleo do tatame é feito comumente de palha de arroz compactada, pois oferece um perfeito grau de firmeza e também é muito durável, mas como a cor da palha não me atraiu, mandei tingi tudo na cor preta. Todas as coisas em minha academia são na cor preta, é algo que já faz parte de mim e não me sinto sombrio por achar essa cor atraente.
Serguei parou de se movimentar no tatame e me encarou resoluto. Assim como eu, ele estava descalço. Foi algo que ordenei a todos.
Nenhum de nós sobe no tatame calçado.
Durante toda a minha vida, aprendi a ter um sentimento de reverência ao local que eu treino. Quando você chega e reverência ao tatame, é mostrar sua humildade, independente de sua faixa, idade ou graduação. Humildade e submissão cabem em qualquer lugar. Passei isso para todos os meus seguranças, todos aqueles que decidiram treinar ou aprender comigo, o jiu-jitsu, judô, karatê ou qualquer outra arte marcial.
— Senhor, Volkova, acredito que seja melhor pararmos por hoje… — Ele iniciou com aparente desconforto em sua voz, me reverenciando, mostrando que a nossa luta chegou ao fim, antes mesmo que eu pudesse emitir uma resposta.
— Por quê? Não me diga que cansou? — Volto a provocá-lo com um rápido sorriso.
— Posso ser sincero, senhor?
— Deve! — Respondi o reverencio também.
— Para falar a verdade, eu estou exausto, o senhor me arrastou para essa luta não sei nem quanto tempo. Como não está cansado? — Faz uma careta engraçada. — O senhor Está aqui o dia todo! Já cheguei a imaginar que não é um ser humano normal. — Completou com um longo suspiro.
— Quanta sinceridade, Serguei! — Declarei divertido.
— Peço desculpa se eu…
— Não, tudo bem Serguei, você está certo, estou exigindo demais de você.
— Não, pelo contrário, acredito que o senhor está exigindo demais do senhor, eu entendo a sua frustração, mas o meu trabalho é te proteger, mesmo que seja de si mesmo, e para isso acontecer, eu devo ignorar o seu conforto. — Rebateu saindo do tatame.
Porra, nunca o vi tão Zangado, talvez eu tenha realmente passado dos limites com esse treino. Penso.
— Serguei, você me conhece, sabe que me sinto… — Não consigo completar a frase e saiu do tatame também. Meu humor voltou a ficar sombrio.
— O tempo em que trabalhamos juntos, me ensinou que o senhor é um homem acostumado a resolver seus problemas rapidamente, e não saber quem é esse homem te deixa frustrado, mas o senhor é um homem forte, eu sei e o senhor sabe que vai encontrar esse maldito, mas a senhorita Maim não é acostumada com essa vida, ela é uma mulher forte também, mas até os fortes precisam de cuidados…
— Aconteceu algo com ela? — Perguntei alarmado.
— Sua amiga foi embora hoje pela manhã e a senhorita Maim ficou o dia todo no quarto.
— Ela comeu?
— Não, a senhorita Peterson até tentou fazê-la comer algo, mas ela disse que está sem fome.
Mas uma vez eu a negligenciei, como pude fazer isso?
— Senhor Volkova, ela precisa do senhor, então vai ser preciso o senhor esquecer por um tempo toda essa história e focar em sua mulher.
— Vou até lá. — Avisei ignorando a acusação em sua voz e me sentindo culpado. — Já é noite? — Ele alcançou seu aparelho celular em uma cadeira próximo ao ringue, fitou o visor e tornou a olhar em minha direção.
— Umas 22h30 da noite.
— Vá descansar Serguei, passarei na cozinha e logo mais vou me recolher também.
— Agradeço! — Ele disse com um rápido sorriso.
— Você já sabe como funciona a segurança, basta apenas trocar os turnos e você estará totalmente dispensado.
— Obrigado, senhor! — Disse caminhando em direção à saída da academia.
— Serguei?
— Sim?
— Eu que sou grato por sua lealdade. Lealdade é algo que se conquista e me alegra ter conquistado a sua.
— Senhor Volkova, seus amigos o amam, se eu não soubesse nada do senhor, isso para mim já bastaria. O senhor é uma referência para mim e para os outros seguranças. O senhor costuma lutar mesmo que a única possibilidade a sua frente seja apenas recuar, por isso tenho muito respeito pelo senhor. — Balancei a cabeça, emocionado. Para alguém como eu e Iuri, está rodeado de pessoas de confiança é algo que prezamos muito. Serguei inclinou seu tronco me reverenciando outra vez e eu o imito. — Boa noite, homem de aço. — Diz com um sorriso aberto, algo que eu nunca vi em sua face. Fiquei tão surpreso pelo sorriso inesperado que nem consegui retribuir seu, boa noite.
Serguei seguiu o seu caminho e eu balancei a cabeça sorrindo também, só então me dou conta que ele me chamou de homem de aço e fecho a cara.
— Apelido ridículo da p***a. — Esbravejei. — Como se eu tivesse força além do normal, saísse por aí voando, lançando lasers pelos olhos. — Balancei a cabeça em negativo, aproveitando para pegar meu aparelho celular que deixei em um dos armários existentes na academia.
Suspirei me sentindo cansado de repente, mas era um cansaço mental, algo totalmente novo para mim.
Após a conversa que tive com minha deusa em nosso quarto, fiz o que ela me pediu, fui à academia descarregar toda a minha frustração. Eu não precisei de muito tempo para decidir que ter Elisa longe de mim, está fora de cogitação, eu precisava de clareza e agora sei que ela não estaria mais segura longe de mim, eu a amo e darei a minha vida se for preciso para protegê-la.
Mesmo sabendo a resposta, eu ainda me sentia sobrecarregado, uma energia que me deixava nervoso, a ponto de me fazer gritar com cada soco que eu dava no saco de pancada.
Naquele dia malhei durante horas, mas a vontade de socar a cara de alguém ainda estava presente em todas as minhas terminações nervosas.
Então, tive a brilhante ideia de lutar com meus seguranças, um por um, e essa brincadeira durou uns dois dias, pois precisei descansar, para meu corpo não sucumbi à exaustão. Contudo, esse exercício deixou a minha mente ocupada e me fez negligenciar os sentimentos de minha deusa.
Não me perdoarei por isso.
— Chertov! — Vociferei olhando a tela do celular.
Noto que há algumas ligações perdidas de Andrei. Saio da academia ainda usando meu kimono que se grudava ao meu corpo devido ao suor. Preferi continuar a ficar descalço, é uma sensação maravilhosa o contato de meus pés com o chão gelado.
Pensei em não retornar as ligações de Andrei, pois me irrita a sua demora em voltar para casa, mas retornei a ligação.
Pode ser algo importante. Pensei.
Ele atendeu quando eu chegava a cozinha, coloquei o celular no viva voz, depositei na mesa e me aproximei da geladeira.
— O que você quer Andrei? — Pergunto tirando uma vasilha transparente com divisória, contendo requeijão, o queijo e o presunto.
— O que foi que fiz dessa vez, para você falar nesse tom comigo Dmitri? — Seu tom me pareceu ofendido.
Aff! Penso pegando um saco de pães fatias no armário de mantimentos que fica ao lado da geladeira, e depositando com a vasilha em cima da mesa.
— Nada! Fala logo o que você quer Andrei! — Peço paciente, tirando do armário de limpeza o pote de lenço umedecido para limpeza de ambiente. O pote parecia mais o lenço umedecido que minha falecida esposa usava em nossa filha…
Ela não, a “babá”. Corrijo-me em pensamento.
Tiro um dos lenços do pote e passo no local que usarei para fazer os sanduíches que planejo convencer a minha deusa comer.
— Volkova. — A voz de Andrei me traz a realidade e eu suspiro contrariado. — A culpa não foi minha! Como eu ia adivinhar que o maldito usaria um drone, UM DRONE VOLKOVA. — Completou com o tom exaltado.
— Eu não te culpo por nada, Andrei. Ninguém pensou que ele agiria assim, nem mesmo eu previr os seus passos.
— Então esse é o problema? Você pode ser um fodão Dmi, mas não é Deus! — Bradou. — Eu já resolvi esse problema, se ele considerar atacar com drone outra vez… Hum, por mais que eu acredite que não acontecerá mais.
— Eu também acredito que ele não agirá mais assim, sabe que estamos esperando.
— Exato! — Afirmou.
— Mas uma vez não podemos fazer nada, ele está sempre um passo a nossa frente.
— Calma cara. — Ele pediu. — Não estou reconhecendo.
A Elisa me disse a mesma coisa.
— Sei que a sua falta de positividade é devido à preocupação com a sua mulher, mas vamos conseguir, sei disso.
— Seu otimismo é contagiante.
— E o seu sacarmos não é novidade para mim… Quando chegar, olharei o material de rastreamento, tenho certeza que conseguirei algo.
— Eu também tenho certeza disso! — Em resposta Andrei rir. Deve está se achando.
Isso também não é novidade para mim. Sorriu com esse pensamento.
— Dmi?
— Sim? — Indaguei jogando o lenço no lixo e lavando as minhas mãos.
— Se eu te disser que tenho novidades? — Sua pergunta feita em um tom sério me faz ficar em alerta.
— Novidades? Não entendi… Você vai me dizer, ou já está me dizendo que tem novidades? Seja claro homem. — Falei pegando uma faca entre os talheres e começando a fazer os sanduíches.
— Sim, novidades! Eu não posso falar por telefone, Volkova, mas adianto, as novidades são boas.
Sei que ele está certo, mas ainda assim, suspirei escondendo minha impaciência. Tenho certeza que essa novidade é realmente boa, e o fato de Andrei não contar pelo telefone é porque não é confiável.
— Quando você volta? — Terminei de passar requeijão nas quatro fatias de pães, coloco queijo e presunto em duas fatias, as fatias que sobrou ponho em cima, formando dois sanduíches.
— Acredito que em cinco dias no máximo.
— p***a Andrei, vai morar aí c*****o? Não resolveu o que tinha que resolver ainda.
— Ainda não, vou me encontrar com a presidenta amanhã. — Ele respondeu calmo me fazendo revirar olhos ao ouvir sua resposta descabida.
— Está me dizendo que esses quatro dias no Brasil não foi o suficiente para você se encontrar com ela? Perguntei arrumando os sanduíches na bandeja de café da manhã na cor bege.
— O que posso fazer? Só hoje consegui falar com a presidenta Liliane por telefone, ela é uma mulher ocupada, Dmi. — Respondeu a defendo.
As mulheres deveriam ser estudadas, elas mexem com a cabeça do homem. Andrei está parecendo um babaca puxa saco da presidenta.
— Você não percebe? — Indaguei.
— O quê?
— Você só falta lamber o chão que essa mulher pisa, acredita que conseguirá algo com ela? — Pergunto incrédulo.
— Dmi, o que a presidenta Liliane me pedir para lamber, eu lamberei, sabe por quê?
— Por quê? — Questionei rindo.
— Porque o que importa para mim é o prazer dela.
— Você nem a fodeu ainda e já está apaixonado? — Começo a rir de minha constatação óbvia.
— E daí que estou apaixonado? — Rebateu com o tom exaltado me fazendo rir ainda mais. — Você mais do que ninguém deveria entender, ficou de quatro pela senhorita Maim na primeira vez que a viu, você não pode me julgar…