Memórias de uma mulher de bandido

Por amor.

Fui à delegacia com minha cunhada Livia,que estava se saindo bem como advogada criminal.Minha mãe foi junto,e só falou que eu era namorada e que Júlia tinha uma oficina,nunca soube de nada dele em relação à crime,e que éramos namorados,disse também que a festa era de carnaval...

Eu era apenas a namorada do sobrinho,nada mais,e como tal,sendo menor,não fizeram questão de me ouvir de novo.Disse que estava dormindo,e foi só.Na verdade eu acho que aquele interrogatório era só uma fachada,porque todo mundo sabia que ninguém se importava. quando um bandido morria,na verdade até agradeciam.

Quando você está do lado errado da lei,você é lixo!Era isso que Júlio costumava dizer,e ele diza que gostava de botar o bicho na zona sul nas madames por isso,porque elas se achavam superior a quem mora no morro...Já pegou muita bolsa dentro de ônibus só por zoação...

Eu tinha certeza que a infância dele foi bem diferente da minha..

O enterro aconteceu na terça feira de carnaval,e soube que foi muito triste...porque ele era muito querido.Saíram vários ônibus da Ilha,e também de uma comunidade de Santa Cruz,onde ele também morou...Ele era um bandido que ajudava muita gente,com tudo que era possível,e a comunidade era grata.Até festa dia das crianças,e natal ele oferecia.Eu achei esse gesto bonito,já que infelizmente há muita pobreza no nosso país...Ele distribuía cestas básicas também.Eu só soube disso depois que ele morreu,porque Júlio não parava de falar sobre o tio...Acho que ele se sentiu sozinho,e com medo.

Depois da morte do tio,eu só voltei a falar com Júlio no dia do enterro,achamos melhor não nos falarmos mais em celular,mas liguei para Flávia,e ela disse que tanto a mãe dela como Júlio estavam arrasados.Júlio não parava de chorar,e dizia que ia encontrar quem fez isso com o tio dele....A verdade é que policia não foi,polícia mataria todo mundo.A pessoa só queria mesmo ele,imaginei ser uma rixa antiga..Enfim,eu agora seria olhada e m*l falada no Bairro...Fofoca é coisa que tem em todo lugar,e mesmo não morando no morro,e Júlio já morando no Tuiutí rolava muita conversa fiada por ali,pois foi ali que Capiroto formou no passado,foi o reduto dele a Ilha do Governador.

Eu só queria ver Júlio,e soube por Flávia que ele estava entocado,numa casa que eles mantinham em Niterói.O enterro aconteceu em Realengo e eu não fui,mas à noite eu saí de casa e fui para a casa de tia Carmem onde ele estava.

Minha mãe nem me viu sair,mas me ligou depois perguntando onde eu estava.Respondi que estava com Júlio e ela me mandou voltar para casa,pois eu estava me arriscando,que eu ia embora,não ia me deixar ficar no Rio.

Eu desliguei o telefone,não ia deixar ele sozinho nesse momento.Não fui ao enterro,tive medo de aparecer na televisão,embora tia Carmem tenha pedido à imprensa para não irem...

Fiquei abraçada com ele por muito tempo,ele chorou muito e disse que agora o crime tinha perdido muito.No enterro eu soube que tinha mais de trinca coroas,e mulher chorando eram umas dez.Meu Deus,e olha que ele nem era novinho!

Não haveria tempo para luto.No dia seguinte a guerra começou.Chegaram mais de 100 homens de São Paulo,e também houve o fortalecimento de algumas outras favelas da mesma facção.Júlio disse que ia haver invasão,e se ele chorou,muita mãe ia chorar também.

Thiago levou uma surra da mãe,por ter participado da festa,e por ter mentido.Ela dizia que a oficina era uma farsa,ele dizia que não.Mas na verdade a oficina tinha licença para funcionar,não era fria.Júlio realmente trabalhava com carro,e meu primo também.Porém eles desmanchavam,tacavam fogo na carcaça,pegavam peça...e era lucrativo.Mas Júlio agora decidiu fechar a oficina por um tempo,e precisou sair de São Cristóvão.Ele dizia que não ia ficar boiando...Mas era lá que tinha armas e drogas guardadas,mas nem eu sabia disso.

Thiago disse que ia sair de casa,não ia ficar apanhando depois de já ser um homem....

Minha tia e minha mãe tiveram uma desilusão ao mesmo tempo...eu não queria que Thiago se envolvesse e muitas vezes tentei conversar com ele,ele dizia que só ia levantar uma grana,comprar uma casa,um carro...Fica fria Marjorie,ele dizia,essa vida não vai ser pra sempre!

Eu decidi fechar com Júlio depois que o tio dele morreu,ele precisou ir morar em Copacabana,e eu decidi ir junto.

Lembro que o bagulho ficou doido ,porque Júlio vivia armado,e com segurança.e tia Carmem começou a tomar conta da contabilidade,tia Carmem vivia cheia de homem e Flávia era quem dava as coordenadas para os caras que vieram de São Paulo.

Os homens ficaram escondidos em um morro em Niterói,e iam invadir as bocas rivais,mas estava rolando um papo que Júlio ia tomar um golpe,por isso eles vieram de São Paulo.Não sei se daria certo.Mas eu esperava que sim.

Medo da morte nunca tive,pelo menos não da minha,mas quando pensava em Júlio morto ficava desesperada.

Lembro que fui pra casa de manhã na quarta feira,dormi com ele e quando cheguei minha mãe já me esperava.

Ela perguntou que eu ia fazer,se eu ia mesmo escolher essa vida.Minha irmã tinha voltado de viagem, e dizia deixa ela,se é isso que ela quer

E eu vi ali um olhar de ódio.

Disse que ia morar com Júlio,não ia deixar ele sozinho,e queria que ela me desse essa permissão.

Se eu estava indo por livre e espontânea vontade,mesmo sendo menor,oque ela ia fazer

Ela se ajoelhou e pediu pelo amor de Deus,meu pai estava trabalhando,e no meio da confusão minha tia chegou.

Ela disse que se eu tinha algum amor por eles,para eu não fazer isso.

Eu tinha,mas amava Júlio também.Não ia deixar de ficar com ele,ele agora ia pegar uma missão dificil,e eu não ia ficar longe.

Sei que chorei,pedi perdão,mas a dor de imaginar a minha vida sem Júlio era quase física.

Foi uma gritaria que os vizinhos com certeza souberam de tudo,eu era a perdida.

Minha mãe gritava,e minha tia dizia que eu não me contentei em ir sozinha,levei Thiago junto pro erro!

Minha mãe só dizia que um homem bonito como Júlio,e eu uma menina linda,ia me perder na vida errada.

Ela gritava e até hoje quando lembro meus olhos se enchem de água.

Oque eu fiz com a minha mãe:

Minha irmã então se meteu,mandou eu ir pegar minhas coisas e tentou me agredir,eu gritei e disse não encosta em mim..

Foi h******l,principalmente ouvir minha irmã perguntar se eu iria mandar alguém matá-la!

Peguei algumas roupas,não ia precisar porque Júlio disse que a gente não ia sair de lá por um tempo.

Iamos nos preparar para a guerra,e o luto duraria ainda mais sete dias.

Depois ele ia botar o bicho pra pegar...

Thiago não subiu mas me esperou de carro,e eu desci com duas mochilas e uma bolsa.

Minha mãe chorando ainda é uma lembrança que dói,e minha tia consolando ela.

-Ela ia ser veterinária...minha mãe dizia.

Meu irmão estava tão enojado segundo Lívia,que se me visse era capaz de me m***r.

Minha tia Joana ficava neutra,depois eu soube que ela já foi da pá virada como minha mãe dizia,e compreendia as loucuras que se faz por amor,embora não aprovasse

Minha tia ainda me ajudou no fim das contas,as duas....

Ali tomei a decisão que mudou o meu futuro,e toda minha vida.

Eu só tinha quinze anos,e foi ali que desisti de alguns sonhos....

E nem percebi que estava matando os sonhos da minha mãe....