Não pude me conter e tive que contar para ele o que poderia ser a resposta do acidente, uma possível maldição contra eles que foi lançada por Victor, mas uma informação de cada. Simplesmente dizer que foi ele seria estranho, preciso de provas e no momento..., bom..., só tenho o que eu vi e interpretei, mas ainda preciso dizer! Abri a mensagem e respondi sem titubear:
- Caio... Acho que sei a possível causa do acidente...
- A bebida?
- É o que parece...
- Mas é o que é, falei aquilo brincando!
- E se eu disser que pode ter algo a mais?
- Pelo amor, diga que você não está metido nisso! Sabe o problema que teremos?
- Calma..., eu explico quando estivermos no trabalho. Não é exatamente o que está pensando. Quero que prometa que não achará ridículo.
- Não posso prometer isso, terá que me contar e descobrirei assim que o fizer. Realmente espero que não seja um problema mesmo.
Não respondi mais e apenas preparei-me para banhar e segui adiante ao banheiro. Ainda sentia dores fortes em minha cabeça, mas acho que o banho bastava (ou ao menos achei). Assim que terminei o banho, não pensei em comer alguma coisa em casa e só fui até ao trabalho para encontrar Caio e dizer o que poderia ter acontecido.
Ao chegar no trabalho bem a tempo, vi Caio em uma ligação com um cliente, então apenas me sentei ao seu lado e entrei na minha conta para iniciar o expediente e aguardar Caio terminar sua ligação. Caio parecia estar impaciente e apreensivo, então tentava sempre evitar o pior ao falar com cliente aparentemente insuportável! Após ele desligar na sua cara, ele bufou e fitou-me com os olhos repleto de raiva e disse:
- Odeio esse trabalho e essa vida aqui. Quero tanto ser um advogado e ganhar dinheiro processando esses idiotas.
Sorri enquanto terminava a operação e respondi:
- Acredite, tem gente pior!
- Não ligo! Não quer dizer minha situação não mereça atenção. Não vai dizer que prefere trabalhar eternamente aqui? – retrucou indignado.
- Não disse que esse é o trabalho dos sonhos, disse que estamos em boas condições.
Caio revirou os olhos e retrucou impaciente:
- Deixa pra lá! Apenas diga o que você está escondendo aí...
- Não sei se posso dizer aqui... nosso supervisor está bem ali.
- Vai segurar isso até o intervalo?
- Tenho opção?! – retruquei já impaciente.
- É só falar baixo, estamos conversando agora, d***a! – disse enquanto tentava cochichar.
- Tá bom, tá bom... Vai parecer i****a, mas preciso que tente entender.
Caio sorria desde já, muito antes de eu contar, o que me aborrecia por parecer que não estou sendo levado a sério:
- Para de rir, é sério, Caio!
- Pode contar, tô esperando.
- Lembra do Victor?
- Como esquecer? – disse enquanto sorria.
- É... ele tá envolvido.
- Por que não disse à polícia? Como sabe disso?
- Ele... – antes que eu terminasse, Caio indagou novamente e impaciente:
- COMO SABE DISSO?!
- Ele convenceu de alguma forma a Stefanny concordar com aquela ideia estupida! Você viu!
Caio suspirou e soltou sua risada que desdenhara da minha ideia e retrucou:
- É preciso mais que uma teoria da conspiração, Marcos! Isso foi apenas um terrível acidente e trágico. Victor não tem nada a ver só porque não interferiu na vida alheia como você.
- Você consegue esgotar minha paciência mais rápido que meus jogos e investimentos.
Ficamos em silêncio por um breve período apenas operando no computador, aguardando a próxima ligação. Então Caio suspira e diz arrependido:
- Olha... Foi mal... Não quis te chamar de i****a por uma ideia i****a.
- Isso não tá ajudando.
- Imagino..., mas... Como posso saber disso? O que aconteceu ontem que fez você pensar nisso?
- Ele me atacou...
- Como assim? Por que não abriu BO?
- Porque o que ele fez não faz sentido.
Caio apenas fitou-me a fim de procurar traços de mentira, brincadeira ou algo do gênero, mas viu minha feição de seriedade e logo suspirou novamente e olho para a sua máquina novamente:
- Realmente deixou você abalado e não é brincadeira, mas você vai ter que explicar direito isso aí.
- Cara... É complicado, mas é como se ele não fosse daqui. Resumindo tudo: ele meio que fez eu sobreviver em troca da vida dos dois.
- Tipo um pacto?
- Não sei dizer, falando assim fica fantasioso.
- Mas do que já está? Acho difícil, mas sei que está falando a verdade, mas sabe como sou cético por essas coisas. Isso não faz sentido, na verdade nem existe!
- Aparentemente, uma pessoa sabe muito mais disso do que a gente, e isso envolve mulher e bar.
- Está falando da Cecília, a macumbeira?
- Por que acha isso?
- Pessoal a descreve como se ela fosse algo do gênero, esperava que eu pensasse o que?
- Qualquer coisa, menos algo dessa intensidade.
- Achou preconceituoso só porque interpretei a realidade? Foi que deu a entender.
- Acho que não quero saber sua opinião sobre isso.
- Sobre religiosidade ser uma idiotice?
Apenas calei-me e mexi no computador até chegar alguma ligação. Depois de horas esperando algo, o telefone toca e dou início ao atendimento com a fala de a******a do telemarketing, como muitos conhecem. Ao terminar minha apresentação, a voz arrepiou até minha alma e senti minha pressão caí imediatamente..., a voz não era somente familiar, mas era exatamente quem eu achava que era. Sua fala mansa e até imaginei aquele seu sorriso dissimulado e seu rosto sereno:
- Quem fala é Victor, o cara que o tirou a morte do seu caminho.
Fiquei brevemente calado e assustado, tanta que Caio notou imediatamente. Não soube como reagir, apenas emudeci enquanto buscava algo para reagir. Enquanto isso, Victor prosseguia:
- Não foi fácil, né? Pareciam ter uma longa vida, mas escolheu o melhor para você e não julgo. Caso sirva de consolo – Victor fez uma longa pausa e retomou sua fala com uma intensidade menor e assustadora – teria feito o mesmo.
Ainda titubeante se aquilo era real, retruquei repleto de medo e impreciso:
- O que quer de mim...?
- Essa pergunta, de fato, é para pessoa certa?
- Irei abrir um BO contra você!
- Os policiais são capazes de lidar comigo? Não vejo tantos triunfos nem nesse mundo! – disse enquanto gargalhava.
- Nesse mundo? O que quer dizer?
A ligação ficou inaudível e as luzes piscaram; houve queda de energia e as máquinas desligaram, exceto a minha. Neste momento, minha respiração ficou ofegante e olhei para os lados paranoico supondo que Victor estaria aqui, mas para minha surpresa: todos desapareceram e somente eu permaneci. Minha voz ficou trêmula diante da ligação ainda inaudível e em pânico..., com medo de ser morto ali ou vivenciar o verdadeiro inferno antes de ser morto. O local ficou com um aspecto envelhecido e as luzes mudaram sua tonalidade para amarelo, após um breve período, a ligação parou com chiado e ficou limpa para Victor se pronunciar:
- Você tem algo que quero, aliás! Vocês. E o que eu quero dizer? – Victor fez novamente sua pausa tenebrosa e completou: Há inúmeras pessoas agora que quer o que você tem, essa vida ofuscante como o calor de verão, e quando falo pessoa... Bom..., você verá.
Ao desligar, berrei “ESPERA!!”, mas não tive retorno. Saí às pressas do local, mas a saída estava bloqueada, então corri para saída de emergência, mas enquanto caminhava, vi uma sombra caminhando lentamente até onde encontrava-me. Admirei brevemente e gritei “CAIO! É VOCÊ?!” e não tive retorno. Recuei lentamente e gritei para que me deixasse em paz e continuei caminhando até contornar meu corpo para o caminho planejado, mas enquanto prosseguia, a criatura disse:
- Não é justo... Tinha tantos planos..., não é justo – a criatura entrou em prantos e se ajoelhou como se tivesse completamente arrependida de algo.
- Não sei do que está falando.
- Foi roubado fazendo o que eu não queria, mas o ele sempre nos dá uma chance..., por favor, me dê só um pouquinho.
Ignorei o indigente e segui com meu caminho. Logo, escutei um estrondo e um grito que fez as luzes piscarem, o grito ecoou e paralisou-me imediatamente. A criatura parou de chorar e apenas ficou ajoelhada em silêncio. Tentei ignorar, mesmo depois dessa terrível ocasião, mesmo depois dos murmúrios da criatura que era assim:
- Que egoísmo enorme esse seu..., você é cheio de mentira, ego e covardia. Ainda desdenha daqueles que têm mais direito que você. – Ele levantou-se lentamente e caminhou em minha direção um pouco mais depressa e prosseguiu: não acha que tudo simplesmente será assim, você dá as costas e procura uma fuga. Você deve nos dar o que nos pertence, senão teremos que tomar!
Olhei para trás e o vi se contorcendo como se não tivesse ossos, a criatura soltou seu berro ecoante e assustador novamente, logo pude notar que não estávamos a sós, havia vários onde ele estava, mas agora encaravam-se como se reconhecesse o que eu era e porque estava lá. Eram olhos sedentos por vida, mas preenchidos de morte que avançavam lentamente até onde eu estava. Emitiam sons estranhos com gritos de agonia dentre alívio, quase indistinguíveis. Corri o máximo que pude, os ruídos foram aumentando juntamente com barulhos como se socassem metais com um pé de c***a! Corri, corri e corri enquanto os gritos ecoavam desespero proclamando “ME DÊ A m***a DESSA VIDA AGORA!!” e eu somente corria até esgotando-me em um corredor com dois caminhos: de onde vim e o caminho a frente. Parei um pouco para respirar e recostei minhas mãos em meus olhos enquanto recuperava meu fôlego e pensava no que fazer, porém escutei ruídos que parecia sair da parede, como rosnado das unhas contra a parede. Aproximei-me do som recostando minha orelha contra a parede e pude escutar alguns grunhidos como se estivesse incapacitado de falar mais o ranger da unha esfregando com força a parede, cada vez mais alto! Depois, o grito ficou tornou-se mais agoniante, desesperador, repleto de dor, como se o indigente tivesse removido algo que estava na sua boca. Ele gritou
- EU IMPLORO POR TODOS NÓS, REZO POR NÓS E VOCÊ NOS SILENCIA PARA SOFRER DENTRO DE NÓS. TUDO DOI, eu sofro..., por favor, me tire daqui, não seja mesquinho
- Desculpa..., não posso, tenho realmente que ir, desculpe.
- Tudo dói, tudo dói! – ele gritou ainda mais e emitiu uns sons como se golpeasse algo na parede, e ficava mais forte. Depois prosseguiu: não sofrerei mais, não aguento mais..., por favor, eu imploro! Deixei-me entrar..., deixe eu entrar..., DEIXA EU ENTRAAAAAAR!!
Tropecei ao tentar correr, mas logo recuperei o ritmo. Para meu alívio, avistei a porta com o nome saída. Caminhei até o portão onde colocara meu crachá e fui até a parada de ônibus vazia. A rua estava tão calma que esqueci brevemente do inferno que passei dentro daquele... daquele lugar. Seja qual for o lugar, mas foi o próprio inferno.
Longos 20min se passaram até que o ônibus chegasse. Adentrei aliviado querendo somente dormir e esquecer esse dia que quanto mais passava, mais distante do fim eu ficava. Peguei meu vale transporte, passei na máquina sem olhar pra nada além do meu banco próximo da saída. Estava completamente exausto, entretanto; nunca pensei que nada pode piorar quando você já está na pior. O cobrador segurou meu braço e fitou-me com seu olhar penetrante e estranho. Seus olhos eram pretos e a tonalidade de sua pele era estranha, como se estivesse morto. Ele sorriu e disse:
- Olha só... Acho que você não devia estar aqui, tenho quase certeza que cometeu um equívoco, não é, Jonathan?