capítulo 6

1646 Words
Na sala de estar, um lustre de cristal esmaecido lança um brilho convidativo sobre móveis estofados creme e um tapete cinza claro. Estantes embutidas cobrem toda a extensão da parede oposta, repletas de material de leitura suficiente para manter alguém ocupado por alguns anos. Delicadas mesas de acento contêm pequenas coleções de objetos de arte e bugigangas interessantes que Claire provavelmente pegou de suas viagens. A sala inteira é um banquete visual sofisticado – tudo perfeitamente organizado diante de um par de janelas quadradas de três metros que dão para a cintilante cidade noturna que nos cerca. Pelo que certamente não é a primeira vez, eu me pego na descrença de que a má sorte de Claire Prentice esta noite se tornou minha tábua de salvação. Eu ando até os imensos painéis de vidro e só posso olhar com admiração para a vista incrível. Nunca desejei extravagância e, Deus sabe, nunca cheguei perto de tê-la, mas me sinto como uma princesa em sua torre quando estou na elegância da sala de Claire e olho para as luzes da cidade. Os aglomerados de prédios se sobrepõem no meu campo de visão, milhares de janelas iluminadas brilhando como diamantes na escuridão. M*al posso esperar para ver a vista daqui à luz do dia. Com alguns meses pela frente enquanto Claire estiver fora, talvez eu até tenha a chance de pintá-lo. -Ei, confira esta cozinha incrível! Tasha liga da área adjacente. -Tem certeza que não quer ficar na minha casa e eu vou regar as plantas de Claire pelos próximos quatro meses? Inferno, eu vou até deixar você ficar com o dinheiro. Eu rio baixinho e balanço a cabeça. Não tenho dúvidas de que me sentiria muito mais confortável no apartamento apertado de Tasha no Queens do que aqui, mas sei que ela só está brincando sobre trocar de lugar comigo. Pelo menos, acho que ela está brincando. Passamos a próxima hora fazendo um balanço do lindo apartamento de Claire. Enquanto Tasha cobiça o guarda-roupa de grife de Claire e a invejável coleção de sapatos, percorro o local fazendo uma lista mental de coisas que preciso descobrir ou perguntar a Manny ou ao gerente do prédio quando voltar. Eventualmente, Tasha e eu nos trancamos, então descemos para o saguão para sair. Nos despedimos do lado de fora do prédio, onde ignoro seus protestos e corro para táxis separados para casa para nós dois. Depois de me xingar por ser teimosa e desperdiçar um bom dinheiro, ela me dá um abraço e segue Manny até a porta aberta de seu táxi, acenando enquanto decola. Eu ando até o outro veículo em marcha lenta. -Aqui está, Sra. Ross. Diz Manny, segurando a porta para mim. -Vamos esperar por você amanhã, então? -Ah, acho que sim. Digo enquanto subo no banco de trás, embora parte de mim ainda esteja processando a ideia de trocar meu pequeno apartamento por esse tipo de opulência, mesmo que apenas temporariamente. Este não é o meu mundo, e farei bem em me lembrar disso. Depois de quatro meses, meu tempo aqui terminará e voltarei à vida que fiz para mim no mundo real. Todos os meus problemas estarão esperando para me recuperar do outro lado desta breve fuga da realidade. . . junto com os segredos que carrego que nunca me deixarão ir. Com lembranças do meu passado agarradas a mim, paro para olhar para o gentil porteiro antes que ele feche minha porta. -Boa noite, Manny. E, por favor, me chame de Ava. -Muito bem, então. Boa noite, senhorita Ava. Ele pisca e inclina a cabeça em uma leve reverência enquanto fecha a porta, então dá um leve tapinha no teto do táxi para mandá-lo embora. Digo meu endereço ao motorista, depois me acomodo para a viagem de quarenta minutos. Enquanto cruzamos a Park Avenue, estudo o bairro que será meu nos próximos meses. E quando vejo a figura escura de um corredor solitário na calçada oposta, voltando na direção do prédio, não posso evitar o choque de reconhecimento – de consciência visceral – que passa por mim. Senhor. Baine. Seus passos são longos, fluidos. Agressivo. Seu corpo musculoso corta a escuridão como uma lâmina. Como um homem que espera que o mundo ao seu redor abra caminho para ele, simplesmente porque ele está lá. Se eu precisar de motivos para ficar longe de um homem como ele — de qualquer homem, na verdade — eu tenho muitos. Mas isso não impede que meu pulso acelere enquanto vejo seu corpo poderoso se mover. Isso não impede minha pele de aquecer e apertar com a memória de olhos azuis penetrantemente afiados me perfurando - me despindo - mais cedo esta noite. Ele não é para mim. Eu sei isso. Mas uma vez que o vejo, não consigo parar de olhar. Não até que a distância se estenda entre nós e ele desapareça na noite atrás de mim. ~ ~ ~ Depois de uma noite agitada na cama dobrável em meu estúdio de um quarto, a realidade me acorda na forma de meu senhorio batendo na minha porta pouco antes das oito da manhã. Sonhos de arranha-céus brilhantes e estranhos de olhos azuis se dissolvem sob o martelar implacável. -Ava, eu sei que você está aí! Meu senhorio, Leo, grita para mim em sua voz rouca de fumante através da porta trancada. -Precisamos conversar sobre o apartamento. Bam-bam-bam. -Vamos, abra, agora. Eu sei que você recebeu o aviso de despejo que deixei para você. Quanto tempo você acha que pode me evitar? Ava? Ele bate novamente. Ao mesmo tempo, meu celular começa a tocar. Com um gemido, tiro o cobertor de cima de mim e abro minhas pálpebras para ver quem está ligando. Maravilhoso. É minha mãe. A última coisa que quero é que ela ouça meu senhorio ameaçando arrombar minha porta e me jogar na rua. Ela se preocupa comigo o suficiente. Eu não estou prestes a adicionar nenhum estresse à vida dela. -Vou descer ao seu escritório em uma hora. Digo a Leo quando saio da cama com meu telefone na mão. -Eu prometo. -Isso é o que você me disse na semana passada. Ele me lembra. Quando ele começa a bater de novo, eu xingo baixinho e saio da apertada sala de estar-sala de jantar. Eu tenho que me esquivar da pintura da paisagem do rio que está meio concluída no meu cavalete enquanto entro no banheiro e me fecho lá dentro. Sentada na tampa fria da privada, afundo com os cotovelos nos joelhos e aceito o chamado de minha mãe. -Tentei ligar para você ontem. Diz ela depois que passamos pelo preâmbulo e olás habituais. -Você não atendeu, então imaginei que você deve ter tido um dia cheio de trabalho. -Sim, sinto muito por ter perdido sua ligação, mãe. As coisas estão loucas aqui. -Você parece cansada, querida. Está tudo bem? -Está tudo bem. Eu me endireito quando ouço a preocupação em sua voz esganiçada. Felizmente, Leo decidiu parar de bater e gritar, então minha tentativa de tranquilizá-la tem pelo menos meia chance de ser acreditada. -Tudo está indo bem comigo, mãe. -Ah, isso é bom, querida. Eu imagino o rosto dela do outro lado da linha, seu sorriso aliviado, que posso ouvir em sua voz. -Conte-me sobre sua nova pintura. Sua amiga na galeria gostou? -Sim, ela gostou. Margo acha que vai dar muito certo. A mentira desliza da minha língua sem hesitação, mas deixa um resíduo amargo de culpa na minha garganta. -Claro que vai, querida. Quantas pinturas você vendeu agora? Eu balanço minha cabeça em silêncio, grata por não ter que olhar nos olhos dela toda vez que eu a alimento com este conto de fadas de como eu quero que ela imagine minha vida aqui em Nova York. Ela me deu tanto, fez sacrifícios que nunca espero reconciliar, tudo na esperança de me oferecer uma vida melhor do que ela teve. E embora eu saiba que ela me ama incondicionalmente, sinto a responsabilidade de fazer algo por mim mesma. Eu quero provar para ela – e para mim mesmo – que eu posso realmente valer a pena um dia. -Não tenho certeza de quantos quadros vendi, mãe. Acho que não acompanhei de perto. -Bem, então, teremos que fazer uma lista na próxima vez que conversarmos. Ela sugere alegremente. -Ok, claro. Eu digo. -Vamos fazer isso. -Estou tão orgulhosa de você, Ava. Eu sempre fui. Você sabe disso, certo? -Sim, mãe. Eu sei. Conversamos um pouco sobre coisas inconsequentes. O grupo de senhoras com quem ela joga cartas nos fins de semana. O clima horrível, que, ela me informa, está fazendo sua artrite piorar. Isso me acalma, nossa conversa sobre minúcias cotidianas. Eu anseio pela normalidade disso, embora às vezes também me faça doer por ter passado tanto tempo desde que a vi. Depois de alguns minutos, ela suspira. Tento não ouvir as décadas de cansaço nessa expiração lenta. -Bem, querida. . . eles estão me dizendo que eu tenho que encerrar agora. Meu tempo de ligação está quase no fim. -Tudo bem. Murmuro. -Eu sei. Nunca é fácil dizer adeus a ela. Nossos quinze minutos sempre passam tão rápido. Nos últimos nove anos, essa tem sido nossa principal conexão um com o outro – um punhado de frases compartilhadas pelas ondas do rádio, distribuídas em incrementos diários de um quarto de hora. -Eu te ligo amanhã, querida. -Ok, mamãe. Eu te amo. Ela começa a me dizer que me ama também, mas o cronômetro da chamada da prisão se esgota e nossa conversa é interrompida antes que eu possa ouvir todas as palavras. Cumpri minha promessa ao meu senhorio. Leo praticamente engasgou quando eu apareci em seu escritório naquele mesmo dia para informá-lo de que havia desocupado o apartamento de meus poucos pertences e então comecei a pagar meu aluguel atrasado - todos os mil e duzentos dólares em dinheiro.
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