CAPÍTULO DOIS

1848 Words
CAPÍTULO DOIS Ceres saiu do Stade carregada nos ombros da multidão, à luz do sol, e o seu coração disparou. Ela olhou para o rescaldo da batalha, e, ao fazê-lo, uma corrente de emoções lutou por atenção dentro de si. Havia a alegria da vitória, é claro. Ela ouvia a multidão gritar a sua vitória enquanto ela saía do Stade, com os rebeldes de Haylon ao lado dos lordes de combate, o que sobrava das forças de Lorde Oeste e o povo da cidade. Havia alívio, por a tentativa desesperada de salvar os lordes de combate da última Matança de Lucious ter sido bem-sucedida, e por, finalmente, ter terminado. Havia alívios maiores, também. Ceres observou a multidão até encontrar o seu irmão e o seu pai, parados, de braços dados com um g***o de rebeldes. Ela queria correr para eles e certificar-se de que estavam bem, mas a multidão estava determinada a levá-la por meia cidade. Ela tinha de se contentar por eles parecerem estar ilesos, a caminharem juntos e a festejar juntamente com os outros. Era incrível que eles ainda conseguissem festejar. Tantas pessoas daquelas que ali estavam haviam estado dispostas a morrer para deter a tirania esmagadora do Império. Tantas. Tal trazia a emoção final: tristeza. Tristeza por tudo aquilo ter sido necessário e que tantos tivessem de ter morrido em ambos os lados. Ela podia ver os corpos nas ruas onde tinha havido confrontos entre os rebeldes e os soldados. A maioria vestia o vermelho do Império, mas isso não tornava as coisas mais fáceis. Muitos eram apenas pessoas comuns, recrutadas contra a sua v*****e, ou homens que se tinham juntado porque era melhor do que uma vida de pobreza e subjugação. E agora eles jaziam mortos, olhando para o céu com olhos que nunca mais iriam ver nada. Ceres sentia o calor do sangue na sua pele já a secar sob o calor do sol. Quantos homens tinha ela matado hoje? Algures na batalha sem fim, ela tinha perdido a conta. Tinha havido apenas a necessidade de continuar, continuar a lutar, porque parar significava morrer. Ela tinha sido apanhada na fluidez da batalha, que a tinha levado com a sua energia, ao mesmo tempo que a sua própria energia pulsava dentro de si. "Todos eles", disse Ceres. Ela tinha-os matado a todos, mesmo não o tendo feito com as suas próprias mãos. Tinha sido ela a convencer as pessoas das bancadas a não aceitarem a ideia de paz do Império. Tinha sido ela a convencer os homens de Lorde Oeste a atacarem a cidade. Ela olhou em volta para os mortos, determinada a lembrá-los e a lembrar-se do que a vitória deles custara. Até a cidade mostrava cicatrizes de violência: portas quebradas, restos de barricadas. No entanto, havia também sinais de alegria a espalharem-se: as pessoas estavam a sair para as ruas, juntando-se à multidão que corria pelas ruas num mar de multidão. Era difícil ouvir em condições devido aos gritos da multidão, mas ao longe, Ceres parecia-lhe ouvir os sons do combate a continuar. Parte dela queria avançar para atacar e lidar ela mesma com aquilo, mas uma parte dela ainda maior queria pôr um fim à situação antes que ela ficasse fora de controlo. A verdade era que, naquele momento, ela estava exausta demais para o fazer. Parecia que havia estado a lutar desde sempre. Se a multidão não a estivesse a carregar, Ceres suspeitava que já teria entrado em colapso. Quando finalmente a colocaram no chão na praça principal, Ceres foi procurar o seu irmão e o seu pai. Ela forçou o seu caminho em direção a eles, e chegou até eles só porque as pessoas ali pareciam afastar-se em respeito para a deixar passar. Ceres abraçou os dois. Eles não disseram nada. O seu silêncio, a sensação do seu abraço, dizia tudo. Eles tinham sobrevivido, de alguma forma, como uma família. E a ausência dos seus irmãos mortos era sentida profundamente. Ceres desejava poder ficar assim para sempre. Simplesmente ficar segura com o seu irmão e o seu pai, e deixar que toda aquela revolução seguisse o seu próprio caminho. No entanto, mesmo ali com duas das pessoas com que mais se preocupava no mundo, ela apercebeu-se de outra coisa. As pessoas estavam a olhar para ela. Ceres supôs que não era assim tão estranho depois de tudo o que tinha acontecido. Tinha sido ela que tinha estado no centro da luta, e agora, entre o sangue, a poeira e a exaustão, ela provavelmente parecia um monstro saído de uma lenda. Mas, no entanto, não era dessa forma que as pessoas pareciam estar a olhar. Não, elas estavam a olhar como se estivessem à espera de serem informados sobre o que fazer de seguida. Ceres viu figuras a forçarem o seu caminho através da multidão. Ela reconheceu um como sendo Akila, o homem musculado, que tinha estado à frente da última onda de rebeldes. Outros vestiam as cores dos homens de Lorde Oeste. Havia pelo menos um lorde de combate ali, um homem grande a segurar um par de picaretas de combate, parecendo estar a ignorar várias feridas enquanto ali estava. "Ceres", disse Akila, "os soldados imperiais que restam retiraram-se para o castelo ou começaram a procurar maneiras de deixar a cidade. Os meus homens seguiram aqueles que conseguiram, mas eles não conhecem bem a cidade e... bem, há o perigo de que as pessoas possam entender m*l. Ceres compreendia. Se os homens de Akila perseguissem por Delos soldados fugitivos, havia o perigo de que fossem vistos como invasores. Mesmo não sendo, eles poderiam ser emboscados, separados e escolhidos para serem abatidos. No entanto, parecia estranho que tantas pessoas estivessem à espera que ela lhes desse respostas. Ela olhou ansiosamente ao redor, procurando ajuda, porque tinha de haver alguém por ali com mais qualificações do que ela para assumir o controlo. Ceres não queria assumir que ela pudesse ficar ao comando só porque a sua linhagem a ligava ao passado dos Anciãos de Delos. "Quem está ao comando da rebelião agora?", gritou Ceres. "Sobreviveu algum dos líderes?" Ao seu redor, ela via pessoas a abanar as mãos e a cabeça. Elas não sabiam. Claro que não. Eles não teriam visto mais do que Ceres tinha. Ceres sabia a parte que importava: Anka desaparecera, morta pelos carrascos de Lucious. Provavelmente, a maioria dos outros líderes também estava morta. Isso ou escondida. "E o primo de Lorde Oeste, Nyel?", perguntou Ceres. "Lorde Nyel não nos acompanhou no ataque", disse um dos homens antigos de Lorde Oeste. "Não", disse Ceres, "acho que ele não o teria feito." Talvez até fosse bom que ele não estivesse ali. Os rebeldes e as pessoas de Delos teriam estado suficientemente atentas a um nobre como Lorde Oeste, dado tudo o que ele representava. Ele tinha sido um homem corajoso e honrado. O seu primo não tinha sido metade do homem que ele havia sido. Ela não perguntou se os lordes de combate tinham um líder. Esse não era o tipo de homem que eles eram. Ceres tinha chegado a conhecer cada um deles nas arenas de treino para o Stade, e ela sabia que enquanto qualquer um deles valesse uma dúzia, ou mais, de homens normais, eles não conseguiriam comandar algo assim. Ela deu por si a olhar para Akila. Era óbvio que ele era um líder, e os seus homens claramente seguiam o seu exemplo, mas, no entanto, ele parecia estar à procura que fosse ela a dar as ordens ali. Ceres sentiu a mão do seu pai no seu ombro. "Estás a questionar-te porque é que eles te deviam ouvir", supôs ele, estando muito perto de adivinhar. "Eles não me deviam seguir só porque eu tenho sangue dos Anciãos", respondeu Ceres suavemente. "Quem sou eu, realmente? Como posso esperar liderá-los? Ela viu o seu pai sorrir com o que ela havia dito. "Eles não te querem seguir só por causa de quem são os seus antepassados. Eles teriam seguido Lucious se fosse esse o caso. O seu pai cuspiu no chão como se para enfatizar o que ele pensava disso. Sartes assentiu. "O pai tem razão, Ceres", disse ele. "Eles seguem-te por causa de tudo o que tu fizeste. Por causa de quem tu és." Ela pensou sobre isso. "Tu consegues uni-los", acrescentou o seu pai. "Tens de fazê-lo agora." Ceres sabia que eles estavam certos, mas ainda era difícil estar no meio de tanta gente e saber que eles estavam à espera que ela tomasse uma decisão. O que aconteceria se ela, ainda assim, não tomasse uma decisão? O que aconteceria se ela obrigasse um dos outros a liderar? Ceres conseguia adivinhar a resposta. Ela conseguia sentir a energia da multidão, mantida sob controlo por enquanto, mas ali, ainda assim, como brasas fumegantes prontas para explodir num incêndio descontrolado. Sem direção, significaria saquear a cidade, mais mortes, mais destruição e talvez até derrota, já que as fações que ali estavam encontravam-se em desacordo. Não, ela não podia permitir isso, mesmo ainda não estando certa do que conseguia fazer. "Irmãos e irmãs!", gritou ela, e para sua surpresa, a multidão à sua volta ficou em silêncio. Agora a atenção sobre ela era total, mesmo em comparação com o que tinha acontecido antes. "Nós ganhámos uma grande vitória, todos nós! Todos vocês! Vocês enfrentaram o Império e arrebataram a vitória das mandíbulas da morte!" A multidão aplaudiu. Ceres olhou em volta, dando um momento a si própria para interiorizar o que se estava a passar. "Mas não é suficiente", continuou ela. "Sim, todos nós poderíamos ir para casa agora, e já teríamos conseguido muito. Podíamos até estar seguros por um tempo. Eventualmente, entretanto, o Império e os seus governantes iriam atacar-nos, ou aos nossos filhos. A situação voltaria ao que era, ou ficaria ainda pior. Precisamos de acabar com isto, de uma vez por todas!" "E como o fazemos?", gritou uma voz da multidão. "Tomamos o castelo", respondeu Ceres. "Tomamos Delos. E tornamo-la nossa. Capturamos a realeza e paramos com a sua crueldade. Akila, vieram para aqui por mar?" "Viemos", disse o líder rebelde. "Então vai para o porto com os teus homens e certifica-te de que o controlamos. Não quero que o Império se escape para ir buscar um exército contra nós, ou uma frota que nos persiga. Ela viu Akila assentir. "Nós vamos fazer isso", assegurou ele. A segunda parte era mais difícil. "Todos os outros, venham comigo para o castelo." Ela apontou para a fortificação sobre a cidade. "Há muito que permanece como um símbolo do poder que eles têm sobre vocês. Hoje, nós vamos conquistá-la." Ela olhou ao redor para a multidão, tentando avaliar a reação deles. "Se não têm armas, arranjem-nas. Se estão muito feridos, ou se não quiserem fazer isto, não precisam de ter vergonha em ficar, mas se vierem, vão poder dizer que estiveram lá no dia em que Delos ficou livre!" Ela fez uma pausa. "Povo de Delos!", gritou ela com o tom da sua voz a aumentar. "Estão comigo!?" O rugido da multidão foi suficiente para ensurdecê-la.
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