Tentativas infelizes - parte 2/2

1856 Words
— E isso é r**m? Fazer você sorrir? Ela respirou fundo e se declarou: — Você sabe que foi o único que amei, Rick. Não me faça agir como uma colegial apaixonada pelo professor de educação física. — Se eu for, hipoteticamente, o tal professor, não ligo de você agir como uma colegial. — Está me cantando? — Ah, você acha isso? Acha realmente que é uma cantada? — Para, Rick! Isso é muita cara de p*u, sabia? — O quê? Ligar depois de um ano, dizer que ainda a amo, ficar feliz por você não estar se envolvendo com alguém, e soltar uma cantada com intuito de reconquistar você, é ser cara de p*u? Ela ficou sem palavras. Uma lágrima brotou e deslizou pelo seu rosto. — Você me deixou... Isso foi, como posso dizer? Lindo? — Ufa, ainda bem que gostou, me sinto mais aliviado, pois estou mais para professor de matemática financeira do que um sarado que dá aulas numa quadra. Minhas armas de sedução são outras, baby. Valéria gargalhou. Não pôde evitar. — Você não existe, Rick! Você é lindo – Ela sentiu os lábios formigarem. — Olha só... estou conquistando a colegial. — Não seria reconquistando? – Opa, desculpa, falha minha: reconquistando. Obrigado! Riram juntos dessa vez. — E ah, agradeço o elogio, mas quero ver você dizer que estou lindo depois dos sete quilos que ganhei. — Hum, daí eu teria que pensar — Ela entrou no joguinho de adolescentes apaixonados. — Aposto que continua linda. — Continuo, sim — disse ela sem modéstia, brincando. — A colegial está se insinuando para o professor? — Você não venha me ofender, porque senão dou um t**a na sua cara. E além disso, vou até a diretoria reclamar do assédio. — Nunca achei que ouviria isso, mas tudo que eu queria agora era levar esse t**a. Isso significaria estar bem perto de você, a ponto de segurar sua mão, do modo mais clichê possível, porque, sim, o amor é extremamente clichê. Queria olhar no fundo dos seus olhos e antes de beijar você, dizer que a amo. Mais uma vez ela ficou sem palavras, e sua respiração ficou mais pesada. Tudo aquilo era louco, estava sendo louco. Como assim, do nada, Ricardo tinha aparecido e a fazia rir, enchendo seu peito de esperança? — Depois dessas palavras, eu desistiria de ir até a diretoria no meio do corredor. — Caramba, você chegaria a ir até o corredor mesmo? Era incrível como ele provocava uma sensação boa nela. Estavam mais para "jovens namorados separados por um final de semana sem grana para saírem" do que "ex-noivos com sonhos interrompidos". Após mais piadinhas e insinuações amorosas, notaram o quão louca era aquela situação. Foi então que um clima mais pesado tomou conta da conversa, as palavras se tornaram mais moderadas e tensas. — Bom, tudo isso que está acontecendo, e tudo que aconteceu, é bem maluco — disse ela. — Nós nos amamos, Valéria. — Depois dessa conversa, acredito que sim, ainda nos amamos, Rick. — Pensei tantas vezes sobre isso. Pareceu algo tão... — Precipitado — falaram juntos. — Exatamente — disse Ricardo. — Fizemos a coisa certa? — Olha, Rick, eu... — Não, não, não... eu já sei. Agora, falando sério. Até mesmo você sente que foi algo precipitado, uma tomada de decisão errada, talvez. Silêncio, até que ela concordou. — Mas, Rick, se estiver cogitando a mesma coisa que eu... — O que você está cogitando? Voltarmos? Ela não respondeu de imediato. Lógico que estava pensando nisso, mas diria isso com todas as letras? Bom, mas por que não dizer? — Sim, Rick. — Ótimo, porque é a mesma coisa que estou pensando agora. — Mas como eu ia dizendo, já tivemos nossa chance. Já não havia dado certo. — Não estava dando certo. Ok, não tenho objeções quanto a isso. O nosso noivado estava sendo falho, mas a gente ainda se ama. Confirmamos isso. E pensei que, se déssemos uma segunda chance para nós, pudesse dar certo. Valéria não soube definir para si mesma a sensação, mas quando escutou "nós", sentiu as tais borboletas no estômago de que todo mundo falava. — Isso foi realmente lindo de escutar, Rick. — Mas e então? Há essa possibilidade de tentarmos outra vez? — Eu realmente não sei. — Valéria, pare de ser receosa. Confie em mim. Você tomou sua decisão na época, deixe que agora é minha vez. As borboletas ficaram alvoroçadas. — Não sei o que dizer, e, além do mais, precisamos muito conversar antes de qualquer tomada de decisão. — Concordo — disse ele, de imediato. — Ligarei para você todos os dias. — Seria um começo — disse ela. Mas seu "radar de empecilhos" estava no modo ON naquele momento, e ela acabou por dizer: — Mas um relacionamento não se acerta a distância. — É só me dar seu "sim" que resolvo minhas coisas por aqui, coisa de um mês, e depois vou direto encontrar você. As asinhas das borboletas dobraram de tamanho em seu estômago. — Você ainda está aí, Valéria? — Desculpe, sim, estou — disse, meio ofegante. — Rick, que loucura. — Loucura mesmo é me dar um "não". Sinceramente, eu não vejo por que não sair um "sim" da sua boca. Você mesma disse que me ama. Eu também a amo. — Não é tão fácil assim, Rick. Entenda! — Ok, sem pressão — ela pôde escutar sua expiração intensa. — Façamos assim: eu ligo pra você todos os dias, e a gente vai conversando, tudo bem? — Obrigada, Rick. Obrigada por me entender. — Na realidade, não estou entendendo não, mas darei o espaço que você quiser, minha querida — A frase soou sincera e espontânea. — Estou tão feliz de você ter ligado — disse ela, jogando os cabelos para trás, mais aliviada de toda aquela tensão inicial, e com os olhos marejados. Trocaram várias palavras e juras de amor durante as duas semanas seguintes, e ambos sabiam, desde o começo, que iriam reatar. Era hora de consertar o erro, e Ricardo foi incisivo em r*****o a isso: — Vamos esquecer esse ano que passamos separados, meu amor. E daremos continuidade do ponto em que paramos. — Mas Rick, em algumas semanas iríamos nos casar e ter um filho. — Lembro exatamente onde paramos, meu amor. E já disse, vamos continuar desse ponto. — Está me pedindo em casamento pela segunda vez? — Ela estava boba de alegria. — Preciso responder? Mas é claro que sim! Case-se comigo, Valéria. E, mais que isso, anseio ter nosso filho o quanto antes. — Isso... seria... — Pode ser o que for. Apressado? Precipitado? Radical? Dê o nome que quiser. Eu estou certo do que eu quero, mais que nunca, e o que eu quero é me casar com você e termos um filho. Não vejo por que adiar isso. Perdemos um ano de nossas vidas, por assim dizer. A gente se ama. Isso é o que teríamos feito se não tivéssemos rompido. Quero reparar tudo. O tempo passou, mas com certeza fez a gente pensar, e acredito muito que isso vai intensificar ainda mais a nossa r*****o. Seu poder de desarmá-la com as palavras era incrível. — E então? Posso fazer as malas e voltar para o Brasil, amor? Valéria não segurava mais as emoções. Chorava de tanta felicidade. Podia ser tudo muito louco e inesperado, mas a sensação era ótima. Ricardo voltaria dentro de um mês. Valéria contava os dias, ansiosa. * * * * * No dia da viagem na qual seu amor retornaria, Valéria acordou cedinho. Tinha sonhado com ele mais uma vez e estava feliz da vida. Na hora do almoço, sentiu-se animada e inspirada. Preparou a refeição com capricho, e o aroma da comida era embriagante. Tomava toda a casa... E tudo mudou. Tudo mudou quando ela foi para a sala e ligou a TV. Passava uma notícia urgente que chamou sua atenção. Valéria foi até o sofá, pegou o controle e aumentou um pouco mais o volume. A moça bonita, repórter internacional do jornal, estava falando da queda de um avião que havia partido de Lisboa e, segundo informações da companhia aérea, tinha caído no oceano. As causas ainda eram desconhecidas, mas as hipóteses apontavam para uma falha mecânica numa das turbinas. Lisboa? Não, isso n******e estar acontecendo! A jovem repórter estava comunicando que provavelmente não haveria sobreviventes, as buscas pelos destroços do avião estavam sendo realizadas exaustivamente, mas até aquele momento, nada havia sido encontrado. Era, de verdade, uma notícia catastrófica. Mantenha a calma! Você precisa se controlar, não imagine o pior, pode ser que não seja o voo dele... Mas era. Quando a c***l realidade se apossou de sua sanidade, lágrimas e mais lágrimas rolavam pelo seu rosto. E assim foi por uma semana inteira. A doçura de Valéria havia sumido. A infelicidade tomou conta dela. * * * * * Em mais um de seus sonhos melancólicos, depois de meses, Rick havia sussurrado: "Querida, vamos nos casar e ter nosso filho... filho... filho". — E a inconfundível voz sumia como se fosse vapor. Isso a perseguiu por bastante tempo, aumentando sua dor. Valéria continuava só, na verdade sempre estivera, mas agora era diferente. Encontrava-se fraca, melancólica e, sem sombra de dúvida: arrependida. Arrependida por não ter se entregado a Ricardo na hora certa. Não foi permitida a segunda chance. Aquela havia sido a única dos dois, e fora desperdiçada. Devo mudar de vida! Valéria tomou uma decisão. Rápida. Radical. Feliz. Deu seu primeiro sorriso num período de um mês depois da morte de Ricardo. Foi, na manhã do dia seguinte, ao orfanato da cidade. Adotaria uma criança. * * * * * 22 de fevereiro de 1993, segunda-feira Valéria andava pelo orfanato e conversava com a diretora, foi neste momento que a instituição recebera um chamado e, com a polícia, havia recolhido um recém-nascido que fora abandonado envolto num trapo e***********o — porque não dava para chamar aquilo de manta —, dentro de uma saco de lixo, largado no mundo. Foi assim, de supetão, que a vida de Valéria mudou mais uma vez. Este seria seu filho! O caso virou até matéria no jornal da tarde da cidade. Não pode ser apenas uma coincidência. Eu já amo essa criança, eu sinto. Farei de tudo para ser a melhor mãe para ele, mesmo na ausência de Rick. A adoção foi muito complicada, pois havia uma investigação acerca do abandono do bebê, Valéria teve que aguardar sua vez na fila de adoção — que por sorte, era bem pequena —, e enfrentou a burocracia designada às mães solteiras. O processo todo foi arrasador, mas ela não desistiu. Embora cansada de tantas dificuldades impostas por assistentes sociais, Valéria teve sucesso. Estou feliz como nunca fui antes... Rick, onde quer que esteja, cuide de nós... Num determinado momento mais calmo de sua vida, Valéria pegou uma folha de papel e sua caneta preferida, de escrita macia, e com uma caligrafia de dar inveja, começou a escrever uma carta. Faz tanto tempo que não nos falamos.
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