Convite suicida

833 Words
03 de julho de 2015, sexta-feira - 11h06 Juliet rolou um pouco na cama e abriu os olhos. Seus músculos estavam descansados e sua cabeça já não dava mais aquelas pontadas incômodas. Olhou para o relógio na cabeceira e viu que já se passara — e muito — da hora de acordar. Era quase hora do almoço, e ela estava faminta. Saiu da cama e foi escovar os dentes. Quando colocou a escova com o creme dental na boca, sentiu o delicioso gostinho de menta. Como um choque, lembrou do licor, e da maravilhosa noite de ontem. Desceu as escadas com pressa. O almoço estava quase pronto. * * * * * Abilene a viu entrar na cozinha, e recebeu o beijo matinal atrasado. Viu Juliet se sentar. — Está se sentindo bem, querida? — perguntou ela, sempre educada, doce no modo de falar, e com sua habitual roupa preta, elegante demais para uma empregada. — Sim, tia Be. E a senhora? Gostaria de estar — pensou, e logo respondeu: — Para ser sincera, não estou lá muito bem, minha filha. — Oh, tia Be... diz para mim o que aconteceu. É coisa de mãe. Temos um dispositivo que alarma quando nossos filhos não estão bem — cogitou em dizer, mas desistiu, pois isso faria Juliet lembrar que não tinha pais. — Natan está bem estranho. Depois que se separou ele ficou diferente. Ele nem ao menos finge estar bem, e isso me preocupa. Juliet não sabia como ajudar, então ouviu o desabafo de Abilene sobre seu único filho, Natan, e deu um abraço bem apertado naquela mãe preocupada. — Obrigada Juliet, é tão bom poder ter esses breves momentos de mãe com você. A garota sorriu em resposta e, para amenizar toda aquela melancolia, Juliet perguntou sobre Augusto. — Ele foi à Metal, saiu bem cedo, e disse que depois ia passar na casa de Fabiano para conversar um pouco. Deve estar lá agora. Você sabe o quanto seu tio adora relembrar os velhos tempos com seu amigo de infância, não é? Os dois sempre têm histórias para contar, e quando se reúnem, gastam a tarde inteirinha com o passado. — Que nostálgico — disse Juliet. — Pois é. Percebe o bem que seu tio proporciona a todos? — Claro que sim, tia Be. Titio mudou a vida de Fabiano também. Ainda bem que reapareceu no momento certo. Isso lhe trouxe boas recompensas! — Ora, se sim. Depois de alguns minutos observando Juliet beliscar um pão, perguntou se ela queria dizer algo.  — Já que notou... — Juliet fez uma pausa. Refletia. — Tia Be, estou pensando no que foi combinado ontem com o sr. Gentil. — Quando você vem com essa de "sr. Gentil"... — Estou brincando... — Sorriu e segurou as mãos de Abilene entre as suas. — Vou convidar meus amigos para virem aqui hoje, o que acha? Ela age como se fosse minha filha, isso é gratificante... — Por mim, você sabe que tudo bem — respondeu. — Mas sabe que não tenho o poder de decidir algo, não é, minha filha? — Sei, mas relaxa. Só preciso de uma ajudinha da senhora. — Juliet sustentou o sorriso, e mostrou a melhor feição angelical que conseguiu. — Quero que passem esta noite aqui, sei que o titio vai contestar, mas se a senhora puder me ajudar a convencê-lo, ficaria eternamente agradecida. Abilene fingiu pensar e assumiu uma expressão séria antes de falar: — Mas é claro que ajudo. As duas se abraçaram. * * * * * O senhor Augusto chegou naquela hora, acompanhado de Fabiano. Um contraste gritante: um era magro, andava com passos suaves, carregava uma expressão séria no rosto e, pela silhueta, era frágil. O outro era corpulento, andava de modo desajeitado e estava sempre sorridente.  — Boa tarde — disse Fabiano, sem desfazer a expressão de alegria. Almoçaram todos juntos, comentando amenidades do dia a dia e discutindo algumas pendências da empresa. Na hora certa, Juliet lançou o pedido que havia discutido com Abilene. Augusto ficou sem saída, pois até Fabiano se empolgou com a ideia e acabou ajudando Juliet a convencer seu tio. — Parece que não tenho mais voz ativa aqui — consentiu o velho. — Abilene, por gentileza, ajeite os quartos de hóspedes. Juliet encheu seu tio de beijos e abraços e o fez rir.  — Obrigada! — disse, e piscou para Abilene.  Você merece ser feliz, menina. Abilene a viu subir as escadas saltitante. * * * * * Juliet ia ligar para seus amigos e fazer o convite.  Em sua escrivaninha, descansava o livro A murder is announced, da Rainha do Crime, Agatha Christie. Juliet já havia lido a versão traduzida para o português, Convite para um homicídio, mas sempre quis ler o original, e, graças às aulas de inglês que a tinham tornado fluente, isso era possível. Ela fitava o livro, com o telefone na orelha, sem imaginar o significado gritante que aquele título trazia naquele momento.
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