Cidade dorme

1387 Words
03 de julho de 2015, sexta-feira - 22h48 Havia tensão no ar. Dênis abriu a porta da sala de Juliet e entrou. Sua cara de emburrada por ter que sair do jogo tão cedo foi demasiadamente infantil. * * * * * Segundos depois, Lúcia viu a maçaneta da porta girar. “d***a”, pensou. “Sou a primeira a morrer.” Dênis entrou na sala. — Ah, então é você? Não deveria estar disfarçado? — Lúcia se surpreendeu, mas antes que obtivesse resposta, ele partiu para cima dela e a fez sentar em uma carteira. Dênis a beijou, ofegante. Foi um beijo molhado e quente. Lúcia puxou o ar para os pulmões com força, e desejou mais quando os lábios se separaram. — Nossa, Dênis, pensei que você não fosse fazer isso nunca. — Eu não poderia deixar de fazer, principalmente depois que eu percebi que você queria isso tanto quanto eu — sussurrou. — Tenho que voltar agora. Você ainda está na brincadeira. “Matei” Juliet. — Beijou-a de novo e saiu, deixando Lúcia com os lábios formigando. * * * * * Dênis passou pela máscara e a capa abandonadas no meio do corredor e entrou na sua sala. — O que houve? — perguntou Andrew, que o esperava inquieto. — Você demorou... O que fez? Você tinha que ser um pouco mais rápido... Será que alguém desconfiou? Os dois se falaram por mais alguns segundos. Dênis falou sobre ele e Lúcia. Esboçaram risos. “Beleza”, falou Andrew, ansioso por continuar o jogo. — Disfarce bem. Aja naturalmente, por favor. — Ok. Vai lá. * * * * * Andrew ficou no meio do corredor e anunciou: “Cidade acorda!”. Todos abriram as portas, com exceção de Juliet. O pessoal já tinha percebido, obviamente, que ela tinha sido a escolhida do Assassino. Andrew anunciou: — Nesta madrugada, o Assassino das Altas Horas fez a sua primeira vítima. Juliet, uma jovem linda e milionária. Os “vizinhos” agora têm uma difícil missão: indicar um suspeito. Mas antes, vamos para o voto da Vítima, e logo seguiremos com as demais acusações. Por favor, Juliet, saia da sala e diga-nos quem você acha que a “matou”. Houve um silêncio de uns cinco segundos. — Juliet, está na hora de dar o seu voto — disse Andrew. A maçaneta não girou. Murmúrios foram ouvidos. — Juliet, já pode sair! — Tem algo errado — falou Douglas. — Ai, ai, ai — gemeu Lúcia, avermelhando-se de um segundo para o outro. Andrew deu duas batidinhas na porta da sala onde estava Juliet. — Vocês estão zoando, não é? — perguntou Liliane, fitando Andrew. — Saia já daí, engraçadinha. Apenas silêncio. — Juliet? — Douglas se adiantou e tomou a frente de Andrew. Girou a maçaneta devagar, como se ela fosse feita de uma substância ultrassensível. Os sentidos se aguçaram. Uma gota de suor brotou no coro cabeludo e correu pela testa. — Pare, Juliet, está nos assustando — pediu Carol. — De verdade — acrescentou Elita. Mas não se tratava de uma zoeira. Dentro daquela sala, além do silêncio, tinha um corpo no chão. Uma Juliet sem vida estava ali, no fundo da sala, no meio das sombras. Douglas recuou, tropeçando meio desajeitado, e deixou o pessoal ainda mais assustado. — Acendam as luzes — disse, gaguejando. — O que foi? Maicon tomou iniciativa de ver o que havia na sala. Dênis o acompanhou. Testemunharam Juliet imóvel e banhada em sangue. — Meu Deus! — falou Maicon, recuando e fechando os olhos. — Vou... vou acender... — e saiu correndo. Todos foram olhar, mas se arrependeram da curiosidade. Quando o ambiente se iluminou, a cena pareceu ainda mais chocante. Liliane foi a mais corajosa — outros diriam "a mais sangue-frio" — e se ajoelhou perto do corpo. As lágrimas denotavam seu desespero, ela soluçou de tanto nervosismo. Pôs uma mão na boca para abafar o choro esganiçado, e projetou dois dedos da outra em direção ao pescoço da p***e jovem. Liliane tremeu ao tocar a fina pele ainda quente da moça e constatar que não havia pulsação. — Juliet está morta. — Ela anunciou o óbvio. — Meu Deus! — gritou, passando suas mãos pelos longos cabelos negros e pondo-se de pé. Olhou para as pessoas à sua frente. Estavam petrificados. E mais uma vez ela gritou: — Quem fez isso? Por que fizeram isso? Carol e Elita chamaram-na com gestos, enquanto os demais permaneciam estupefatos. Liliane correu até as amigas, como uma criança corre para a mãe. As garotas caíram no choro, abraçando-se. Queriam gritar. Neste instante, Lúcia fitou Dênis. Sentiu seu lábio inferior tremer. Ele devolveu-lhe um olhar de “eu não fiz nada”. Ela queria dizer algo. Ela sentiu que deveria acusar, aos gritos, mas ficou confusa, e a única coisa que conseguiu fazer foi fechar os olhos e deixar as lágrimas escorrerem. — Meu Deus! Quero ir embora! Quem fez isso? — Liliane estava perto de ter um ataque de nervos. — Será que não estão vendo o que fizeram aqui? O pensamento era unânime: "Há um assassino entre nós!" — Andrew, explique! — Liliane, eu... meu Deus, eu também não sei o que aconteceu! A realidade os tocava na mesma escala que o desespero. Cada um tentando conter a sua histeria particular. Estavam imóveis, embora quisessem sair correndo feito loucos. — Não podemos ficar aqui! — gritou Liliane. — Alguém matou Juliet! — Quem fez isso? — Era a vez de Carol gritar. Ninguém respondeu, é claro. O que ela esperava? Que alguém dissesse: "Fui eu! Eu que matei Juliet, galera!"? Ela tinha o corpo fremente. — Pessoal, pelo amor de Deus... Quero acreditar que nenhum de vocês... — Será que alguém entrou aqui? — Leo abriu a boca para falar. Todos olharam à sua volta. Se a hipótese dele fosse tida como verdade, inúmeras perguntas surgiriam a partir dali. O medo ganhou força. Assustados, não havia coragem suficiente para descerem e vasculharem o prédio. Era melhor estar em g***o naquele instante do que se esgueirar escadaria abaixo. — Alguém faça alguma coisa... — choramingou Elita. — Vamos chamar a polícia — sugeriu Andrew. — Ninguém sai daqui, embora todos queiram isso... Robson, você pode ligar? — Acho que não consigo, Andrew... Não tenho condições. — Há um assassino entre nós! — Surtou Elita. — Não quero ficar aqui! Meu Deus, quero ir embora! A insegurança parecia estar, literalmente, no ar, e eles a inalavam. — Acho que o certo a se fazer é ninguém se mexer — falou Andrew, com as duas mãos espalmadas no ar, como se aquilo os fizesse ter calma. — Precisamos ligar para a polícia... — Eu ligo — Douglas se ofereceu, vencendo sua timidez. Sacou o celular do bolso e discou o número da polícia. No quinto toque uma moça atendeu. — Oi. Aconteceu uma tragédia, um homicídio... na FHCE... Cidade Esperança... foi agora mesmo... Douglas teve de responder às perguntas que faziam parte da burocracia da polícia, e ouviu o número de protocolo da denúncia, incapaz de decorar na primeira vez, mas isso não era o que importava. Logo depois, a atendente informou — do jeitinho que o gerundismo permitia — que "estaria encaminhando" a ocorrência imediatamente à delegacia mais próxima. Douglas foi instruído a permanecer calmo e aguardar a polícia. Agradeceu e desligou. Todos se encaravam como se estivessem encurralados por canibais. — Eles virão o mais rápido que puderem. Vamos todos para a delegacia, pelo jeito. Ao ouvirem isso, as garotas entonaram o choro. — O que faremos com tudo isso aqui? — perguntou Leo, referindo-se às mochilas, às garrafas e aos copos com bebidas. Por um momento, agradeceu por não ter levado o narguilé, pois eles não usavam apenas tabacos aromatizados. Isso poderia agravar ainda mais o "acontecimento". "Obrigado, Juliet", conseguiu pensar. — Acho melhor não mexer em nada — disse Andrew. — Houve um assassinato aqui. — Douglas relembrou sem necessidade. — Melhor deixar como está... se é que isso pode piorar... Não tinham opção. Teriam que esperar até que a polícia chegasse. Desejavam estar vivos até que isso acontecesse, pois havia um assassino por ali. O que era para ser apenas uma brincadeira divertida, tinha se transformado num jogo mortal.
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