Capítulo XVI

2590 Words
Val chegou na pensão apressado, subiu correndo as escadas e foi direto para o quarto do amigo. Sem bater na porta, entrou, e se deparou com Eduardo tirando as últimas peças de roupa do armário e atirando em uma mala que estava sobre a cama. — Hey, Bro, o que você está fazendo? Para que essas malas? Eduardo estacou os movimentos por um momento quase imperceptível, então foi até a cômoda e tirou algumas peças de roupa se objetos de lá, atirando na mala de qualquer jeito, fechando-a em seguida. Val estava encostado no umbral com os braços cruzados sobre o peito e expressão facial irritada. Eduardo olhou para o amigo de soslaio e notou na hora que Val estava perdendo a paciência. Com um suspiro ele sentou na cama, ao lado da mala, e sem olhar para o amigo, finalmente respondeu: — Eu... Eu vou dar um tempo, saca? Meter o pé? — "Meter o pé"? Val repetiu as palavras do amigo em tom de pergunta erguendo uma sobrancelha. — Não tem como ficar aqui, Val.— Eduardo passou a mão de maneira aflita pelo rosto, como sempre fazia quando estava nervoso. — Eu vou dar um jeito por aí por um tempo, sei lá... — Como não tem como ficar aqui? Aqui é nossa casa, teu lar! — Então me conta como eu vou aguentar conviver com eles dois? Me fala, Val! Como eu vou encarar o meu irmão tranquilamente, sabendo que ele está com a minha garota? Hm? — Fechando os olhos, ele passou as duas mãos pela cabeça. — E você vai para sei lá onde, abandonando tua casa, tua família, por causa de uma garota? Que p***a é essa, Edu? Ela é só uma garota! — Ela não é só uma garota, Val! — Claro que é, assim como Priscila, só chegou para fazer estrago! Mas, mano do céu! O teu som hoje fez um baita sucesso, já já você vai ficar famoso, não vai ter tempo para essa Bianca nem vai lembrar que ela existe! — Pois eu trocaria minha, minhas mãos e todo o sucesso do mundo para ver amor nos olhos dela só mais uma vez. — Eduardo abriu os olhos e encarou o amigo. Um aperto no peito se fez sentir tão forte, que ele m*l conseguiu se manter de pé, sentando-se mais uma vez na cama atordoado, Val não sabia, aliás nenhum de seus ente queridos sabiam, mas aquelas tinham sido as exatas palavras do produtor musical quando ele bateu o pé gritando que iria passar a véspera de Natal com a família. " Isso não estava no contrato! Vocês disseram que eram apenas alguns dias para me apresentar ao público, não meses!" " Você não é mais um cantorzinho de bar, Eduardo! Para fazer sucesso vai ter que fazer sacrifícios! E o que é apenas uma data comercial quando pode ter muito mais tempo com sua família depois, rico e famoso? " Esse é o primeiro natal desde que minha mãe operou!" "Sua mãe vai ser a primeira a usufruir do teu sucesso, orgulhosa do filho, você sabe disso, ela vai entender! " Tem a minha namorada, sabe quanto tempo não a vejo? Ela está me esperando!" " Sim, mas tem situações que superam o que está contido em meras palavras em uma folha de papel! Você viu a reação do público a tua música ontem? O teu som hoje fez um baita sucesso, já já você vai ficar tão famoso que vai se perguntar quem diabos é Bianca? Não vai nem lembrar que ela existe!" — Val... ainda está acontecendo! — O que está acontecendo, Edu? — O deja... jamais vu, lembra que Alex falou? — Acho que sim, mas o que tem a ver? — Se é para a Bianca não ficar mais comigo, por que ainda está acontecendo? — Eduardo estava tão intrigado que as sobrancelhas dele se uniram. — O que, Edu? — Perguntou Val começando a ficar preocupado com as feições do amigo. — As coisas, Val, que aconteceram antes, continuam acontecendo, só que não são iguais, e não estão na ordem que aconteceram antes. Parece tudo embaralhado, mas cada vez que isso acontece, sinto uma pontada na cabeça! — Quer que eu chame um médico? — Não... mas da outra vez não foi você quem disse essas coisas... Você jamais falaria assim dela, eram super amigos, as vezes eu até sentia ciúmes da amizade de vocês e de como ela te via como um herói... — Essa Bianca? — Val perguntando erguendo uma sobrancelha mais uma vez, Eduardo fez que sim com a cabeça, ao que ele reagiu: — Nem fodendo! Não quero ela nem perto de mim, essa mina é encrenca! Eduardo quase sentiu v*****e de rir ao ouvir as palavras do amigo. De pensar o quanto ele era o defensor de Bianca... Ambos ficaram em silêncio por alguns minutos, Eduardo decidido a partir e Val tentando encontrar uma maneira de convencer o amigo a ficar encontrar qualquer outra solução que não envolvesse malas e separações... Val detestava separações e despedidas. — Talvez tenha outra maneira? Se ela, essa Bianca, sentir alguma coisa por você?— Tentou Val sem nenhuma convicção. — Não faz diferença... ela já fez a escolha dela.  — Que escolha? Vocês se falaram, não foi? Antes do show? Eu a vi sozinha sentada um pouco no canto, sabia que ela tinha ido lá arrumar tumulto! Deve ser outra pilantra que vai querer os dois ao mesmo tem- — Ela me disse que gosta do Rafa, Val! Ela ...ela gosta dele e eu vou tirar meu time de campo. Jamais furaria olho de nenhum de vocês, são minha família... Por isso tenho que ir embora, Val! — Para onde? Por quanto tempo? — Não sei ainda, vou pegar o trem inter estados e decidir quando chegar em alguma estação que me agrade... Talvez passe um tempo como mochileiro, sei lá... — Tem alguma coisa que eu possa fazer para mudar teu cabeção teimoso? — Nós dois sabemos que não! — Rafael vai ficar bolado! — Eu sei, Val... — E os outros caras... — Eu sei! — Minha mãe vai arrancar tua orelha... — Eu sei. — E a faculdade? — Vou trancar. — E se eu for com você? — Não vai, não! — Mas você n******e sair por aí sozinho, vai fazer m***a! E eu sei que vai fazer m***a, vocês sempre fazem, e eu não estarei lá! — Você não é responsável por mim, Val! — Quem disse que não? Quem sempre te tirou das encrencas? Hein? Quem estava lá para socar os caras que te zoavam na escola? Quem quebrou a perna do Alexandre quando ele descobriu que você dormiu com a irmã dele e te pegou na covardia com os amigos dele, fala aí?!? Quem tirou tua cara de dentro da privada antes que você morresse afogado, quando você passou m*l de tanto beber por causa da Priscila? Quem impediu que um cara bem maior te acertasse um soco no meio da cara, quando você estava a ponto de fazer m***a por causa de mulher, diz aí? — Eu sei que você sempre esteve ao meu lado, Val, mesmo quando muitas das encrencas quem criou foi você mesmo, é que- Hey! Ninguém impediu que eu levasse um soco na cara por fazer m***a por mulher alguma, Val! — Ah, é? E o que você acha que estou fazendo agora, ME evitando de te dar um socão na cara e pôr juízo nessa cabeça oca? Eduardo olhou para o rosto de Val, que estava com a cara mais cínica do mundo com os olhos arregalados somados a um ar de inocência que, se fosse possível, faria Bruno se levantar do túmulo só para dar uns cascudos nele. Eduardo sorriu e se jogou nos braços do amigo, que logo o envolveu em um de seus abraços de urso. — Te amo, irmão! Obrigado por sempre estar ali quando eu preciso, mas você não tem que ser responsável por nós, Val. As vezes, tem só que deixar as coisas acontecerem, não dá para controlar tudo. — Não tem mesmo como fazer você ficar? — Não...se eu ficar, vou perder nosso irmãozinho Sid e não podemos deixar nosso caçula sozinho, não é? — Não...Tem razão...Mas precisa ir hoje? — Preciso ir ontem! Se eu não sair agora, capaz de perder a coragem e ficar, e se eu fico, Val, vai dar m***a! — Então leva meu carro! — Eduardo fez menção de rejeitar a oferta do amigo, que o interrompeu antes mesmo de começar a falar. — Estou falando sério, leva meu carro, ou vou te amarrar aqui mesmo! Pensa comigo, meu Durango é grande, dá para você dormir nele sem problemas, e caso decida pegar a estrada de mochileiro, não precisará pedir carona! Qualquer coisa uso o carro da minha mãe. — Valeu, irmão! Te devo mais essa. ************ Val estava deitado em sua cama sem conseguir dormir. Se sentia angustiado desde que se despediu de Eduardo. Ele achava que o amigo havia tomado uma decisão errada ao fugir dos problemas, mas reconhecia que toda aquela história de lembranças de um universo paralelo era estranha demais para ser pura fantasia. Jamais vus ou déjà-vu eram coisas que ele só tinha visto no programa que costumava assistir com o avô: Twilight zone, se não estava enganado... No entanto, ao ver Eduardo entrar em seu carro e se despedirem, ele teve uma sensação forte de que aquela cena já havia acontecido. E não era uma sensação nada boa...pelo contrário, ele sentia que algo muito r**m iria acontecer, como se aquela despedida já tivesse acontecido e uma desgraça havia se desdobrado. A sensação se tornou tão forte, que ele não se conteve, levantou-se da cama, pegou o celular sobre a escrivaninha e ligou para o amigo.  ****** Eduardo dirigia com toda a atenção necessária, pois sabia que àquela hora da noite haviam muitos motoristas irresponsáveis e pouca ou nenhuma fiscalização. Estava seguindo uma estrada pela qual raras vezes havia passado, que ligava as duas principais cidades da região. De vez em quando, ele olhava para o cordão com pingente de asas de anjo que havia pendurado no retrovisor, o que o ajudava a se manter desperto. Ligou o som do carro em volume alto, mas o sono teimava a invadir seu corpo. Vendo que não tinha jeito de continuar dirigindo depois de seguidos bocejos, decidiu que pararia no primeiro motel ou pensão que encontrasse na beira da estrada. Um sorriso triste se formou nos lábios dele quando o locutor da rádio anunciou One direction. Eduardo já não sabia se estava em um turbilhão no espaço tempo, ou se o destino simplesmente estava debochando dele. Diferente das outras vezes em que tentava de todas as formas alongar os momentos de jamais vu, ele decidiu desligar o rádio. A estrada que seguia estava deserta e ele acelerou um pouco, ainda dentro do limite de velocidade. Estava se aproximando de um povoado, visto que tinha um semáforo alguns metros à frente dele. A luz verde se acendeu, indicando que podia seguir em frente, quando ouviu o toque de seu celular que estava no bando do carona. Pelo toque, ele sabia que era ligação de Val, e como a estrada estava vazia e o sinal verde, ele esticou o braço para pegar o celular, rindo internamente do instinto de "mamãe urso" do amigo. — Alô, mamãe ursa, já está sentindo minha falta? — Eu só queria saber se está tudo bem contigo, estou com mau pressentimento desde que vo- A voz de Val se perdeu quando uma forte luz chamou a atenção de Eduardo para o lado esquerdo. O barulho da buzina chegou do outro lado da linha e Val se levantou de um pulo segurando o celular. O grito de Eduardo precedeu o estrondo da colisão que Val podia apenas imaginar enquanto gritava o nome do amigo. Eduardo m*l teve tempo para tentar virar o volante e desviar do caminhão que se chocou com o carro. As ferragens cederam à força da batida, fazendo com que Eduardo sentisse pedaços de metal e vidro rasgarem sua carne e atingirem os ossos de suas pernas. Uma pontada aguda do lado esquerdo do corpo o fez quase perder os sentidos, mas estava acordado quando o carro capotou dando duas voltas em torno de si mesmo. O carro parou de lado com o banco do motorista no lado de baixo, aumentando a pressão das ferragens contra o corpo dele. Zonzo, passou a mão pela testa e sentiu o sangue quente que escorria pela cabeça, encharcando-lhe as mãos. A voz desesperada de Valse fazia ouvir ao fundo, mas Eduardo m*l podia compreender as palavras gritadas pelo amigo. Ele tentou responder, mas o sangue na garganta o impediu de falar, provocando uma dolorosa crise de tosse. Gotas de sangue jorraram de sua boca, manchando a parte intacta do vidro a sua frente. " Edu!! Deus do céu cara, fala aonde você está, mano! Eu estou indo aí, fala que você está bem, mano, pelo amor de Deus, Edu, fala alguma coisa! A luz de um objeto refletiu sobre o rosto de Eduardo, desviando os olhos confusos e cansados. Era o cordão de Bianca, com suas asas de anjo brilhando sobre o rosto dele. Ele tentou esticar o braço para alcançá-lo , mas a dor que sentiu foi intensa demais e ele recolheu o braço. " Val..." — Graças a Deus, mano! — Val gritou do outro lado da linha, esbaforido, enquanto corria na direção da garagem da pensão apenas de cueca e descalço. — Fala aonde você está, eu estou indo aí, mano, vai ficar tudo bem. — Val sabia que precisava manter o amigo acordado, ao mesmo tempo em que precisava ligar para uma ambulância, para tanto tinha que saber a localização dele. " As asas estão brilhando como uma estrela, Val..." — Ok, eu não faço ideia do que você está falando. Estou no carro da minha mãe, me fala aonde você está! "Ela é minha estrela, Val...." Eduardo voltou a esticar o braço, apesar da dor, para alcançar o cordão. Estava se sentindo melhor, não sentia mais dor nas perna e mover o braço não incomodava tanto... — Edu, você precisa me falar logo onde está! — Eduardo pôde ouvir o barulho dos socos que Val deu no painel do carro em desespero ao ouvir a voz do amigo enfraquecer do outro lado da linha. " Posso fazer um d****o, Val?" A voz de Eduardo estava fraca, quase um sussurro. " Tem alguém no carro" "Meu Deus, alguém ajuda ele, tem alguém vivo no carro!" "Chamem uma ambulância, os bombeiros!" " A porta não abre! Alguém ajuda! Val passou as mãos pelo rosto coberto de lágrimas, se sentindo inútil por não ter como socorrer o amigo. " Eu d****o, Val, eu... desejo... que ela seja muito feliz... " — f**a-se ela, Edu! Aonde você está, mano, me fala aonde você está, por favor... " Fogo! Tem fogo no carro, moço, sai já daí! "Ele vai morrer se não sair!" " Meu Deus! Fogo! Alguém tira ele dali, tem alguém vivo no carro!" — Edu! Sai desse carro, cara, por favor, mano, sai desse carro! " ... com quem ela ama de verdade, Val...Como... eu a amo" Com um sorriso de triunfo, Eduardo alcançou o cordão no mesmo instante em que Val gritou em desespero ao ouvir uma explosão antes da ligação cair.
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