Antes das cinco da madrugada, eu já tinha arrumado a cama, tomado um banho quente e reconfortante que parecia ter dissolvido, ainda que temporariamente, a inquietude que me consumia. Visto-me com cuidado, cada gesto carregado de uma tensão silenciosa. Minha rotina matinal, quase automática, oferece um pequeno conforto diante do caos que pulsa dentro de mim.
— Pronto — murmuro para o espelho, enquanto aplico um batom cor de telha. Ele aviva a tonalidade natural dos meus lábios, o suficiente para dar vida à minha expressão sem ser exagerado.
Sorrio para minha própria imagem, uma tentativa de convencer a mim mesma de que a noite passada, consumida pela insônia, não deixou marcas visíveis. Mas sei a verdade: dormi m*l, prisioneira de pensamentos desordenados sobre Leo, tentando entender a tensão inexplicável que ele provoca em mim. Meu rosto pode não refletir cansaço, mas meu corpo grita por descanso.
Dou um passo para longe do espelho, mas não consigo evitar olhar novamente. O reflexo me encara, e, por um instante, sinto o peso de uma culpa discreta, mas constante, misturada à insegurança. Estela. O nome dela ressoa na minha mente, trazendo uma pergunta incômoda: o que estou realmente fazendo? Meu ideal seria que Leo terminasse com ela e que o nosso namoro, mesmo fingido, fosse real. Mas as coisas nunca são tão simples quanto eu gostaria.
“Essa semana vai decidir tudo,” penso, enquanto forço a minha mente a focar no objetivo: conquistar Leo. Ao mesmo tempo, quero desmontar o sonho dos meus pais de me ver de volta com Omar. Eles não sabem, mas este é o momento em que as cartas serão jogadas.
Quando o relógio marca cinco e vinte, a minha mãe entra no quarto. Como sempre, está impecável, vestida em um longo vestido preto que disfarça as suas formas e a faz parecer mais elegante do que realmente é. Seus olhos, tão atentos, analisam cada detalhe de mim.
— Nossa, já está pronta? — pergunta, a surpresa evidente em seu tom.
— Sim. Leo disse que passaria aqui às cinco e meia. — Tento soar calma, mas meu coração acelera com cada minuto que passa.
Ela torce os lábios, o gesto carregado de algo que não consigo identificar.
— Tão cedo? Ainda só saímos às seis. — A dúvida transparece na sua voz, quase como uma acusação.
— Quero que ele entre, conheça vocês e tome café comigo antes de irmos. — Respondo firme, embora não me sinta assim. Isso precisa acontecer. Preciso que ele entre.
Ela suspira, uma mistura de exasperação e ceticismo.
— Não estamos levando muito a sério esse seu namoro com um mecânico. Estranho, não? Você ficou sozinha tanto tempo, e justo hoje, quando Omar vem à nossa casa, aparece com um namorado... — os seus olhos buscam uma brecha no meu raciocínio.
Respiro fundo, sentindo a irritação se acumulando, mas mantenho o tom controlado.
— Estava ocupada com trabalho e estudos, mãe. Agora estou formada, livre para namorar. E sabe de uma coisa? Pensem o que quiserem. Leo vai entrar. Tomaremos café juntos. Se vocês o ignorarem, o problema será de vocês, porque ele é o homem certo para mim.
Ela aperta a mão na maçaneta da porta, o corpo visivelmente tensionado.
— Deus! Tenho vontade de te bater. — As palavras escapam, quase sem controle.
Dou uma risada curta, tentando quebrar a tensão.
— Ainda bem que sou adulta para isso. — Respondo com um sorriso que mistura desafio e serenidade.
Ela sai, batendo os calcanhares com mais força do que o habitual, e eu fico ali, congelada por um instante. O peso da situação paira sobre mim como uma nuvem pesada. Algo está prestes a mudar, e a mistura de empolgação e ansiedade me deixa inquieta.
Vou até a janela e olho para fora. O meu coração dispara. Lá está ele. O carro de Leonardo está estacionado em frente à minha casa. Uma onda de alegria me percorre, mas é seguida por um nervosismo tão intenso que sinto as minhas pernas fraquejarem.
Caminho até o espelho uma última vez. O vestido azul-marinho abraça meu corpo com um ajuste perfeito. O comprimento, acima dos joelhos, me faz sentir ao mesmo tempo, elegante e exposta. Os cabelos soltos emolduram o meu rosto, e a maquiagem discreta destaca os meus traços sem exagero.
Desço as escadas com a mala em mãos. Meu pai aparece, pegando-a sem dizer uma palavra. Seu silêncio é mais eloquente do que qualquer frase. Enquanto ele desce, fico parada por um instante, respirando fundo antes de atravessar a porta.
Ao abrir a porta, meus olhos se fixam nele. Deus! A minha respiração falha. O meu corpo inteiro reage, os pelos da nuca se eriçam. Atraído como por gravidade, meu olhar percorre cada detalhe dele.
Leonardo está deslumbrante. Os seus cabelos castanhos brilham sob a luz da manhã, os olhos verdes me atravessam com uma intensidade que me desarma. Ele está vestido de forma simples, mas impecável: calça preta de sarja, camisa da mesma cor ligeiramente aberta, revelando um vislumbre de pelos castanhos no peito. A minha boca seca. Engulo em seco, lutando para manter o controle.
Ele sorri, um sorriso que parece ter saído de um sonho. Meu coração dispara, batendo tão forte que parece ecoar no silêncio. Leonardo se desencosta do carro, seus movimentos são elegantes, cada passo exalando confiança. Tento parecer natural, mas é impossível ignorar o homem incrivelmente bonito que aceitou se passar por meu namorado.
— Oi — digo, a minha voz soando mais baixa do que o planejado. Os meus olhos buscam os dele, e sou capturada por aquele olhar, um turbilhão de sentimentos.
Ele me analisa, os olhos vagando lentamente pelo meu vestido. Posso sentir o peso de sua admiração, ainda que ele não diga nada. Finalmente, ele fala:
— Você está... diferente. Por que mudou o visual?