12 - Anthony

1039 Words
Anthony Narrando Depois de mais um dia de expediente na frente de uma boca de fumo, voltei pro meu barraco. Ali, cada detalhe precisava ser pensado. No disfarce, qualquer erro, por menor que seja, pode custar caro. Tomei um banho rápido pra tirar o cansaço e o suor do dia, mas minha cabeça já está na Serena. Me arrumei, vesti uma camiseta simples, bermuda, e coloquei o boné meio caído, no estilo que a galera do morro costuma usar. É hora de sair e fazer o que precisava ser feito. A lanchonete na praça é o ponto certo pra encontrar os vapores e as Maria Fuzil, a linha de frente da segurança do morro. Ali é onde a vida acontece, onde os negócios rolam e onde eu preciso me enturmar se eu quiser saber mais sobre a Serena. Serena é respeitada, temida, e ninguém faz nada sem ela saber. Pra cumprir minha missão, eu preciso ganhar a confiança dela, mas isso é mais fácil falar do que fazer. Ao chegar na praça, a noite já tinha caído, e o movimento era intenso. A molecada tava espalhada pelos cantos, sempre atenta, como se cada sombra pudesse ser uma ameaça. Fingi que não tava nervoso, mas meu coração batia forte. Eu tenho que agir como se aquele fosse o meu lugar, como se eu tivesse vivido ali a vida toda. Entrei na lanchonete e fui direto pro balcão. O cheiro de óleo quente misturado com o da comida de rua já era conhecido. Pedi um refrigerante, tentando parecer relaxado, enquanto meus olhos analisavam cada canto do lugar. A galera aqui já me conhece, a maioria de vista, mas ninguém sabia de onde eu venho de verdade. Pra eles, eu era só mais um vapor do morro, tentando sobreviver. Enquanto tomava meu refrigerante, observei os vapores rindo e falando alto, se gabando das últimas entregas bem-sucedidas. Era a chance que eu precisava pra me aproximar. Esperei o momento certo, quando a conversa deu uma pausa, e me virei pra Tião, um dos vapores mais antigos. Ele é esperto, do tipo que já viu de tudo, e se eu conseguir ganhar a confiança dele, talvez consiga saber mais de Serena e do índio, Tião foi vapor do índio também. — E aí, Tião, tranquilo? Tô vendo que a noite tá movimentada hoje — comentei, tentando puxar conversa sem parecer forçado. Tião me olhou de canto, avaliando. — E aí, Tony? Tá se enturmando, hein? O que te traz por aqui? Eu precisava jogar com cuidado. — Tô me adaptando, né? Faz parte. Mas, na real, queria saber mais sobre a Serena. Dizem que ela é braba, mas justa. Preciso entender como as coisas funcionam, eu tô na segurança dela, mas a Chefe nem me olha na cara. — Falei sorrindo, parecendo está leve com o assunto. Tião deu uma risadinha, como se tivesse achado engraçado o meu interesse. — Serena é firmeza, mas pra chegar perto dela, pegar a simpatia da chefe, tem que mostrar que é de confiança. Ela não se mistura com qualquer um, não, irmão. Era o que eu já esperava. Serena não se envolve diretamente com a massa. Ela delegava, comandava, mas seu poder é sentido em cada decisão tomada no morro. — E como eu faço pra ganhar essa confiança, Tião? Quero poder ajudar, tá ligado? Ele deu mais um gole na bebida, ainda me estudando. — Depende. Confiança aqui é conquistada, não é dada. Faz teu corre, se mostra útil, quem sabe alguém lá em cima não repare em você, tô falando da Serena, do Índio ou do Guerreiro. O MC é o Sub. Mas a opinião do Guerreiro pesa mais. Conversei bastante com o Tião sobre o morro. Falamos dos problemas, das rotas, dos aliados e dos traidores. Tudo que ele precisava saber. Mas uma coisa eu evitei a todo custo: mencionar o nome da Serena novamente. No final da conversa, me despedi do Tião, e voltei pro barraco, pensando em tudo que ele havia dito. Assim que entrei, fiz umas anotações rápidas sobre os pontos que achei importante. Só que no meu caso, não era tão simples. Papel e caneta não funcionam mais pra mim, muito menos manter esses registros no computador, onde qualquer um pode fuçar. Então, passei tudo pro pendrive, aquele que fica escondido no caveirão da minha moto. Esse pendrive é minha segurança, minha única garantia de que ninguém vai encontrar essas informações. E, como de costume, deletei todos os arquivos do computador, sem deixar rastro. Faço isso todo santo dia. Não posso vacilar. O cansaço já estava me pegando, a cabeça rodando de tanto pensar. Me joguei na cama e apaguei quase que instantaneamente, o sono me engolindo de uma vez. Era bom desligar um pouco, mesmo que fosse só por algumas horas. Acordei na manhã seguinte com o som do alarme ecoando pelo barraco. Segui minha rotina matinal no automático: banho rápido, me vesti e saí. Estava acostumado a essa vida, então cada passo já era quase instintivo. Meu destino era a padaria da esquina. Sempre começo o dia ali, com um café forte, daquele que faz o coração bater mais rápido e espanta qualquer resquício de sono. Enquanto tomava o café, que já esfriava no copo, ouvi a voz da Serena no rádio. Aquele som suave, mas autoritário, que sempre faz todo mundo ficar em alerta. — Tony, vem direto pra Boca. Tô te esperando aqui — ela disse, com a voz firme. Na hora, senti meu coração dar um salto no peito. Não é comum ela me chamar assim, direto e sem aviso. Deixei o café de lado e saí da padaria. O caminho até a Boca foi mais curto do que eu queria. Na verdade, pareceu que eu cheguei lá mais rápido do que o normal, como se o tempo tivesse acelerado. Assim que coloquei o pé na Boca, o MC já veio na minha direção, com aquele olhar que não entregava nada, mas que, ao mesmo tempo, parecia saber de tudo. — A Serena tá te chamando na sala, mano — ele falou, sem rodeios. Senti o estômago revirar de leve. Uma sensação que eu conhecia bem, mas que nunca conseguia controlar. Será que foi descoberto?
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