Trabalho? Que tipo de trabalho?

1159 Palavras
No dia seguinte eu vou trabalhar. Visto o meu traje para dançar. Um biquíni branco com adereços e véus presos a ele. Maqueio o meu rosto como de costume, reforçando mais a área dos olhos com uma sombra escura, lápis preto, e delineador. Hoje me parece uma daquelas noites em que absolutamente nada fica fora do lugar. Passo os olhos pelas mesas baixas nos clientes sentados em almofadas. Homens sozinhos, famílias inteiras, homens e mulheres acompanhados. Estaco quando eu o reconheço. Na última mesa à direita está sentado o meu salvador, que tem a sua atenção voltada exclusivamente para mim. Os refletores se acendem, me envolvendo, e o palco se enche de suaves nuvens de fumaça. Eu ergo os braços e coloco uma das minhas pernas torneadas para frente, algumas pessoas assobiam com o meu gesto. Assim que a música Laily Lail de Mario Reyes e Carole Samaha se inicia eu começo a dançar, mexo freneticamente as minhas pernas e quadris. Agora eu não sou mais uma mulher comum, eu visto o personagem, eu sou Khadija a odalisca. Segundo o meu chefe, é a minha dança, o meu sorriso e talento que conquistam as pessoas. Logo o público começa a bater palmas e se contagiar com a minha dança. Vestido todo de n***o, aquele homem que me ajudou destoa do local com o seu terno caro. Ele me observa quase imóvel, só se move para bebericar o seu drinque. Não percebo sinais de fraqueza, apenas força irradia deste homem. Danço mais duas músicas, Hanine Arábia e Artem Uzunov - Melody Of Heartbeat, todas elas agitadas, ao terminar já estou quase sem fôlego, finalizo o show com os braços para cima e o queixo erguido. As palmas explodem em minha direção, e eu abro os meus olhos e sorrio, me inclinando para o público dou de cara com os olhos negros daquele homem, me encarando, de forma muito séria, como se desprezasse o que eu faço. Se não gosta por que veio? Eu me questiono. Saio do palco sob fortes protestos. Logo um rapaz que toca violão e canta assume cantando uma música de Tamer Hosny Dayman Maak (sempre com você) e o público se aquieta para ouvi-lo. Sigo até o camarim improvisado e depois entro no banheiro. Tiro a roupa da apresentação e coloco a mesma roupa que eu usei ontem. Calça jeans, camiseta preta e jaqueta de couro. Entro no camarim e vejo Heloísa, ela está colocando um vestido longo para cantar logo mais. — Está quente esta noite, não acha? — Ela comenta. — Não, é esse camarim que é apertado demais. Lá fora está gostoso. Ela olha com desagrado para o seu reflexo no espelho. —Verdade. Deve ser isso mesmo. —Ela me olha e diz: — O restaurante deve estar lotado, ouvi daqui as palmas que você recebeu. — Sim, está cheio de gente. Heloisa me olha através do espelho da penteadeira e comenta: — Você está terrivelmente magra, precisa reagir. Reagir!? Não é só a perda do meu irmão que está me abatendo, minha vida também está desestruturada, isso sem contar a grande dívida que eu tenho nas costas. — Eu sei. — Respondo e sorrio tristemente. — Vai surgir alguma coisa — Heloísa diz otimista. — Você vai estar trabalhando logo, logo. —Assim espero, tenho saído na parte da manhã para entregar currículo. Com a minha vida difícil não tive oportunidade de me especializar em profissões de destaque. Então eu me candidato para todo o tipo de trabalho, de lavadora de pratos a camareira ou recepcionista. Observo a Heloisa, ela não precisa se preocupar pois seu marido tem um emprego fixo. — Bem, já vou indo. — Eu digo, encarando-a pelo espelho. O camarim é minúsculo, não há espaço para duas penteadeiras diante do espelho, o que nos obriga a revezar. Por isso eu sempre saio maquiada, os meus olhos ainda estão bem delineados e as pálpebras pintadas de cinza. A maquiagem não me deixa mais velha, eu tenho os traços delicados, as maçãs do rosto bem marcadas e o nariz afilado com a ponta levemente arrebitada. Minha pele sob a pesada maquilagem do palco é branca e macia, sem manchas, tenho lábios cheios e bem desenhados. —Se quiser tirar a sua maquiagem eu não vou me demorar. — Não, tudo bem. Pode ficar tranquila. Neste momento ouço alguém bater na porta. Resolvo abri-la e me deparo com um menino que segura um buque gigante de rosas vermelhas. —São para a Khadija. —Para mim!? —Eu pisco sem acreditar. —Obrigada. Pego as flores dos braços do garoto e fecho a porta. —Hum, temos mais um fã. —É muito comum recebermos flores, mas não tão exuberantes assim. A pessoa deve ter gasto uma fortuna! Meu coração se agita com esse pensamento. Minha intuição me diz que elas foram entregues a pedido do homem que me ajudou. Eu procuro por um cartão e o encontro preso ao papel transparente que envolve as flores. Leio silenciosamente: Khadija, A mulher traz no sorriso um verdadeiro paraíso ornamentado de flores, ela já nasceu predestinada a ser admirada. A sua apresentação foi linda. A propósito, eu sou o Rashid. Acho que não nos apresentamos direito ontem à noite. Eloisa cresce os olhos pelo tamanho do buquê. —De quem são as flores? —É de um homem que eu conheci ontem. —O cara está bem interessado em você! E ele é bonito? —Sim, muito. —Interrompo a conversa. —Eu já vou indo senão perco o meu ônibus e terei que esperar por muito tempo até que outro passe no ponto. —Claro. —Ela diz com um meio sorriso. Eu saio carregando o buquê de rosas nos braços. Elas enfeitarão um pouco a feiura do quarto alugado em que eu moro. Não sou mulher para aquele cara. O fato de ele estar presente no restaurante e me mandar flores não me envaidece, eu conheço a minha realidade. O que um cara como ele vai querer com uma mulher como eu? Pensando nisso, sigo em direção aos fundos do restaurante, passo pelo corredor e depois pela parte administrativa, logo estou na saída. Já na calçada, caminho até o ponto de ônibus, e quando já estou próximo a ele, os dois carros de ontem surgem ao meu lado e me seguem até que eu pare. Com o coração agitado vejo a porta se abrir e Rashid sair por ela. —Pelo visto gostou das flores. Eu olho para elas. —Sim, obrigada, são muito lindas... Seu sorriso me corta. Ele parece quase inofensivo. O charme e a leveza na sua voz até me fazem esquecer o quanto ele pode ser perigoso. —Você dança muito bem. Qual é o segredo para toda energia que demonstrou? —É o meu trabalho, eu levo à sério o que faço. —Eu tenho um trabalho para você. Allah! Trabalho? Que tipo de trabalho?
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