Capítulo 02

1228 Palavras
O que eu faria? Eu preferia desistir da minha vida a deixar o Consigliere me machucar, a me tocar. Mas e meus irmãos, o que seria deles depois que o nome da família fosse para a lama por minha causa? Sufoquei esses pensamentos. Eu gostaria de pensar um pouco mais em mim mesma. Eu deveria fazer isso, ser um pouco mais egoísta. Sempre me sacrifiquei por eles. Poderia me sacrificar por mim também, não é? Não seria mais problema meu, sim? Tentei me confortar com o pensamento, mas nada parecia melhorar meu pânico. A música terminou e nossos passos também pararam. Eu sabia que minha respiração estava audível, que meus olhos tinham lágrimas frescas. Não ousei olhar em direção onde estava minha família. Se eu olhasse para o rosto dos meus irmãos, ou qualquer um ao nosso redor, eu iria fraquejar, não conseguiria fazer o que pretendo. — Obrigada pela dança. — Ouvi ele dizer, e eu apenas assenti sem olhá-lo. Meus pés pareciam muito mais pesados enquanto eu andava em direção a nossa mesa com a cabeça baixa. O filho dele estava logo atrás de mim. Parei a poucos centímetros dele, e foi o outro quem disse: — Aqui está ela, senhor. Esperei pela voz dele, pela frase suja, ou por qualquer comentário que fosse embrulhar o meu estômago, mas nada veio. Será que ele estava com raiva da dança? Será que eu sofreria por isso antes mesmo de chegar ao quarto? Levantei o rosto em pânico e olhei no rosto do meu então marido, mas ele estava lá, olhando diretamente para mim, estático, congelado, nem um piscar de olhos, seus lábios estavam roxos, mais do que o normal, e suas íris opacas. Era como olhar para alguém sem alma. E ele estava sem. Ele estava morto. — Pai? — Soltei a respiração que nem sabia que estava segurando quando o rapaz, que eu nem sabia o nome, passou por mim e agitou os ombros dele, recebendo apenas silêncio em resposta, o corpo mole do pai, meu marido, deslizando pela cadeira. — Pai! Eu fiquei ali, parada, olhando para o rosto dele, que me encarava de volta como se eu fosse a culpada disso, com olhos tão frios que me assombrariam pelo resto da vida, olhos que me perseguirão em meus pesadelos. Senti meu rosto molhado, pelas lágrimas que eu estava segurando, e não tive tempo para processar nenhum pensamento sobre isso, a agitação ao seu redor só aumentou. Os murmúrios se tornaram alto, os passos apressados, os convidados estavam indo embora. — Tire ela daqui! — O rapaz disse para seus homens entre dentes, que já estavam rodeando o corpo inerte do capo. — Para onde ela deve ir? — Um deles perguntou, me encarando em confusão. Senti os olhos do mais novo em mim, me avaliando, mas eu não conseguia parar de olhar para meu marido morto. Será que Deus ouviu minhas preces? — Ela é a viúva, para onde mais? A agitação das pessoas ao meu redor era um barulho oco na minha cabeça, eu só conseguia encará-lo, só conseguia assistir enquanto os homens ao seu redor tentavam reanimá-lo, e eu me senti a pior pessoa do mundo quando eu rezei, rezei de verdade, para que ele não voltasse a vida. /-/-/ Uma sensação estranha percorreu meu corpo enquanto eu ajeitava a minha posição no enorme sofá daquela casa silenciosa. Uma casa desconhecida para mim, uma que seria minha para cuidar depois dessa noite; Não tinha certeza se as coisas ainda seriam assim. Culposamente eu rezava para que não fosse. Eu queria voltar para a minha casa, para a meus irmãos, para o lugar que eu conhecia desde que nasci, mesmo que tenha sofrido coisas terríveis lá. Fechei os olhos, respirando fundo, tentando manter meus medos afastados, afinal, eu tinha me livrado do pior m*l. O Consigliere tinha morrido e eu não precisava me deitar com ele, não precisava temê-lo, nem agora, nem nunca mais. Abri os olhos novamente, encarando os dois soldados parados ao lado da porta, congelados, como duas estátuas. Eles me trouxeram até aqui depois da ordem daquele garoto, ou homem, não sabia dizer sua idade. Eu não lutei contra isso, mesmo que quisesse, ainda estava em choque pelo o que aconteceu. Em choque de ter meus desejos atendidos. — Eu quero ir para casa. — Eu murmurei, numa altura que eu sabia que eles poderiam ouvir. Mas eles nem sequer se moveram, ignorando minha existência. — Por favor, eu quero ir para casa. — Você está em casa, Sra. Capelli. — Meu corpo tremeu involuntariamente ao escutar esse sobrenome, atingido pela realidade. — Esta é sua casa. Eu engoli minha bile, encarando o rosto duro do soldado que me respondeu. — Eu não sou uma Capelli, o Consigliere, ele… — Eu engoli em seco, desviando meu olhar, m*l conseguindo colocar essas palavras para fora. Parecia não ser real, parecia que se eu dissesse em voz alta tudo ao meu redor iria desaparecer e eu ainda veria o rosto dele sentado ao lado do meu, sorrindo pra mim. Qualquer palavra que eu quisesse dizer, morreu na garganta quando a porta se abriu e o filho dele entrou com um estrondo. Seu cabelo estava desarrumado, seu paletó aberto, mas seu rosto era sério, quase calmo, só perceberia sua tempestade quem olhasse em seus olhos, seus lindos olhos. — Saiam. — Ele disse baixo, seu tom grave, rouco, como se tivesse gritado ordens atrás de ordens por horas. Quanto tempo havia se passado? Os dois soldados saíram sem esperar por uma segunda ordem, fechando a porta atrás de si, deixando apenas eu e ele naquela sala enorme. Eu me levantei, juntando as mãos uma na outra, cheia de nervosismo, medo dançando em minhas veias enquanto eu o olhava apreensiva. — Como ele está? — Perguntei, mesmo temendo a resposta. Ele olhou na minha direção, me encarou por não sei quanto tempo e respirou fundo. Eu esperei, esperei enquanto ele andava até um canto da sala e se servia de uma bebida, esperei enquanto ele parecia perdido nos próprios pensamentos pronto para explodir, esperei porque eu sabia que sobraria para mim se eu pressionasse um pouco mais. — Ele está morto. Silêncio. Foi a única coisa que eu consegui expressar: nada. Não podia dizer que estava triste, eu não sentia nada além de repulsa por esse homem, mas não podia mostrar que eu estava aliviada. Afinal, era o pai dele quem havia morrido. — O que isso significa para mim? — As palavras penduraram na garganta quando saíram pela boca e eu recebi seu olhar afiado. Eu só queria ir embora. — O que você quer dizer? — Ele disse, não como uma pergunta genuína, mas como um desafio. — Isso vai continuar? O casamento? — Me atrevi a perguntar. Eu tinha algo a perder? Ele baixou o copo vazio até a mesa, e andou até mim, colocando as mãos nos bolsos, me fitando com intensidade. Eu não conseguia encará-lo, então baixei o olhar. — Não vai ser anulado, se é o que está perguntando. Você é uma Capelli. Queira você ou não. Eu queria perguntar mais, queria perguntar o que esperavam de mim agora que ele tinha morrido, mas preferi ficar quieta. Talvez em outro momento. — Eu não sei o seu nome. Ouvi ele respirar fundo. — Dante, me chame de Dante.
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