Capítulo 2

2278 Palavras
- Que tipo de brincadeira sádica é essa?- Virgínia cruza os braços em protesto. - Faz parte do figurino de vocês!- Explica Leila. - E por que diabos o nosso figurino precisa de galhos?- Virgínia bufou.- Vamos fazer papel de que? Curupira? Saci Pererê? - Saci Pererê não leva galho nas roupas.- Alertou Fantine. - E nem o curupira.- Completou Melissa. - Aí eu já não sei.- Fantine deu de ombros.- Não lembro o que ele costuma vestir. - Eu também não lembro.- Admitiu Melissa.- Mas com certeza não tem galho.- - Como pode dar certeza de uma coisa que não sabe?- Fantine ergueu uma das sobrancelhas. - Ora… Porque ninguém seria tão exótico a ponto de enfiar galhos nas roupas dos personagens.- Explicou Melissa. - A Leila é!.- Virgínia acusou a amiga, furiosa. - Ei! Os personagens de vocês foram amaldiçoados com chifres, e vamos precisar dos galhos para improvisar.- Falou Leila, em sua defesa. - E você tinha que me amaldiçoar junto com o Daniel? Já não é maldição o suficiente fazer o trabalho junto com ele?- Virgínia revirou os olhos, exasperada. - Achei que vocês tinham feito as pazes.- Disse Mel. - Pazes? De forma alguma. Combinamos que não vamos nos atacar durante o trabalho, mas isso não significa que vou virar amiga dele.-  E verdade seja dita, desde que acordou com Daniel sobre a possibilidade de não se enfrentarem a cada segundo no trabalho da escola há dois dias antes, eles evitaram se encontrar ao máximo, o que consequentemente resultou em uma ausência de conflitos por parte dos dois. Desde que se conheceram não tinha um só dia que não soltassem farpas um para o outro, mas finalmente resolveram dar uma trégua. Sentada na poltrona da casa de Melissa, cujo jardim usariam para ensaiar, Virgínia lembrou da sensação de sentir a mão dele tocando a sua. A pele de Daniel era morna e macia, não tinha um traço de calo, o que era quase impossível para quem se exercitava. Ela mesma possuía alguns.  - No que está pensando?- Perguntou Melissa, sentada de frente para ela, no sofá que ficava de costas para a entrada do segundo ambiente da sala.  - Em nada relevante.- Virgínia deu de ombros.- Por que não mandamos encomendar dois pares de chifres?- - Poderíamos pedir emprestado a Verônica, tenho certeza que ali tem mais do que dos pares.- Melissa abafou um risinho.  - Deus me livre. Daquela ali eu não quero nada, menos ainda o chifre.- Falou Virgínia. - Isso pode parecer engraçado, já que se trata da Verônica e sabemos muito bem que ela está tendo o karma que merece… Mas traição é algo tão… Deplorável.- Fantine parecia melancólica. O olhar dela ficou distante, perdido, como se tivesse ficado presa em alguma lembrança. Fantine teve uma experiência bastante dolorosa no início do ensino médio, e isso fazia com que ela se fechasse para qualquer possibilidade de relacionamento. Ela estava ao lado de Melissa, no mesmo sofá, que precisou lhe tocar na coxa, para que a outra saísse do seu estado de transe. - Tá tudo bem?- Perguntou Virginia. - Unrum.- Mentiu Fantine. - Vamos ensaiar três cenas hoje.- Falou Leila de repente, caminhando de um lado para o outro no espaço coberto pelo tapete aveludado que tinha entre um sofá e outro.- A da Fantine com o João, a da Melissa com o Bruno, e a do Daniel com a Virgínia. - Ah não! Não tínhamos combinado nada sobre eu contracenar com o Daniel.- - Virginia, por Deus. Vocês vão ser amaldiçoados, é lógico que vão ter que interagir.- Falou Leila, impaciente. - Não é nada de lógico. Podemos ser amaldiçoados separadamente. Pessoas de outros continentes podem ser afetadas com a mesma maldição, quanto mais em cenas diferentes.- Resmungou Virgínia. - Vocês vão ser amaldiçoados juntos e ponto! Não vou mudar o roteiro de novo.- Esbravejou Leila. - É impressão minha, ou a Leila está tentando criar pares amorosos?- Disse Melissa. - Eu só acho que vocês têm muita sintonia. Além do mais, não é como se fosse algo romântico, a Fantine me fez tirar as cenas dos beijos.- - BEIJO? Nunca na minha vida que eu beijaria o Daniel, prefiro esfregar a minha língua no asfalto quente.- - Olha que você ainda pode pagar pela língua.- Provocou Melissa. - E qual sintonia eu posso ter com ele? Só se for a mesma vontade que sentimos em esganar um ao outro.- Virgínia afundou o corpo no sofá, batendo com um dos pés no chão.  - Quando o Daniel chegar, vocês dois podem buscar os galhos no parque que fica ao lado do condomínio.- Leila ignorou os protestos da amiga. ... - Eu já te disse que isso é uma péssima ideia.- Alertou Daniel, segurando os galhos secos com as duas mãos, observando Virgínia escalar a árvore para resgatar um gato que aparentemente ficou preso, e não parava de miar. - Eu não seria c***l a ponto de deixá-lo chorando e não fazer nada.- Ela respondeu com dificuldade, se concentrando em pisar nos lugares certo. - Virginia, se esse gato cair, ele cai em pé. Já você… Vai cair como uma manga podre.- - Eu não estou pedindo a sua opinião, então se você não vai ajudar, fique quieto.- Ela trincou os dentes com raiva.- E manga podre é a sua avó! - Quer saber? Que se dane! Se cair, não me peça ajuda.- - Pode ter certeza que seria a última coisa que eu faria.-  - Eu deveria ir embora com os galhos!- - E por que não vai?- - Porque não vou te deixar sozinha trepando em uma árvore, sua maluca!- - Isso não soou nada adequado, e eu juro que se for alguma insinuação…- - Não é nenhuma insinuação. Por Deus, você não pode acreditar por um minuto que eu sou cavalheiro o suficiente para não deixar uma mulher em apuros?- - Ah, claro.- zombou a garota.- Tão cavalheiro… Em especial com as suas namoradas.- - O que quer dizer?- - Você entendeu muito bem.- - Quer saber? Não vou ficar aqui sendo ofendido, que se dane você e o maldito gato. - Já é a terceira vez que você fala isso.- Irritado com a ingratidão de Virgínia, Daniel deu meia volta para voltar ao condomínio que morava Melissa, quando ouviu um enorme estrondo no chão. Ele piscou, atônito, e se voltou às pressas na direção da árvore. Ao que parecía, o bichano de pelagem branca não ficou muito satisfeito quando Virgínia tentou segura-lo no colo e a arranhou no braço. Ela se assustou com o golpe do animal, soltando o galho grosso que usava para se apoiar. Tudo foi tão rápido, que só deu tempo de sentir a dor aguda e latejante que ardia em seu tornozelo.  - Você está bem?- Daniel correu para acudi-la, soltando os galhos no meio do caminho. - Gato ingrato! Pois que fique preso, atacou a única pessoa que estava disposta a ajudá-lo.- Se o gato entendesse o que aquilo significava, Virginia podia ter jurado que ele deu de ombros para ela. - Maldito audacioso…- Ela murmurou. - Está discutindo com o gato?- Virginia fez uma cara f**a para ele. ( Para Daniel, não o gato, embora ela estivesse furiosa com o animal também). Como se para esfregar algo na cara da garota que continuava esparramada no chão, o gato saltou entre um galho e outro, até chegar em terra firme. Foi satisfatório para Daniel vê-la boquiaberta. - Bom…- - Se disser “ eu avisei”, juro que vou…- - Não vou dizer nada. Embora que mereça por ser teimosa.- Virgínia bufou. - Venha, vou te ajudar a ficar de pé.- O rapaz segurou os dois braços dela, servindo de suporte para que ela consiga se apoiar sem cambalear. Devido a dor imensurável que sentia, o corpo quase desabou de volta por estar sem forças para encostar o pé no chão, e Daniel agarrou-a pela cintura, antes que chegasse a cair de novo. - O meu tornozelo está doendo muito.- Ela não evitou fazer uma voz de choro. Mas ainda tinha dignidade, e não choraria na frente dele. Daniel sentiu algo diferente ao perceber a vulnerabilidade da moça. Ele queria abraçá-la e fazer toda aquela dor sumir, não suportava ver ninguém chorando. Ele rezou para que ela não chorasse. - Pode deixar que eu consigo ir sozinha.- - Não, você não consegue. E vai acabar piorando o seu estado com essa cabeça dura que tem.- As mãos grandes e firmes de Daniel ainda estavam pressionadas a cintura esguia, e acidentalmente, devido ao ato brusco de agarra-la para que não caísse, o polegar dele encostava na curvatura de um dos s***s de Virgínia, o que o deixou completamente nervoso ao perceber aonde estava tocando.  Daniel jurou ter sentido o seu dedo pegar fogo.  - E-eu acho que consigo caminhar se…- - Você não vai conseguir.- Ele disse secamente, ao perceber que começou a sentir coisas completamente contra a sua natureza. Tudo que envolvia interagir de bom grado com aquela mulher era contra a natureza dele. - E o que pretende? Me carregar no colo.- - Acertou.- Cuidadosamente, ele apoiou um de seus braços ao redor do quadril, tentando não se afetar por sentir as curvas generosas das nádegas se apertarem contra seu abdômen. O outro braço ele apoiou na coxa, conseguindo uma estabilidade em sustentar o peso do corpo dela. Ela abriu os lábios com o susto, e ofegava a medida que o garoto se movia, tendo o corpo rijo com o medo de cair novamente - E os galhos?- Ela olhou para ele. - Danem-se os galhos.- Ele sentiu o corpo estremecer com o contato visual. Virginia Salsa tem um belo par de olhos verdes, e uma mancha azulada contornava uma de suas pupilas, que naquele momento, as duas bolas pretas estavam dilatas devido a exasperação da garota. E os lábios dela? Eram incrivelmente beijáveis, como Daniel nunca havia reparado neles? Talvez até tivesse, mas nunca foi surpreendido pela súbita vontade de beija-la. Os outros membros da peça estavam ensaiando no jardim, quando Daniel voltou com Virgínia no colo. Leila narrava as cenas para Fantine e João, que estavam próximos o bastante para causar um certo desconforto em ambos, principalmente nela, que resistia a qualquer contato físico muito próximo com a espécie masculina. - Aí agora vocês tocam os narizes, simulando um beijo.- Explica Leila. - Leila.- Fantine fuzilou a amiga com os olhos.- Você prometeu que tiraria as cenas de beijo.- - Era beijo técnico.- - Continua sendo BEIJO.- Vociferou Fantine. - Mas agora não! Só vão encostar os narizes, o que tem demais nisso?- Apesar de não ser um beijo, o gesto continuava muito íntimo. - Relaxa, Fan. Eu não mordo.- Brincou João, segurando o queixo da garota com suavidade para arrastar para o lado, fazendo-a olhá-lo.- É só tocar a ponta do nariz.- A última frase ele sussurrou muito próximo de seu rosto. Fantine pigarreou, se afastando a tempo o suficiente para ver Virgínia sendo carregada por Daniel. - O que aconteceu? Melissa e Bruno, que liam outros manuscritos do roteiro, viraram aturdidos para trás. Marllon já tinha corrido na direção dos dois para ajudar. - Sua amiga cabeça dura caiu da árvore e provavelmente torceu o tornozelo.- Daniel explicou á Fantine. - Vem, leve-a até o carro.- Marllon pegou as chaves que estavam no bolso, apertando no botão que destravava a porta.  - Se não fosse trágico, seria romântico.- Comentou Leila. - Romântico? Provavelmente eu vou ter que me afastar dos treinos, e sabe quem vai ser a capitã temporária? Leila engoliu em seco. - Ah… Agora não parece tão romântico, não é?- Virgínia revirou os olhos. - Por isso eu disse… Se não fosse trágico.- Resmungou Leila. ... Na manhã seguinte Para o infortúnio de Virgínia, ela teria que ficar com o pé imobilizado por pelo menos dez dias para se recuperar bem da torção. O médico liberou-a de ir ao colégio, mas teria que se locomover com a ajuda de alguém, e evitar ao máximo encostar o pé que sofreu a lesão, no chão.  As meninas se alternaram entre si para carregá-la, tentando sempre deixar o ambiente mais confortável possível, colocando uma cadeira extra ou qualquer outra coisa que pudesse manter a perna de Virgínia erguida. - O destino é mesmo muito justo.- Verônica murmurou, ao chegar bem perto do grupo das outras meninas. - Verônica... Eu estou segurando um Becker com 100% de ácido clorídrico... Você quer realmente fazer isso?- Melissa aproximou-se ameaçando as garotas ao erguer o braço para frente. - Só se você estivesse com vontade de ser presa e responder a um processo muito alto.- Ivy se interpôs entre Verônica e Melissa. - Talvez valha a pena.- Melissa esboçou um sorriso maquiavélico. - Chega, Mel. Não vale a pena perder a liberdade por essa daí.- Virgínia tocou na mão de sua amiga, virando o rosto o máximo que conseguia para o lado, dentro das suas limitações.- Não perca seu tempo tentando me afetar. - O que interessa é que eu.- Verônica apontou para si mesma.- Agora sou a capitã  - Por dez dias.- Disse Fantine. - Graças ao Daniel que a carregou no colo até o jardim da casa da Mel.- Leila não resistiu em alfineta-la. -Se não fosse por ele, a Virgínia teria forçado bastante o tornozelo para caminhar mais.-  - O que está insinuando?- Rosnou Verônica. - Eu estou insinuando alguma coisa?- Leila tamborilou os dedos no queixo, se fazendo de desentendida. Verônica pisou duro na direção contrária, saindo do laboratório.
Leitura gratuita para novos usuários
Digitalize para baixar o aplicativo
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Escritor
  • chap_listÍndice
  • likeADICIONAR