Três meses depois
– Está se arriscando vindo aqui, Vagner, está tudo bem conosco.
Vagner nos salvou, e diferente do nosso pai que nos abandonou se preocupa conosco, mas não quero abusar dele, Vagner corre risco demais vindo até aqui por mais que estejamos em um ambiente neutro.
– Sempre que possível vou vir aqui para ver vocês, sei que já vendeu metade das suas joias e as da menina Marcele também, por isso quero saber: precisa de dinheiro?
Preciso do dinheiro, mas estava pensando sobre o que Irma me falou alguns meses atrás, Jorge é muito pequeno e sente muita falta da nossa mãe, talvez o correto e o certo seja me sacrificar pelos meus irmãos, já não tenho nenhum tipo de valor. Não é como se fosse encontrar um homem que assumisse a mim e aos meus irmãos.
– Vagner, não precisa se preocupar com isso, mas quero que você saiba de algo, decidi que vou começar a me prostituir para cuidar das crianças. Não estou pedindo permissão, por mais que você tenha sido um pai para mim e meus irmãos durante todo esse tempo, mas as joias vão acabar, e não queria ter que me desfazer das joias da minha mãe, como você sabe são herança de família.
– Não! Gabrielli, não vai virar prostituta, não se depender de mim. Seu pai vai voltar e provar a inocência dele, você vai ver.
Vagner ainda acredita que meu pai é inocente e vai voltar para provar isso, só que não posso esperar mais 3 meses, principalmente porque Jorginho sente muita falta da nossa mãe, Marcelle que antes era uma menina feliz e que cantava todos os dias hoje fala muito pouco e cantar é algo que nunca mais a vi fazer.
Ela e Jorginho criaram uma relação muito próxima aonde ele a consola, e minha irmã faz o mesmo por ele, são meus irmãozinhos mais novos, acredito que a proximidade e serem mais jovens os aproximou mais do que antes. Eles vivem juntos, Marcele gosta de ficar com ele no colo e quando ela vai para qualquer lugar, tenta levá-lo, como por exemplo, quando vai tomar banho, Marcele o deixa sentado em um banco esperando por ela na porta do banheiro.
Não quero cortar essa dependência porque também estou mais apegada neles de certa forma, antes cuidava dos dois junto com a minha mãe, agora a responsabilidade dobrou, cuido deles como se fossem meus filhos mesmo nunca tendo um filho saído de dentro de mim. Irma não vem com tanta frequência aqui, ela trabalha muito no bordel, vem para buscar o aluguel e para perguntar se estamos bem, em algumas ocasiões vem comer conosco.
Ficamos a maior parte do tempo dentro dessa casa, não saímos muito, porque na realidade temos medo de que eles não tenham esquecido de nós como Vagner já disse algumas vezes. Vivo da forma que consigo, mas sei que quando as joias acabarem vou precisar procurar um outro meio de vida.
Sinto meu estômago revirar, é algo que acontece todos os dias de manhã, parece que sempre estou com uma sensação horrível no estômago, pode ser por conta da alimentação que mudou drasticamente, não sei bem o que dizer, mas sinto muito enjoo de manhã.
Marcele também não está bem, já tem alguns dias que ela vomita muito, acredito que também seja por conta da alimentação, meu irmão está bem porque decidi manter o leite que ele sempre tomava antes, por mais caro que seja, tenho medo do meu irmão adoecer do estômago como eu e Marcele.
– Vagner, não posso esperar meu pai decidir que tem três filhos e que as ações dele nos fizeram sofrer, preciso seguir em frente, tenho dois irmãos mais jovens para cuidar. Repito, não estou pedindo a sua autorização, estou apenas comunicando você de algo que vou fazer, Irma me disse que tem alguns clientes que são muito gentis, preciso de dinheiro como qualquer outra pessoa, se for preciso vender meu corpo para meus irmãos terem o que comer, vou fazer, vir aqui é perigoso para você e para nós, sei que está fazendo isso por ter nos visto crescer, mas precisa cuidar da sua proteção acima de tudo, ainda faz parte da Organização.
– Irma vem aqui e enche sua cabeça de bobagens, não é porque a vida dela foi desgraçada que a sua também tem que ser, seu pai vai voltar e vai limpar o nome da sua família, mas você precisa ter paciência, não me preocupo com os riscos e você sabe disso, além do fato de que aqui é um território neutro, entre as 5 cidades é o único lugar que ninguém pode matar ninguém sem que a pessoa saia daqui, portanto, se eu sentir que estou sendo seguido ou que posso revelar o paradeiro de vocês, venho para cá para cuidar pessoalmente da proteção de vocês.
Vagner nos conhece desde crianças, ele é o homem de confiança do meu pai e por incrível que pareça confia na inocência dele, enquanto o melhor amigo dele não fez isso, depois de um tempo Vagner descobriu o que aconteceu e nos contou. Disse que o nosso pai estava recebendo somas milionárias em suas contas bancárias dos inimigos do senhor Assis.
Não tivemos mudanças na nossa rotina financeira, meu pai continuou comprando presentes que ele já comprava para minha mãe, continuou nos presenteando e mimando Jorginho é claro, mas ele sempre fez isso com os recursos que tinha, não entendo por que ele foi trair justo o senhor Assis que sempre foi muito próximo dele, talvez meu pai seja um ganancioso que sempre nos enganou, mas agora isso também não importa.
– Tudo o que menos quero é prejudicar você, é um bom amigo, sempre cuidou da nossa família com carinho, peço que não venha mais para sua segurança também. Fique tranquilo, vou saber lidar com as situações à medida que forem acontecendo, mas por favor não venha mais, é perigoso para você, pode pensar que eles nos esqueceram, mas não acredito nisso.
Normalmente depois do que fizeram conosco, em uma situação diferente do que aconteceu com certeza eu, minha irmã e Jorginho estaríamos mortos, não sei bem o que houve para que eles não tivessem vindo atrás de nós. Pode ser por conta do casamento, sei que está próximo, eles adiaram por conta dos atentados nos armazéns, não quero saber deles, apenas quero distância daquela família, mas Vagner insiste em falar da Organização como se ainda fizéssemos parte dela.
Marcele ouviu Vagner falar sobre a questão do casamento e ficou desesperada só de ouvir o nome de Gregório, não soube muito bem dizer o que senti, afinal de contas o que Hugo era para mim? Um total desconhecido, alguém que foi treinado pelo meu pai com toda atenção, mas na primeira oportunidade não deu o benefício da dúvida a ele ou até mesmo poupou a mim e a minha família.
Percebia os olhares estranhos de Hugo, mas na minha ingenuidade imaginava que era porque olhava para todos daquele jeito, mas agora sei que não, ele me olhava de uma forma diferente, pois queria fazer m*l a mim e agora sei que não era para vigiar, mas sim porque me cobiçava de alguma forma. Não sou mais aquela i****a que não entendia o que acontecia ao redor, agora compreendo, Hugo não cumpriu apenas uma obrigação, tudo o que ele fez foi porque quis, também acredito que Gregório tenha machucado minha irmã porque também a desejava.
O que mais me abalou foi ver Teodoro, meu pai me dizia que ele estava animado com o casamento, na minha ingenuidade acreditei que ele poderia ser um bom pretendente, já que cuidava da contabilidade das famílias, mas estava enganada. Eles vivem pela Organização e respiram por ela, não têm amor por filhos ou esposa.
Para eles a Organização é a única instituição que merece respeito, portanto, Teodoro estava lá porque é fiel, não por uma noiva que nem havia oficializado o compromisso ainda. Pensando bem fui muito ingênua durante toda a minha vida, mas não foi por culpa minha, e sim por culpa dos meus pais e da vida confortável que vivia. Estando nesse cortiço que é apelidado terrivelmente de lixo, entendo que vivia uma vida fantasiosa e que não fazia sentido algum.
– Vou continuar vindo aqui sim Gabrielli, vai acabar destruindo a sua vida se continuar pensando assim, não consegui salvar sua mãe, mas vou cuidar de vocês, vou pedir para que não tome nenhuma decisão sem antes conversar comigo, não quero mandar na sua vida e entendo que não seja muito fácil lidar com toda essa situação.
Ele foi embora sem dizer mais nada, Marcele está no quarto dormindo com Jorginho, aliás eles dormem muito durante o dia, comecei a fazer o jantar quando Irma entrou sem bater como sempre, já não me importo muito com isso.
– Está cheirosa a comida, como uma bonequinha de porcelana como você aprendeu a cozinhar?
– Minha mãe me ensinou, mesmo que não fizesse com tanta frequência. Quer comer conosco?
– É lógico, vim para isso inclusive. Aliás, já pensou na minha proposta? Quero apresenta você para o judeu que manda aqui, ele está querendo algo mais fino, se é que me entende.
O judeu que ela fala se chama Jacó, é muito mau encarado, deve ter uns 35 anos, já vi ele pela janela daqui, é o único lugar que ficamos por caber eu e Marcele.
– Irma, tem quanto tempo que você trabalha com isso?
– Tem cinco anos, como falei no começo é difícil, vários homens, alguns bons, outros ruins, mas com o tempo você se acostuma, Gabrielli. Se o judeu gostar de você ficará bem, tem um certo tempo que ele não tem uma cia, e se você agradar, pode ser fixa dele, o que vai ser excelente.
Não queria pensar nisso, só de imaginar outro homem tocando em mim sinto vontade de vomitar, mas se for preciso serei de muitos sem pensar muito no assunto, já sou uma perdida mesmo.
– Não pense muito, Jorginho é pequeno, mas quando o leite caro que vocês compram for substituído pelo mais barato e o mais barato por nenhum, será horrível. Vagner não sabe de nada, ele não sabe como tudo é difícil quando se é sozinha nesse mundo, e aqui ninguém vai julgar você se vender seu corpo.
Escuto o som de Marcele vomitando de novo, ela realmente não está bem, sinto muito enjoo e dor no estômago, mas minha irmã vem sofrendo muito. Vou até o banheiro e vejo Jorginho sentado na sua cadeirinha esperando Marcele, a quem chama carinhosamente de mamãe Mar. Irma me ajuda a amparar minha irmã, ela é bruta e grossa em vários momentos, mas tem outros que se mostra solidária.
– Gabrielli, não tenho nada a ver com a vida de vocês, porém tenho que perguntar: vocês já menstruaram desde quando vieram para cá?
Não tive tempo para pensar nessa questão, estava ocupada demais, mas realmente nem eu nem mesmo Marcele tivemos nosso sangramento mensal, em nossa casa eu, mamãe e Marcele menstruávamos juntas, não havia atrasos.
– Gabrielli, vocês chegaram aqui daquele jeito estranho como se estivessem fugindo de alguém, você quer contar algo?
– Não. Vou cuidar da Marcele e terminar o jantar, pode esperar lá na cozinha, por favor?
– Vou na minha casa buscar alguns testes de gravidez, tudo bem você não querer contar, mas já vi esses sintomas várias vezes na vida, mas pode não ser, e eu torço que não seja.
Um pensamento terrível passou pela minha cabeça, mas Deus não poderia ser c***l dessa forma nos deixando em uma situação mais complicada do que já estávamos, é só um m*l-estar por conta da mudança alimentar, tenho certeza de que não há nada de errado conosco.