O novo chefe

1400 Palavras
Ísis detestava o fato de ter que ocultar coisas de sua filha, mas em situações como aquela, era estritamente necessário. Com apenas cinco anos de idade, Oli não tinha condições psicológicas de saber que, na verdade, o seu pai nunca a quis. Aquela conversa não terminou de uma forma muito justa. Ísis deu um ultimato de que Olívia deveria ir para o seu quarto, evitando continuar com a conversa, e a menina foi, tão furiosa que sequer quis descer para o jantar. Como uma tentativa de fazer as pazes, Ísis levou a refeição em uma bandeja. Precisava falar as palavras certas, precisava ter um certo domínio naquele assunto, para não dizer algo que possa ser traumático para a sua filha. Um dia Olívia entenderia as suas razões. Um dia, Olívia entenderia que o fato dela nunca tocar no nome do crápula do Felipe, foi apenas para preservar a sua infância feliz. Nenhuma criança merecia saber que havia sido rejeitada pelo próprio pai. Apreensiva, Ísis bateu na porta do quarto de sua filha. Como a menina não respondeu, ela girou a maçaneta e adentrou o cômodo. Olívia estava estirada na cama, brincando com o seu tablet. — Não estou com fome. — disse a menina, geniosa. — Que pena, porque é o seu jantar favorito. Cozido de aipim, carne e legumes. — Não pense que vai me enganar com comida. Eu te fiz uma pergunta, e ao invés de me responder, você me colocou de castigo. Isso não é justo, mãe. — Olie ficou sentada no colchão, soltando o seu tablet, ainda disposta a continuar com aquela conversa. Ísis precisou respirar fundo antes de pensar em algo que pudesse amenizar aquela situação. Ela pousou a bandeja na mesa de cabeceira, e se colocou cômoda ao lado de sua filha, sentando-se na cama dela. — É uma história muito complicada, e muita coisa você não vai entender… — Como pode saber se não tenta? Talvez eu entenda. — Olie, tudo seria mais fácil se você não me interrompesse. — Ísis usou uma voz severa antes de prosseguir. A menina prontamente ficou calada. — Bom… Vamos lá. Eu entendo que fique confusa, já que a maioria das crianças tem uma mãe e um pai. Eu nunca pretendi esconder isso de você para o resto da vida, mas achei melhor ter essa conversa quando você tivesse uma certa maturidade, quando você estivesse pronta para entender melhor. — E como você pode saber a hora certa? Isso sou eu quem devo decidir. — Você tem cinco anos de idade, Olivia, ainda não tem discernimento para decidir nada da própria vida, no máximo a cor do vestido que vai usar para ir na casa dos seus avós. Ísis referia-se aos padrinhos como os avós de Olívia, já que eles representavam exatamente aquilo para ela. — Voltando ao que estava falando…— pela terceira vez, Ísis tentou falar, já impaciente com as interrupções. — Têm certas coisas que não vou poder te explicar agora, porque realmente isso não é assunto de criança, mas o que posso te adiantar é que o seu pai não estava pronto para amar grande. Não estava pronto para amar nós duas. — E como foi que eu nasci, se não teve amor? Não acredito na história da cegonha. — Olie, eu não vou te enganar com a história da cegonha. Isso é um assunto que não tenho como explicar mais a fundo por você ser pequena, mas saiba que nem sempre é necessário amor para uma criança nascer. — Não? — Perguntou a menina, confusa. — Não. — Afirmou Ísis, antes de continuar. — O seu pai ainda não sabia o significado de amar, por isso fez o que fez.- — O meu pai não me quis? É isso? — os olhinhos castanhos de Olie ficaram marejados, com lágrimas prestes a rolar por suas bochechas. Era justamente aquilo o que Ísis queria evitar. Não queria que sua filha sofresse, mesmo que o sofrimento fosse inevitável na vida das pessoas. — O seu pai sabia que eu te esperava, mas me disse que não se sentia pronto para ser o pai que você merecia. Ao menos naquilo Ísis precisou mentir. Não queria que sua filha se sentisse inferior ás outras crianças por não ter o amor do pai. — Então um dia ele pode vim me procurar? — Olívia levou o dorso da mão para secar suas lágrimas que ainda escorriam, fungando, antes mesmo de sua mãe ajudá-la a secá-las. — Eu não sei, Olie, mas torço para que aconteça o que for melhor para você. Ouça bem…— Ísis segurou o rosto de sua filha com delicadeza, usando as duas mãos para fazê-la olhá-la— Eu te amo muito desde que soube que você crescia dentro de mim. Eu te amo por seu pai e por mim. Você é a pessoa mais importante da minha vida. — Continuou a mulher, a voz já embargada de emoção. Ela também não conteve mais as lágrimas no momento em que sua filha se jogou nos seus braços, procurando o calor da consolação. — Seremos sempre você e eu, Olie. Você e eu para tudo. — Murmurou a jovem, acariciando os cabelos loiros da garotinha. … No outro dia, Ísis chegou pouco antes de seu horário de expediente, como de costume. Já começava a trabalhar em suas novas pendências deixadas pelo profissional anterior, como: relatórios de faturamento e balancetes mensais e também demonstrativos de resultados. Estava bem atenta, focada, contando com a cafeína que ingeria do café expresso, para mantê-la bem desperta. Batidas na porta de sua sala a desviaram de sua concentração, fazendo-a ir até a porta, para ver de quem se tratava. Ainda estava com a mente saturada após a conversa difícil que teve com Olívia a respeito do pai da garota, e o seu trabalho a ajudava a afastar aquelas lembranças que a atordoavam com frequência. Ultimamente, vinha pensando bastante no passado, no último contato que teve com Felipe, antes de ir embora da cidade dos Girassóis para Rosedal. Ao girar a maçaneta, se deparou com sua chefe do outro lado da porta. Ao menos, ali, Paula a manteria ocupada demais para continuar sofrendo pelo que já aconteceu. — Doutora Paula. Algum problema? — Não. Só vim te chamar para uma reunião na minha sala. Tenho um importante comunicado a fazer, e é imprescindível que todos estejam presentes. Ísis não contestou. Ela prontamente acompanhou a sua chefe para a sala da mesma, que ficava três salas depois da sua. Aos poucos, os outros funcionários foram se reunindo, ali, e quando estava pelo menos a maioria, Paula anunciou o comunicado importante que tinha para fazer: — Meus queridos amigos, o que venho dizer aqui não é tão fácil. Afinal, encerrar ciclos para começar uma vida nova nunca é fácil. — Proferiu Paula, na cabeceira de sua grande mesa, olhando para todos que estavam ali. — É com muita felicidade que venho aqui, para dizer a vocês que estou realizando um dos meus maiores sonhos, mas também, com pesar, para dizer que estou indo embora da empresa. — Embora da empresa? — Perguntou um dos funcionários, pouco antes de um burburinho de vozes se formar. - Gente… Gente, calma. — disse Paula, fazendo com que todos se silenciem. — Ganhei uma promoção única para Londres, a oportunidade da minha vida. Vou ficar na empresa até o final do mês que vem, e em seguida, um novo CEO assumirá o meu lugar. — E você sabe quem é? — Perguntou Claire, uma das amigas de Ísis, do trabalho. — Não estou autorizada a dar informações do tipo, para evitar especulações. Mas não se preocupem, porque ele vem um dia antes de assumir. Vou apresentar cada um de vocês, e também vou precisar de ajuda para mostrar a ele como funciona a fábrica de laticínios “ Good Taste”. Enfim, é isso, e foi uma honra para mim trabalhar com cada um de vocês. Em seguida, uma série de aplausos tomou conta do local, todos eufóricos com o bonito discurso. Paula foi abraçada de um por um, e enquanto terminavam os cumprimentos, os pensamentos de Ísis estavam novamente a todo vapor. Quem seria o seu novo chefe? Torcia ao menos para que fosse tão humano e compreensível quanto Paula, ou do contrário, seria bem difícil ajustar a sua rotina de mãe com a sua rotina profissional.
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