Pré-visualização gratuita Bruna
Adelson/ Camaleão
Eu estava sentado no meu aquário. Era assim que chamava o lugar onde mata.va, torturava e resolvia problemas sujos. Se eu era um camaleão, aquele espaço era meu esconderijo. Mas será que deveria chamá-lo de aquário? Talvez fosse mais apropriado ter uma floresta, um lugar vasto e imprevisível, como eu. Mas eu não tinha uma floresta, o que eu tinha era o morro.
E agora ele estava ficando bem organizado, pronto para se tornar algo maior. Em breve, aquele lugar seria a fortaleza de Bruna, aqui a minha doce pequena ficaria protegida.
A garota chegou como um presente do destino. Foi libertada de um cati.veiro onde era mantida à força, sem escolha, sem futuro, vivia dentro de um bunker, mantida como escrava sexu@l pelo próprio pai.
O meu aliado, o capitão Nascimento a libertou, como não podia a levar para casa dele, me chantageou para que eu ficasse. No início , era um peso, mas agora, agora ele era .. Na verdade, eu não sabia explicar.. Bruna veio para o morro porque não tinha para onde ir, só por isso. Mas, com o tempo, se tornou a minha sombra.. ela era minha sombra e, ao mesmo tempo, minha luz.
Em Breve!
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Bruna
Eu me lembro bem dos meus primeiros dias no morro Nova Esperança. Cheguei com os olhos arregalados de medo, o corpo doía, e eu estava assustada, perdida em um lugar que parecia tão estranho quanto o mundo lá fora depois de tanto tempo presa.
O morro parecia um refúgio, mesmo que, por dentro, eu fosse só uma bagunça. Era como se aquela montanha carregasse, junto comigo, todos os sentimentos que moldaram os piores dias da minha vida.
Mas a dor não vinha só do tempo que passei sozinha. Ela vinha, principalmente, dele. Meu pai... Ou melhor, o homem que deveria ter sido minha prote.ção, meu abrigo, mas que se transformou no meu maior pesadelo. Um monstro frio e feroz, que me trancou naquele bunker por dez anos, arrancando de mim a infância, os sonhos e qualquer esperança que eu ainda pudesse ter.
O pior? Ele apareceu na minha vida quando eu tinha cinco anos. Parecia inofensivo, um homem da igreja, com aquele jeito calmo que enganava qualquer um. Eu nem tinha dados paternos no meu registro, e ele me adotou, colocou seu nome em mim e se tornou, oficialmente, meu pai.
Por um tempo, eu tive tudo que uma criança poderia querer. Mas logo percebi que nada daquilo era real. Ele não se importava com o casamento, pois ele era grosso, ríspido, tratava minha mãe com frieza, como se ela fosse um fardo. E agora, olhando para trás, eu entendo... ele não se casou por amor, não se casou por ela. Casou-se por mim.
Ele era um monstro que fingia ser pai. E mesmo depois de me trancar naquele maldito bunker, me obrigava a chamá-lo de "papai" — até nos momentos mais terríveis. E o pior de tudo? Eu me acostumei.
Meu único sonho era sair dali. Eu sonhava com liberdade. O cheiro de terra molhada, o gosto de comida boa, o toque da água morna de uma banheira. Sonhava com as amigas da escola, com abraços e risadas.
Mas eu não sabia, naquela época, que sonhos e realidade raramente andam juntos.
Um dia, porém, a liberdade chegou.
O meu pai acreditava ser intocável. Foi se confessar com o padre Jarbas, contando tudo, achando que, por estar diante de um homem de Deus, nada aconteceria. Mas o bom padre não ficou em silêncio e essa foi minha salvação.
O padre foi até o Morro Vai Quem Quer e contou tudo ao capitão Nascimento — o homem que cuidava do morro. Ele podia ser um trafic.ante, assim como Adelson, mas ele me salvou. O capitão, junto com o padre Jarbas e os homens dele, me tiraram daquele bunker e me entregou aos cuidados de Adelson.
O padre Jarbas... ele era especial. Arriscou tudo por mim. Quando me tiraram de lá, eu estava com uma roupa transparente, envergonhada e frágil. Ele tirou sua própria batina e me cobriu. Aquele pano foi minha primeira prote.ção verdadeira. E, naquele momento, ele me entregou a um novo protetor: Adelson.
Viver fora daquela prisão deveria ser libertador, mas o silêncio deixado pelo bunker era ensurdecedor. A falta de contato com outras pessoas fazia minha cabeça soar como um rádio fora de estação, um ruído constante que eu não conseguia desligar. Eu me perguntava por que ele me tirou o direito de sentir a vida. Por quê? Eu não era uma mulher. Eu era uma criança. E ele não tinha esse direito.
Agora, observando os outros, eu via sorrisos verdadeiros, abraços apertados, risadas que ecoavam por todos os cantos. Essas pequenas coisas cortavam o silêncio que o bunker tinha deixado em mim. Por que, para eles, era tão fácil ser feliz? Por que, para mim, parecia impossível?
O meu único refúgio era Adelson. Ao lado dele, eu podia rir, ser feliz, sem medo. E, até hoje, ser salva ainda parece um milagre.
Sobre minha mãe?
Eu tentava buscar lembranças da minha mãe. Forçava a mente a encontrar algum traço de carinho, um toque de cuidado, um momento de ternura. Mas... nada vinha. Só um vazio, um espaço em branco que eu não conseguia preencher.
Então, eu decidi esquecer, mas, mesmo com essa paz, um medo silencioso me rondava.
Eu tinha medo de ter que sair da casa de Adelson. Medo de que, um dia, ele encontrasse outra mulher, alguém que amasse de verdade, e eu precisasse partir. O que eu faria lá fora? Para onde eu iria? A ideia de perder essa segurança, mesmo que pequena, me fazia tremer por dentro. Eu não sabia como seria viver sem isso. Sem ele. Porque, no fundo, mesmo sem entender, eu sabia que Adelson era o mais perto que eu tinha de um lar.
***
Naquela noite, eu estava sentada, olhando pela janela. Já era tarde, e o silêncio da escuridão parecia mais pesado do que nunca. Eu precisava dele para dormir. Precisava da companhia dele. Mas ele não voltava, e a porta continuava fechada, enquanto o vazio dentro de mim crescia. Fechei os olhos e esperei. Uma hora depois, ele apareceu na janela.
— Faz frio, Bruna. Não pode ficar aí.
Eu o encarei, cansada, a voz saiu baixa, quase um sussurro:
— Eu esperava por você... Estou com sono, mas não consigo dormir sozinha. Quando fico sozinha, parece que ainda estou no bunker.
Ele ergueu os braços para mim, e eu pulei. A queda era baixa, mas, naquele momento, parecia que, se fosse de um prédio de cem andares, eu ainda assim pularia se ele pedisse. Eu não sabia explicar. Não entendia por quê. Mas confiava nele de um jeito tão bruto, tão cru, que me assustava.
— Eu estava resolvendo um trabalho, minha pequena, por isso demorei. — Eu senti o alívio de estar segura de novo.
Ele entrou comigo no colo e me carregou até a cama com cuidado, como se eu fosse algo precioso demais para quebrar.
— Só vou tomar um banho e já volto pra te ajudar a dormir. Está com fome?
— Não, eu comi... o lanche que você deixou.
Eu fiquei ali, esperando. O som do chuveiro ligado foi a garantia de que ele ainda estava por perto, e isso já era suficiente para acalmar meu coração inquieto.
Não demorou muito e ele voltou, de banho tomado, com aquele jeito forte que parecia dissipar qualquer medo que ainda restasse em mim.Me aconcheguei perto dele, sentindo o calor do seu corpo como um abrigo silencioso. Fechei os olhos e dormi em paz, envolvida na única segurança que eu conhecia.