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Era uma tarde chuvosa quando a torneira da cozinha apresentou um defeito grave. A água que antes fluía em um fluxo controlado, naquele momento jorrava descontroladamente, criando pequenas poças ao redor da pia, molhando o tapete de crochê branco.
Romana tentou fechar a torneira como pôde, apertando firmemente o volante, mas a torneira continuou vazando água descontroladamente.
Ela fechou os olhos para conter a irritação.
Teria que implorar ao marido para que a torneira fosse arrumada.
Por que sempre precisava implorar por ajuda?
Por quê?
Respirou fundo, pois não queria ter uma briga, só uma solução.
Antes de falar com o marido a fim de resolver o problema, Romana ainda tentou arrumar sozinha. Dirigiu-se até o portão de entrada da casa, onde o registro de água estava localizado, e o desligou com esforço, interrompendo o fluxo de água para a casa, em seguida retornou para a cozinha.
Lá, a torneira da pia continuava a pingar, uma gota de água de cada vez.
Ela esperou a água cessar de vez, então fez esforço para retirar a torneira, porque se retirasse, era só comprar outra e substituir, mas parecia que estava colada ao encanamento e não conseguiu fazer a troca.
Foi pedir ajuda a Edgar, o marido via televisão na sala, concentrado em seu programa favorito, jogo de futebol.
Ela suspirou, quase antecipando a resposta, mas não custava nada tentar.
— A torneira da cozinha está quebrada. Preciso que arrume o mais rápido possível para evitar um desperdício maior de água e facilitar as tarefas na cozinha. Preciso fazer almoço e o lanche de Tasha.
Era um esforço enorme não mostrar seu descontentamento, pois já havia reclamado várias vezes da torneira que estava pingando, causando problema na sua rotina diária.
Mas Edgar fingia não notar, porque Romana sempre resolvia tudo.
Recebeu como resposta, o silêncio.
— Edgar, a torneira — Romana repetiu.
O marido, sem tirar os olhos do jogo de futebol da seleção brasileira, respondeu de forma desinteressada:
— Ah, não se preocupe tanto com isso. A água ainda está saindo, certo? Não é tão urgente assim. Eu posso arrumá-la mais tarde, ou amanhã pela manhã.
“Ou quem sabe daqui um mês”, foi o que Romana pensou.
O próximo ano também seria bom, ou de acordo com a vontade de Edgar.
Ele nunca fazia nada que ela pedia, nunca, até mesmo trocar o pneu do carro foi obrigada aprender, porque o marido se recusava a ajudá-la com aquilo.
Quando ela trocava o pneu do carro, sempre terminava com o braço doendo e cansada, porque era uma mulher pequena, mas não tinha outro jeito, seu carro não tinha seguro e precisou aprender a se virar sozinha.
E naquele momento precisava de ajuda com a torneira, mas não conseguiria.
Romana ainda tentou argumentar sobre o conserto, mas o marido parecia não dar muita importância. Ele continuou focado em seu jogo de futebol, como se a situação não fosse da sua responsabilidade.
Frustrada e irritada, tentou outra abordagem.
Talvez, o problema fosse ela e exigisse muito dele. Talvez, precisasse demonstrar amor.
No fundo, tentava não só salvar a cozinha de um alagamento, mas também seu casamento.
— Amor, você sabe que sou péssima com consertos e não quero chamar um profissional a fim de gastar dinheiro extra quando podemos resolver. Se você pudesse consertar a torneira, ficaria muito grata.
O marido suspirou, parecendo ficar incomodado com o pedido.
— Ok, ok, vou dar uma olhada depois, mas agora estou ocupado. Não precisa ficar tão nervosa com isso.
Romana percebeu que a conversa não estava progredindo e decidiu deixar o assunto de lado. O marido só arrumava o que o incomodava e como ele não cozinhava, muito menos lavava louça, aquilo nunca o incomodaria.
Nunca!
Mas ela parecia estar sempre incomodando Edgar e não conseguiu evitar a sensação de que o marido estava evitando assumir a responsabilidade pela vida doméstica.
Era sempre assim…
Romana apertou o volante da torneira, secou o chão e colocou o tapete branco de crochê para secar. Em seguida, deixou uma jarra para que a água que gotejava caísse dentro.
Depois usaria a água para molhar as plantas.
Ligou o registro novamente, pois tinha que trabalhar com o que tinha.
*********
Os dias se passaram e a torneira continuou a desperdiçar água, causando inconvenientes na cozinha. Enquanto isso, Romana se sentia cada vez mais frustrada com a relutância do marido em resolver um problema simples.
Ela até tentou consertar a torneira mais uma vez, mas não conseguiu.
Quiçá, consertar a torneira fosse como consertar seu casamento, mas, talvez, fosse tarde demais.
Romana pensou se deveria tomar a iniciativa e chamar um profissional, mas tal decisão só aumentaria a sensação de que Edgar estava se esquivando de suas responsabilidades como marido e morador da casa. Aquilo a deixava magoada, pois era como se o marido não quisesse contribuir com o dia a dia da rotina doméstica.
Como esposa de Edgar, ela precisava pedir para que o homem fizesse cada coisa, cada tarefa de casa que ela não conseguia fazer, só que na maioria das vezes era ignorada e quando não era, ele fazia tudo com um péssimo humor, como se fizesse um favor para uma pessoa não grata.
Era a mulher dele, mas não se sentia mais assim, era como estar casada com um vegetal sem graça.
E, no fundo, tudo aquilo estava interferindo no relacionamento deles, o amor estava indo embora, até mesmo o desejo s****l, pois no fim da noite ela estava tão cansada e frustrada que se recusava a ter qualquer i********e.
Os momentos íntimos entre Romana e o marido estavam frios. Momentos esses que nos primeiros anos de casamento já não eram bons, inclusive achava que nunca sentiu um o*****o com ele, somente sozinha.
E nos últimos anos, tudo piorava, pela falta de carinho e inexistência do companheirismo diário.
Não queria mais ser tocada por Edgar.
Aquela era a verdade.
E quando se recusava a ser tocada, Edgar se virava para o lado m*l-humorado, não a abraçava, não procurava saber seus motivos e passava uma semana sem dirigir uma palavra sequer a ela.
O amor diminuía cada vez que ele agia daquela forma.
Romana sentia falta de um beijo carinhoso, ganhar chocolate, flores, sair para jantar ou, simplesmente, se deitar e ser abraçada.
Sem contar que ela queria ter ajuda no dia a dia.
Edgar poderia colocar uma mesa para o almoço ou jantar, trocar uma lâmpada, aparar a grama do jardim no fim de semana para que pudessem almoçar lá fora e trocar uma torneira.
A torneira da cozinha.
Lembrar da torneira a irritava.
Dizer um “você está bonita”, também seria uma coisa boa, mas Edgar não fazia.
Ela era só.
Olhou para a torneira novamente.
Edgar poderia arrumar aquilo sem que ela precisasse pedir várias vezes, ou regular a porta do guarda-roupa, afinal ele sabia fazer aqueles serviços, só não queria ser útil dentro da própria casa.
Seu marido também poderia fazer uma ligação e encontrar alguém que fizesse o serviço quando ele estivesse em casa, porque assim Romana se sentiria mais segura.
Mas Edgar parecia não se importar com nada, muito menos com a segurança dela e de Tasha.
E aquilo estava cansando Romana.
Naquele momento, a torneira pingava, de gota em gota, logo a pia encheria e iria transbordar, acabando com o casamento dela.