Episode: Blue Lagoon
Não foi necessário aguçar os ouvidos para estar ciente de quem entrara na sala:
O Príncipe de Malta com seu traje de dormir - que era nada menos que uma camisola de seda cinza, onde já se viu? - envolto em um roupão felpudo. Os cabelos completamente desgrenhados como quem acabou de despertar de um sono profundo - ou orgia profunda, no caso - concedia-o um ar selvagem, em compactuo com seus imensos e gélidos olhos verdes, naturalmente famintos.
Ao adentrar na biblioteca, Harry começou um andar lento sem rumo exato, quase em círculos, cercando o elegante futuro rei de Riverland.
Louis era irremediavelmente belo. E intrigante.
Harry era extravagante. E intragável.
Styles podia sentir seus pelos se arrepiando com a rala aproximação, sem de fato compreender a razão. Mas a existência daquele príncipe neutro e indiferente para a sua presença era uma afronta ao seu orgulho.
- Presumo que não tenha escutado minha pergunta.... - Harry murmurou diante ao silêncio dos olhos azuis, que filtravam-o sem julgamento ou qualquer demonstração de empolgação. - Vossa Alteza. - verberou debochado.
Louis muito embora se limitou a marcar a página que estava lendo do Odisseia e fechou o livro.
- Peço vosso perdão pela distração, não é educado de minha parte realizar uma leitura na companhia de outro cavalheiro, hum? - Tomlinson disse com sua voz serena, cordial, tratando de apoiar o exemplar em cima da escrivaninha e ceder um olhar legítimo e aguçado a Styles. - Qual foi sua pergunta, de fato?
O incômodo de sua alma energética em contraste com a tranquilidade segura do menor era perceptível. Harry m*l segurava o ímpeto de franzir o nariz pela formalidade exagerada. Qual é, eles estavam sozinhos de madrugada em uma biblioteca. Será que o Príncipe de Malta jamais abandonava a fantasia de rei?
- Uh, eu o indaguei sobre a autenticidade do uh... - Harry proferia desconcertado, em busca da retomada de sua pose insolente, que parecia afetada demais no momento para surgir. - Sobre a autenticidade do seu conhecimento a respeito da Progne.
Louis imediatamente arqueou uma sobrancelha, intrigado e um pouco confuso.
Harry prosseguiu, sentindo-se mais recuperado:
- Disse-me no jantar que entende a história das andorinhas-azuis....
Oh. Agora Harry parecia um bobo! Sua tentativa de soar prepotente e superior foi transformada em uma manifestação desnecessária.
E, mesmo trajado com uma blusa branca simples e uma calça lisa, Louis ainda parecia um elegante e austero príncipe, explicando em um tom centrado e rouco:
- Segundo a mitologia grega, Filomena era casada com o rei Tereu, com quem teve um filho. Porém, Tereu acabou se apaixonando pela irmã da esposa, Progne, o que consequentemente gerou confusão e desentendimento. Os três foram, então, castigados pelos deuses do Olimpo e transformados em aves, sendo a nova forma de Progne uma andorinha.
Aos poucos a feição de Harry foi se maliciando, até que um sorriso m*****o e desafiador bordasse a pele de porcelana polida.
- Creio que se esquece do que há nas entrelinhas, príncipe. Justo a melhor parte.
- Esqueço?
- Bom, como sabe, na mitologia grega existem muitas histórias de pessoas que foram enclausuradas ou isoladas para evitar que falassem....
Louis concordou com um aceno, visivelmente interessado.
Ele apreciava histórias.
E Harry se sentiu brevemente anestesiado por despertar algum cativo no princípe.
- A irmã de Progne, Filomena, era casada com o rei de Trácia, Tereu. Um dia Tereu foi à casa de Progne buscar-la para que visitasse o casal.
No entanto durante o regresso ao reino, ele a violou. - Styles sentou-se na quina da escrivaninha, balançando os longos dedos ao assistir a luz da lua reluzir seus anéis. - Envergonhado pelo próprio ato, o rei cortou a língua de Progne e a prendeu em uma cabana na floresta, de modo que ela nunca fosse capaz de contar o ocorrido nem escapar do cativeiro.
Louis escutava aquilo com seu rosto limpo de expressões, se estava horrorizado com a fábula, não transparecia.
- Progne costurou uma tapeçaria onde relatava todo o ocorrido, a qual eventualmente chegou na posse de Filomena. Ao descobrir a monstruosidade do marido Filomena resgatou sua irmã e ambas planejaram uma vingança.
O olhar de Harry escureceu, o canto de sua boca se arqueando em um sorriso sátiro.
- As duas mataram o filho do rei, que também era o de Filomena, e serviram-no de jantar sob a forma de um guisado, assistindo-o saborear prazerosamente. Então, vossa alteza, pode presumir o que vem a seguir?
- Os três por certo são punidos pelos deuses gregos, sendo transformados em pássaros, o que significa o silenciamento físico como castigo final. - Louis respondeu, encarando Harry no fundo dos olhos sem se intimidar ou desviar o olhar, de modo que todos o faziam por não suportar a intensidade transmitida pelo cacheado.
- Tire-me uma curiosidade, na sua opinião, por que Progne, digo, andorinhas, representariam metaforicamente o verão?
- Creio que estaria constantemente fugindo do frio, de uma forma alegórica, o qual representaria seus pecados e traumas.
- Não é estranho alguém com a capacidade de ter cometido algo tão frio buscar calor ao seu redor?
- Ela o faz justamente para se recuperar. Quentura é reconfortante.
- Abrigam-se onde sabem que estão mais aptas para brilhar?
Louis negou veementemente, balançando sua cabeça.
- Abrigam-se onde sabem que suas sombras serão incapazes de alcança-las. Deve ser o modo de encontrarem segurança.
As palavras do príncipe de Riverland tornaram-se ácido ao estômago de Harry, que as digeria atônito e um pouco frustrado.
A pose ereta de Tomlinson era igual e completamente diferente da de Styles. Enquanto o primeiro transluzia a donaire esperada de um m****o real, o segundo esbanjava arrogância crua e mesquinhez.
Apesar de ter se remoído com todo o diálogo maçante, Harry procurou reafirmar a postura condescendente, desacomodando-se da escrivaninha e se erguendo, mantendo contato visual quase opressor em Louis.
E nada, literalmente nada, parecia ser capaz de abalar a calmaria dos olhos azuis. Oh, Harry queria enfiar essa serenidade em sua b***a e muitas outras coisas também. Não reclamaria se fosse o contrário. Mas a figura do jovem de beleza primorosa ateava fogo em seu curto pavio.
E o curto pavio de Styles possuía dois fins: excitação ou ódio.
A personalidade autêntica de Tomlinson instigava ambos.
Com passos programados e sensuais Harry se aproximou-se dele, vestindo o sorriso mais lascivo com o abuso das joviais covinhas. Ele sabia que era irresistível, modéstia nunca lhe coube bem.
- Interroguei-me durante a madrugada toda se eventualmente o príncipe de Riverland apareceria para a after party. - Styles cantarolou. Era o seu jogo: demonstre-se descontraído quanto a um assunto e capte a reação que causará.
Os olhos azuis de Louis permaneciam fixos ao seu, a expressão facial não se alterando por nada. Ele não enxergava nem um pingo de excitação nas esferas azuis glaciais. Completamente displicente.
- Perdoe-me se deste por falta de minha ausência, alteza. - o moreno reverberou, passando a encarar distraído através da janela de vidro a paisagem mórbida da madrugada banhada pela lua, não mais em seu apogeu, mas ainda sombreando as árvores que ao fundo cercavam os jardins. - Infelizmente não é de meu apreço estes convites.
Harry franziu o nariz afilado, contrariado.
- Bom, com todo o respeito, seus irmãos são mais divertidos que você. Outro Tomlinson devia ter vindo em seu lugar.
- Conhece meus irmãos? - Louis indagou genuinamente curioso, inabalado pelo tom hostil que Styles usara.
- Milorde. - Harry falou debochado. - Eu conheço muita gente. Já estive em Riverland com o meu pai, comparecemos em um evento de reinos que o seu pai organizara. Seus irmãos são, indiscutivelmente, mais simpáticos que você. Alguns deles sabem aproveitar. - sussurrou a última parte, inaudível ao austero futuro rei.
A intenção de desprezo de Styles teve um efeito muito contrário do que previra:
Louis elevou minimamente o canto de um dos lábios, um pequeno sorriso lateral divertido, embora dispusesse de uma visão periférica de seu perfil - visto que Tomlinson estava entretido com o exterior do castelo - ele sabia e até sentia a diversão do Príncipe William.
- Garanto que são. - foi a réplica de Louis, inspirando fundo com a graciosidade de um anjo, expirando ao retomar o contato visual com Príncipe Edward.
Harry se sentia desarmado. Sua tentativa de rebaixa-lo foi frustrada.
Mordeu o interior da bochecha afim de conter a raiva, escurecendo um pouco sua feição de modo que a sensualidade se substituísse a uma de desejo predador.
- Sabe? Ainda é tempo de voltar atrás. - o mais alto insinuou com seu melhor tom sedutor, atrevendo-se a parar em uma distância mínima de Louis, levando seus longos dedos a relarem a costura da gola em V bufante de sua blusa branca.
O peitoral alheio parecia tão macio, e mesmo que houvesse o tecido separando-o da pele quente, Harry era capaz de sentir o calor e a suavidade advinda daquela epiderme bronzeada sob seu toque razo. Talvez este fosse o primeiro defeito de Tomlinson, esperavam que príncipes possuíssem a pele branca dos nobres europeus, já Louis diferenciava-se do padrão com sua tonalidade beijada pelo sol.
Com muita força interior o Príncipe Edward desviou seu olhar da clavícula afundada e apetitosa do moreno - considerando que só o ato da aproximação tenha extrapolado todas as etiquetas supostas em um cavalheiro - e fitou as esferas azuladas. Ou melhor, as lagoas azuis, já que Harry constatou que além da cor ser semelhante a das lagoas, eram tão frias quanto.
Seu orgulho foi imediatamente ferido.
Louis não esboçava o desejo ardente que era esperado ao realizar tal ação com qualquer ser humano que tenha hormônios.
Uma de suas sobrancelhas estava levemente arqueada, e ele o encarava um pouco confuso, um pouco descontraído e até mesmo divertido.
Mas que p***a?
- Eu não me rebaixo aos caprichos carnais, vossa alteza. - Louis disse sem falha na voz. Ela calma e tranquila. - E não se deve à questão de conduta. - explicou. A diversão em suas lagoas azuis foi substituída por certo cuidado, como se ele buscasse palavras que não fossem quebrar o ego do extravagante príncipe. - Todavia eu sou um admirador de amor cortês. E não pretendo espalhar meus dotes sentimentais para qualquer outro.
Quem ele pensava ser para achar que sua rejeição afetaria o Príncipe Harry Edward Styles? Francamente.
O moreno podia ter toda uma beleza extraordinária e singular, mas não era o único indivíduo belo deste palácio. E muito menos alguém apto para entristecer o arrogante Príncipe Edward em toda a sua majestosa glória.
E ainda mais encaixa-lo em um termo tão indigno - 'qualquer outro' - Harry não era um 'qualquer' e nunca seria.
Engolindo o dicionário de ofensas - ele precisava se demonstrar superior e inabalável - Styles revirou sutilmente os olhos dando alguns passos para trás, se afastando.
- Es.plên.di.do - disse pausadamente, forçando um riso debochado. - Temos aqui um príncipe encantado que acredita em contos de fada...
É uma pena que não passam de fábulas, querido, espero que não se machuque tanto com esta desilusão.
- Irei correr o risco. - Louis proferiu sóbrio.
- Quem sou eu para te acordar deste sonhozinho, não é? - Harry soltou uma gargalhada irônica, meneando a cabeça e murmurando com ênfase antes de desaparecer pelo corredor - Tenha uma bom final de noite, vossa alteza.