Episode: Bagunça
Louis estava devastado.
Sem rumo ou chão.
Tudo que ele pensou ser capaz de aguentar praticamente se desfocara em sua mente com um borrão n***o daquilo que foi sua manhã.
Ele ainda podia escutar os berros de Harry. Ele podia ainda ver o garoto se contorcendo desesperado, sendo agarrado à força como um animal feroz.
Isso deixava Louis cheio de náuseas e tonturas. E nem mesmo quando o pobre estudante retornou ao seu apartamento no campus ele conseguiu esfriar a cabeça.
Tudo girava. Seus pensamentos se colidiam e vozes e berros permaneciam o atormentando.
Isso era demais.
Ele não suportaria.
Talvez se optasse por uma faculdade mais tranquila e acolhedora sua mente parasse de rodar.
Ele acabaria maluco junto com todos daquele manicômio.
A pior parte deste trauma foi a culpa.
Ele se sentia absurdamente culpado pelo ocorrido, porque se Louis houvesse seguido as ordens de Zayn de se afastar de Styles, quiça o paciente de cachos chocolate não teria tido um ataque. Não teria surtado. Não teria feito Louis surtar por se sentir um completo i****a.
Ele realmente achou que seria forte suficiente para psiquiatria. Bem, claramente errou.
Louis estava bebericando seu chá da tarde ponderando sobre as formas de comunicar a sua mãe que desistiria da faculdade.
Se ele m*l pôde cuidar de Harry, quem dirá se formar no curso e cuidar de cem pacientes ao mesmo tempo.
Yorkshire Tea nunca teve um gosto tão amargo. Por mais que ele enfiasse mais e mais colheres de açúcar - esquecendo a palavra diabetes- a bebida continuava inaceitável.
Tomlinson tinha plena certeza que sua mãe pularia de alegria ao vê-lo desistindo de tudo. Ao vê-lo retornando para sua casa depois de anos estudando fora.
Seria quase paupável a alegria de Jay ao receber seu primogênito para o lugar onde ela julgava que ele nunca deveria ter saído, prosseguindo com as tarefas que jamais deveria ter deixado de fazer. Cuidar de seus irmãos. Da casa. E dela.
Tommo não compreendia se a ideia de desistir o assustava tanto quanto a ideia de recomeçar algum outro curso em que ele se encaixasse. Porque Louis totalmente acreditara que era aquilo.
Aquilo que ele se predestinara a cumprir.
Estudar o mesmo de seu pai. Se tornar um grande doutor e cuidar de pessoas com o cuidado que ele gostaria de receber.
Mas, principalmente, estar instruído profissionalmente para prestar ajuda à sua própria mãe.
Porque sim. Ele tinha se comprometido com essa meta... E de repente tudo estava desmoronando ao seu redor, arrastando-o junto ao fundo de um precipício que ele nem mesmo tinha consciência de existir.
O baque da porta principal da sala fez o de olhos azuis despertar-se daquele transe.
- Ei, Louis, o que foi?! Um tal de Zayn me contou que você retornou cedo pra casa hoje quando eu fui te procurar no seu andar? Você voltou de ônibus?
Merda.
- p***a Liam, me desculpe, cara. Eu totalmente esqueci de te avisar. Deu uma merda com Harry e fui dispensado mais cedo.
Louis fechou os olhos com força e enterrou seu rosto entre as mãos.
Seus cotovelos estavam apoiados na bancada ao que Louis se sentara em um dos banquinhos altos da cozinha.
- O que aconteceu? Parece mais é que a merda que deu foi com você e não ele. Você está acabado.
Louis riu sarcástico e triste. Sua expressão variando entre um riso fraco e um choro de desolação.
- Obrigado, buddy. Agora sim me sinto ótimo.
Liam mantinha uma cara preocupada e assim resolveu se acomodar no banquinho ao lado de Louis, servir-se uma xícara de chá e esperar que o menor o contasse sobre suas frustrações.. Pois este era Louis, o garoto que fingia implicar com Payne mas que certamente sabia que não viveria sem seu melhor amigo.
- Eu vou sair da faculdade. - Tommo confessou rapidamente. Falar isso em voz alta era como enfiar facas no próprio estômago.
Liam Payne de alguma forma preveria que era exatamente isso que Louis diria. Vantagens de se estudar psiquiatria... Você reconhece os sentimentos da pessoa antes mesmo dela os reconhecer.
Alguns suspiros vazios foram escutados naquela sala até que o maior resolveu se pronunciar a respeito.
- Não. Você não vai.
Os olhos azuis de Louis, marejados até então, se arregalaram diante a postura de seu amigo.
- Como assim, Liam? Claro que vou. Essa é uma decisão minha que eu posso afirmar que não me orgulho de ter tomado.
Tomlinson engoliu as lágrimas.
Ele não choraria.
Ele não chora.
- Então pare de ser i****a e não a tome. Se você já entendeu que não se orgulha dessa decisão, por que concretiza-la?
- Porque eu não sirvo pra cuidar de gente quando m*l aguento cuidar de mim próprio! Olha meu estado de merda. Eu to traumatizado e nem sei quando seria corajoso pra voltar pra lá. Isso poderia demorar dias!
Liam não parecia afetado com essas palavras. Ele estava convicto de que Louis estava errado.
- Que demore! Louis, você não estudou por três anos pra desistir de tudo pelo o que aconteceu em uma manhã! Tome seu tempo! Se afaste. E quando estiver pronto, encare. Ninguém nunca o disse que isso seria fácil. Realizar sonhos não é fácil. Mas pra voar ao céu você precisa criar asas.. E eu te garanto que suas asas não irão misteriosamente aparecer porque você estará abrindo mão daquilo que tanto ansiou.
Louis admitiu a si mesmo que talvez Liam possuísse razão. Ele aceitou acolher o conselho do maior.
Ele aceitou se afastar desejando que o sentimento de agonia se dissipasse dentro de seu peito conforme as horas passassem. Ele rezou pra isso.
....
Mas tudo foi em vão.
Uma semana depois Louis ainda se encontrava jogado na cama com seu cérebro o perturbando e devastando sua alma.
Era isso.
Fim.
Ele estava farto da situação portanto simplesmente atirou o edredom que o cobria para fora da cama e se levantou o mais rápido que pode.
Ele precisava se reajustar. Ele estava perdido e queria se encontrar novamente.
Pra isso, segundo sua linha de raciocínio, o primeiro passo consistia em ir até o hospital e informar de sua desistência.
Avisar Zayn e dar o fora.
Jamais pisar naquele solo novamente.
Liam já havia ido cuidar de sua paciente então não haveria ninguém para impedir Louis de acabar com essa palhaçada que ele se transformou.
Planejara absolutamente tudo.
Depois de informar dos seus planos no hospital, informaria-os a administração da universidade e principalmente seu tio, que foi quem o acolheu com uma bolsa integral.
Okay, Louis, você está poupando inocentes de serem pacientes de um doutor despreparado no futuro. É pelo bem alheio.
...
Caminhar entre aqueles corredores estava sendo uma missão impossível.
Conforme ele alcançava o andar de Harry, em que acreditava que encontraria Zayn Malik, as pernas de Louis bamboleavam.
O pequeno evitava olhar pra os lados.
Ele se sentia vulnerável como jamais se sentira.
Em sua concepção Louis era forte. Não chorava e não temia. Aceitava tudo que soava difícil como um desafio e levava consigo a célebre citação de que "Tudo é impossível até alguém ir lá e provar o contrário".
Bom... Nesse exato instante Tomlinson procurava resgatar aquela alma para finalmente dispensar essa pele fraca que habitava.
Louis encontrou Zayn no corredor do quarto de Harry.
Graças aos Céus.
Ele provavelmente parecia um zoombie com olheiras abaixo dos olhos e o cabelo desgrenhado.. Sem contar de sua roupa que não passava da blusa de pijama azul com uma calça jeans amassada.
Zayn arqueoou uma das sobrancelhas aguardando que o menor se aproximasse. Em sua mão havia a prancheta de sempre e na outra uma seringa com remédio.
Nada de novo.
Estava tudo silencioso porque essa era a hora depois do almoço que os pacientes geralmente dormiam ou ficavam fora de seus dormitórios transitando na área comum.
- Hey, quem é vivo sempre aparece. - Zayn o saldou.
Louis estranhou a simpatia em sua voz porque acreditava que Malik estaria furioso depois de desobedecer suas ordens.
- Oi. - cumprimentou de volta.
- A que devo a visita? Pretende burlar mais regras? - e pronto. Aí estava o sarcasmo usual do muçulmano que faria Louis rir e brincar mas que hoje estava o servindo para aumentar seus arrependimentos.
- Não, Zayn. - Louis proferiu ao brincar com os dedos da mão. - Eu vim comunicar minha desistência mesmo.
Malik ficou surpreso. E não necessariamente um surpreso feliz... Porque apesar de jurar que nunca confessaria isso, ele até gostava de Louis, achava-o engraçado. E por mais que estivesse irritado com o garoto no momento, ele não se animou com o anúncio.
- Ow. Você tem certeza disso? Que é o que quer?
- Sim. Eu não suportaria. É demais. É além do que eu aguento.
- Bom, se voc-
- Não, Zayn. Essa é minha escolha final, só vim me despedir de você e pedir desculpas pelo o que causei com o seu paciente.
Zayn mostrou um sorriso compreensivo e afagou as costas do menino a sua frente, com compaixão.
- Entendo. Espero que se encontre na vida, então. E não se preocupe com aquilo, foi um ocorrido. Sempre acontece, é normal. Harry foi medicado e ficou bem.
O nome "Harry" fez seu estômago se emulsificar rapidamente e ele quis fingir não ter ouvido a última parte do diálogo.
- Sim. Eu provavelmente irei retornar pra casa, em Doncaster, no final de semana e lá decidirei meu futuro... De novo.
- Boa sorte com isso, Louis, de verdade.
Louis retribuiu com um sorriso sincero e se virou para vazar dali antes que vomitasse.
Mas foi assim que enquanto se virava ele acabou deparando com a cena da porta de ferro número 302.
Bem, não haveria nada de novo se não contássemos com o par de olhos verdes imensos que espiavam entre as grades no canto central superior da porta, onde os pacientes geralmente ficavam observando o mundo afora de seus quartos, mas que não incluía Harry Styles nesse grupo, pois o garoto não tinha interesse em nada ou em fazer nada senão olhar para a parede o dia todo.
E a cena paralisou cada centímetro de epiderme de Tomlinson. Ele se congelou.
Harry encarava-o diretamente e a culpa de Louis fazia sua visão turvar-se.
Ele preferia desintegrar seus miolos e ferir suas retinas do que ir embora de lá enquanto a imagem dos globos oculares caleidoscópios cor de esmeralda polida preenchia sua mente.
Somente os olhos de Harry se encaixavam entre as grades da porta.. E esta se encaixou na lista de cenas mais cortantes que Louis teve em seu plano existencial. E ele estava assustado.. Talvez não tanto quanto Harry deveria estar, mas ainda sim assustado o suficiente para querer correr.
Por isso, para cortar a prisão mental que os olhinhos arregalados de Styles faziam em seu subconsciente, Louis engoliu seco, respirou fundo e desviou a atenção para qualquer ponto do corredor, enquanto andava apressado pelo mesmo em direção às escadas.
...
15:34.
Esta era a hora marcada no relógio de parede do escritório imenso ( aka diretoria) do prédio principal da faculdade.
Louis sentia o sabor de sangue em sua boca com o tanto que mordia sua bochecha por dentro.
- Senhor Tomlinson? - a voz da secretária resoou na sala silenciosa.
- Sim?- respondeu trêmulo.
- O diretor, seu tio, avisou que podes entrar na sala.
- Okay, obrigado.
Contou de um a dez e entrelaçou suas mãos, adentrando no ambiente que já lhe era familiar.
- Lou? - o homem de quase meia-idade e cabelos platinados sorriu ao avistar o sobrinho através de seus óculos da Armani.
Porra.
- Hey, tio.
- Como está, meu caro? Sente-se aqui na minha frente.- falou amigável.
Tommo gostava tanto de seu tio. Ele lembrava muito de seu pai e também o tratava como filho. Henry Tomlinson foi aquele que mais apoiou Louis após o acidente que tirou a vida de quem o menor mais gostava.
E ele estava prestes a decepciona-lo. Droga.
- Bom, como está Johanna? Faz tempo que não tenho notícias de minha cunhada!
- Bem. - Louis disse sem graça.
- É? Nossa eu lembro de quando ela cozinhava aquele ensopado de carne que...
Henry sendo a alma hiperativa que era começou a divagar alguma história aleatória sobre Johanna enquanto Louis tentava se concentrar no que precisava ser feito.
Olhava para todos os cantos da sala a fim de evitar manter contato visual com o tio.
Seus olhos se mantiveram fixos nas prateleiras cheias de livros daquela sala por algum instante.
Fixaram-se especificamente em um livro de capa vermelha com um conjunto de letras brancas em caps lock designando "O Médico e o Monstro".
Louis imediatamente se recordou das palavras de Harry durante seu surto.
- Louis, você está bem? Parece meio pálido. - Tommo escutou a voz de seu tio ressoando de longe, como se ele estivesse em um poço cheio de ecos.
- Yeah. Sim. O que é aquilo?- apontou para a prateleira cheia de livros. Obviamente eram livros... Mas Louis procurava algum sentido mesmo onde não existia.
- Oh, são as cópias que recebi do Hospital Psiquiátrico vinculado na uni. Eventualmente eu iria te mostrar porque deve ser do seu interesse.
- Por que receberam esse livros? Ahm?
- Ah, foi atividade passada aos pacientes há alguns anos atrás. Nós costumávamos comprar algumas caixas de livros e deixá-las disponíveis para apreciação dos pacientes. E então pedíamos que eles fizessem uma resenha sobre os livros que liam. Mas, por conta da pouca participação por parte deles, paramos com essa atividade.
Oh.
Oh.
Será?
Louis cogitou a possibilidade daquilo pertencer a Styles. Remota possibilidade.
- Por que? Quer ler algum? Pode pegar, se desejar.
Henry provavelmente estava estranhando o comportamento acuado do menino, que sempre fora cheio de energia e palavras.
Observou Louis se levantar ainda distraído e caminhar aos tropeços para perto das estantes, esticando o trêmulo braço e apanhando algum livro.
A interface do exemplar que Louis colocou entre as mãos era de "O Médico e o Monstro: Dr. Jekyll & Mr. Hyde".
Os olhinhos azuis de Louis se iluminaram. Ele gostava de ler. E aquilo estava familiar.
Era uma obra de Robert Louis Stevenson, datada de 1886, embora conservada em ótimo estado.
No rodapé havia um post it amarelo com escrita em preto "paciente 302".