Capítulo 01

1718
Raphael Hoje é o dia que comemoro cinco anos no corpo de bombeiros aqui de Porland, e estou na ativa desde cedo, por volta das dez horas a cirene toca avisando que temos um incêndio num antigo prédio na zona leste da cidade, aviso de incêndio sempre é uma tensão, nunca sabemos ao certo o que vamos encontrar. Nenhuma labareda queima sempre do mesmo jeito. E, às vezes, o pedido de socorro mais comum torna-se o caso mais complicado, o mais perigoso. Chegamos ao local e já vimos que as labaredas estavam intensas e a nossa equipe já iniciou o combate e a retirada dos moradores que ainda estavam dentro, estou tirando uma senhora idosa e seu gatinho no momento que uma grande explosão assola todo o prédio e a ordem do capitão Jeff era para sairmos e iniciar uma operação defensiva ao lado fora, após as suas ordens a senhora me olha apavorada. __ A Beatriz e sua filha estão lá dentro ainda, salve-as. __ A senhora tem certeza? Já tiramos todos os moradores, não tinha mais ninguém. Falo porque sei que nesses momentos de desespero as pessoas ficam atordoadas e às vezes não se dão conta de nada ao seu redor, mas a senhora olha em torno de todas as pessoas que estão fora observando o prédio ser consumido pelas chamas. __ Elas não estão aqui fora, vá salvá-la meu filho. Elas entraram um pouco antes de tudo acontecer, vá meu filho tire as duas de lá, não as deixe, salve-as. __ Em qual apartamento elas estão? __ No apartamento 23, quarto andar. Estão no andar mais alto, no apartamento do canto direito. Segundos depois, eu já fui ao encontro do meu parceiro Fred e o capitão em meio a multidão de pessoas que tomavam conta da calçada e da rua vendo todo aquele fogo consumir o prédio. __ Precisamos voltar. Uma mãe e sua filha ainda podem estar lá. No quarto andar, apartamento do canto. Jeff me olhou e logo depois olhou para o fogo queimando dentro do prédio. __ Sejam rápidos, rapazes e façam o trabalho com segurança. Nosso comandante nos ordenou e em seguida fez as orientações ao restante da equipe a direcionar os jatos das mangueiras para o apartamento, para tentar manter as chamas sob controle e podermos entrar e não correr tantos riscos. Juntos, Fred e eu puxamos a mangueira para dentro do prédio, colocamos nossas máscaras, os fones de ouvido foram ativados e subimos as escadas o mais rápido possível, através da espessa fumaça que pairava sobre o ar. Com a ajuda dos aparelhos para respirar, estavamos protegidos, mas uma pessoa sem esses equipamentos não aguentaria muito sem essas rajadas frequentes de oxigênio para aguentar toda aquela fumaça e fogo. Chegamos rápido até o apartamento 23, mesmo arrastando a mangueira pesada através da fumaça espessa e pelos degraus íngremes e estreitos. Tentamos abrir a porta, que obviamente estava trancada, peguei minha machadinha e gritei por sobre a máscara avisando que estava arrombando a porta, sem reposta eu imaginei se poderia ter alguem vivo ali pelo tempo que o fogo estava consumindo aquele local, mas eu não podia deixar de entrar e ver. Dei alguns golpes na porta até vê-la se mexer para logo em seguida a chutar e ela abrir e eu entrar logo em seguida.Peguei a mangueira para apagar as chamas, mas ela havia se enroscado e não ia a lugar algum, o Fred teve que descer para desenroscar, mas eu não podia ficar aguardando sem fazer nada, se havia a chance dessa mãe e filha estarem vivas eu precisava tomar uma atitude. Enquanto o Fred saiu para desenroscar a mangueira eu a peguei e mesmo não alcançando todo ambiente, eu precisava resfriar uma parte para ir em busca das duas, estou apagando as chamas quando escuto um som abafado vindo de um pequeno corredor, entro na fumaça e vou até o som e encontro uma pequena porta que acredito ser de um banheiro e não perco tempo e a arrombo, a fumaça que vem de dentro turva minhas vista, mas ainda vejo mãe e filha encolhidas na banheira. __ Vou tirar vocês duas daqui. Olho e vejo que a garotinha está desacordada. Sua mãe me olha com um olhar de súplica e tenta falar algo, mas a intensa fumaça do ambiente só a faz tossir e suas lágrimas escorrer dos seus olhos.Rapidamente eu retiro minhas luvas e verifico o pulso da pequena princesa no colo da mãe, batimentos lentos mas visivel, pego a garota de seu colo, a mãe segura sua filha e eu entendia seu medo, mas não podia permitir que seu medo me impedisse de salvá-las. Nosso olhar se firmou mais que deveria, ali eu pude ver o quanto ela amava aquela pequena garotinha, e uma sensação de que eu a conhecia há muito tempo, algo impossível já que essa é a primeira vez que a vejo, nesse cenario de guerra. __ Vou pegar sua filha e vamos engatinhar para sairmos daqui, consegue me acompanhar? Com um gesto afirmativo com a cabeça ela concorda, eu a ajudo a sair da banheira, seu corpo tremia bastante, mas sua força de vontade e sua determinação era maior que tudo, tiro minha máscara e coloco em seu rosto, ela precisava receber essa rajada de oxigênio para conseguir sairmos daqui, mas ela não aceita e coloca no rosto de sua filha, mas eu a impeço. __ Você primeiro, se não fizer isso não vamos conseguir sair daqui. Ela concorda com o que fiz e me deixa colocar a máscara em seu rosto, sua primeira inalada de oxigênio a fez tossir, retiro por alguns instantes até ela se acostumar com o oxigênio, coloco novamente e seguro suavemente até ela receber todo o oxigênio necessário. Assim que vejo que ela recebeu oxigênio o suficiente retiro a máscara e levo até a garotinha em meu colo e assim que o oxigênio chega ao seu pulmão ela se movimenta e tosse. Com as duas já estabilizadas hora de sair desse inferno quente, sem nenhuma visibilidade eu apenas olho para ela e falo. __ Vamos nos arrastar encostados ao rodapé da parede, ficaremos abaixo da fumaça e do calor até chegarmos a porta. Ela assentiu e seguimos devagar até a porta, eu levava a pequena no meu braço, mas nao deixava de observar a mãe com frequência, seguimos até a sala de estar que estava bem mais quente que no momento que eu entrei e muito mais que no banheiro, eu sempre observava a mãe com medo dela desmaiar com aquele calor intenso. Para ajudá-la eu passo meu braço livre a sua cintura e vou a puxando para sairmos, ela não me solta e isso é extremamente importante para conseguirmos sair daqui o mais rápido e nem ela e nem a menina correr mais riscos, já que eu via que ela estava tirando forças não sei de onde, sentia seu corpo fraco e o quanto estava lutando para se manter em pé e consciente. Enfim chegamos onde deixei a mangueira. __ Você está indo muito bem, agora tuso o que tudo o que precisamos fazer é agarrar a mangueira e segui-la até embaixo. Termino de orientá-la e seguro em sua mão e coloco sobre a mangueira, assim que me certifico que ela a segurou começamos a sair, fico logo atrás dela para ajudá-la, sempre erguendo-a quando suas pernas falhavam ou quando sua tosse vinha com mais força e ela não conseguia continuar por conta própria. Eu estava impressionado com a força que essa mulher tinha, atravessar todo aquele calor e aquela fumaça, para eu que estava equipado com macacão e o reservatório de ar já era complicado, eu deveria está carregando dois pesos mortos para fora do prédio, não só a criança, mas com a determinação e a força dela tudo estava fazendo a diferença entre a vida e a morte. __ Vire-se. - falo quando chegamos ao topo da escada. Vamos descer de costas. E vamos continuar nos movimentando aconteça o que acontecer. Fico atrás dela e fomos descendo os degraus, sempre atento para caso ela sentisse algo e caisse, agarrado a ela andei o mais rápido possível. __ Continue andando! Cada segundo que passava enquanto desciamos um degrau depois do outro era longo e perigoso. Eu podia sentir o quanto os degraus eram finos e gastos, e sabia que podiam despencar a qualquer momento, um predio como esse é um perigo total. Quando consegui ouvir os gritos da equipe sobre o som das pequenas explosões que pipocavam ao nosso redor decidi que era hora de correr. Fiquei em pé para descer o mais rápido que podia, com cada uma sob cada braço, tinha que ser assim ou então todos nós podiamos não consegui sobreviver. Quase no final da escada, eu finalmente consegui ver o que tinha impedido meu parceiro de voltar para cima para me ajudar com a mangueira. Uma enorme viga do teto caíra sobre o corrimão, deixando toda a área em chamas. A julgar pela água e pela fumaça que saíam, eu imaginei que o Fred tivesse se concentrado em apagar aquele fogo antes que queimasse toda a escadaria e me deixasse com as vítimas presos no andar de cima. De algum modo, eu precisava passar pela viga, mas ela era muito grande e estava muito quente para atravessar sem colocar a Beatriz no chão. Que droga! Eu não queria deixá-la ali sozinha, sujeita a qualquer coisa que pudesse acontecer enquanto levasse sua filha para fora. Graças a Deus, nesse exato momento, através da fumaça, ouvi uma voz gritando: __ Entregue-as para a gente Raphael. E, momentos depois, Fred e Jeff tiravam mãe e filha de meus braços para levá-las a um lugar seguro. E nesse mesmo instante a Beatriz que me segurava fortemente, foi me largando e o Fred a pegou do meu braço. __ A mãe acabou de desmaiar. Estava tão focado nela que esperei tempo demais para me desviar da viga em chamas, um estalo e numa fração de segundos um pedaço de teto despencou sobre minha testa, eu cai com a mesma força que a viga me atingiu e uma escuridão tomou conta dos meus olhos, e a última coisa que escutei foi o alarme de movimento do meu cinto disparar e tudo sumir ao meu redor.
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