Capitulo 02

2021
Beatriz Tudo foi muito rápido, tudo aconteceu muito de repente e só o que eu lembrava era aquelas chamas quentes, a fumaça e a Luna em meus braços e eu rezando para que conseguíssemos sair dali com vida, fazendo todas as orações para que alguém viesse nos tirar daquele inferno. Alguns flashes passam pela minha cabeça, a Luna desacordada, eu lutando para descer aquelas escadas ao lado de um bombeiro, meu salvador. Não sei se é paranoia ou todo aquele cheiro de fogo e fumaça ainda estava presente em meu corpo, sinto o cheiro de fumaça no meu cabelo e no cabelo da Luna que estava enroscada em mim. Enfim meus olhos se abriram e acordo de verdade, com um suspiro profundo, meus olhos se abrem de repente e me vejo em um quarto branco, olho para o lado e vejo uma cama ao lado da minha, está vazia porque minha pequena com certeza não quis ficar sozinha. As lembranças voltam com tudo. O fogo. Ah, meu Deus, o fogo. Eu quase perdi o meu bem mais precioso... mas não, Luna estava ali nos meus braços, segura. A puxo para mais perto de mim e nesse momento ela se mexe e abre seus lindos olhos verdes. __ Mamãe? __ Oi, meu amor. As palavras saíram secas e entrecortadas, como se tivesse engolido fogo. Na verdade, era o que realmente tinha acontecido. Eu me viro e dou um beijo na testa e na bochecha de minha princesa. __ Como está se sentindo? __ Tudo bem mamãe, mas quero que tirem essa coisa do meu braço, coça muito. __Não pode tirar meu amor. - falo e mostro o meu braço a ela. __Estamos combinando, não é mamãe. Sorri. Mas com as lágrimas que insistiam em cair, e concordei com minha pequena. __Estamos mesmo. __ Quantos dedos eu estou levantando? __ Seis. Minha pequena fala com aquele sorrisinho sapeca, demonstrando que estava brincando. __ Quatro mamãe. E eu? Quantos dedos eu estou levantando? __ Um. Falo dando um beijinho demorado na ponta de seu dedo. __ Que tal chamarmos a médica para ver se podemos ir embora? Falo e toco a campainha e não demora muito uma médica entra e pelo seu semblante está claramente satisfeita por nos ver acordadas e passando tão bem. A médica verificou rapidamente os sinais vitais, sorrindo enquanto escrevia tudo em uma prancheta em sua mão. __ Vocês são bem-vindas para ficarem um pouco mais por aqui se quiserem, mas estou feliz em dizer que nenhuma das duas apresenta quaisquer dos sérios efeitos colaterais pela inalação prolongada de fumaça, provavelmente porque são jovens e saudáveis. __ Obrigada, mas gostaríamos de ir para casa. Falo, e só depois me dou conta que não tenho mais uma casa para onde ir. Ela me olha e parece que compreende o meu pensamento. __ Tenho certeza de que gostariam de tomar banho e trocar de roupa. O hospital mantém algumas peças de roupas para pessoas na situação de vocês. Sinto muito pelo que aconteceu, mas estou feliz por estarem tão bem. Minhas lágrimas ameaçaram cair de novo. Eu estava em uma situação delicada. Como desejava que minhas situações delicadas tivessem ficado para trás. Já tinha vivido uma situação delicada a três anos atrás com Luna, com certeza sobreviveria a essa também. __ Desejo melhoras as duas e não abusem por alguns dias e voltem aqui caso tenham algum problema para respirar, crises de tosse ou se sentissem tontura e confusão mental. __ Sim senhora, é obrigado por cuidar da gente. Ela nos da um sorriso e sai nos deixando sozinhas. __ Vou tomar um banho e depois você vai meu amor. Minha pequena me olha e pega o controle remoto e virando seus grandes olhos verdes e pidões. __ Posso ver TV mamãe? Eu sempre tive a preocupação de não deixar a Luna ver muita TV durante o dia, mas na situação que estávamos eu vi que deixa-la se distrair na TV seria uma coisa boa para minha pequena neste momento. Então concordei, bagunçando seus cabelos curtos e louros antes de escorregar para fora da cama. __ Só um pouquinho. __ Oba! Obrigado mamãe. Sigo ate o banheiro, precisava de um bom e relaxante banho, estava feliz por saber que a minha pequena era muito forte e ficaria bem, mesmo depois de tudo que passamos. Ligo a ducha na água morna e deixo a água cair por sobre meu corpo tirando as manchas pretas da fumaça de minha pele e naquele momento eu não tinha ideia de quanto tempo levaria para me sentir bem também, para superar toda essa situação. Não tinha como me sentir bem, não com as visões do que poderia ter acontecido passando pela minha cabeça, uma após a outra, imagens mentais da dura experiência pela qual tinhamos passado, manchadas pelos contornos escuros de uma nuvem espessa e n***a, o fogo e a fumaça que não saiam da minha mente. Mas, em meio a tudo isso eu não deixava de lembrar do bombeiro que tinha nos resgatado do apartamento em chamas, ele arriscou a sua própria vida para salvar a minha e da Luna. Assim que estiver recuperada vou ir encontrá-lo. Não só para agradecer-lhe, mas para encontrar uma maneira de recompensá-lo pela dádiva fantástica que ele nos deu, a valiosa dadiva da vida, quando a morte esteve tão perto de nós. Fecho meus olhos na vã tentativa de manter as visões dolorosas de tudo que passamos de lado, ergui meu rosto e deixei que a água lavasse as lágrimas de choque e alegria por poder viver outro dia com a garotinha que significava absolutamente tudo em minha vida. Deixo todos os pensamentos de lado e termino meu banho, me troco e volto ao quarto, encontro uma pequena bem concentrada no desenho passando na TV. __ Hora da mocinha tomar banho. __ Deixa assistir só mais um pouquinho mamãe. __ Não meu amor, hora do banho temos que ir embora. __ Está bem mamãe. Ela se levanta e pega suas coisas e segue para tomar seu banho para irmos embora. _____________________________________ Todos os procedimentos feitos no hospital enfim fomos liberadas, saímos e mesmo depois de tudo vejo que minha pequena já havia recuperado sua personalidade normal e cheia de energia, eu queria poder ser assim e me recuperar com a mesma rapidez, mas não é possível. Após a saída do hospital fui até a seguradora para assinar o papéis para pelo menos reaver o valor do seguro depois que fizessem a vistoria, é claro. Até lá, me deram dinheiro suficiente para sobreviver durante um tempo até que eu pudesse contatar meu banco e pedir novos cartões de débito e crédito que foi consumido pelo fogo. Fizeram também uma reserva num hotel perto do hospital até eu conseguir resolver tudo e encontrar um novo lugar para morar com a Luna. Ainda não avisei meus pais sobre o que aconteceu, preciso comprar um celular novo para dar essa notícia a eles sem provocar um ataque cardíaco nos dois, queria muito poder vê-los, sentir seus braços calorosos ao meu redor, mas, ao mesmo tempo..bem, não estava ansiosa por uma repetição do que ocorreu três anos atrás, quando o Marcus morreu. Isso seria mais um motivo para rever a pressão dos dois para que eu voltasse com a Luna para a pequena cidade onde eu cresci. Mas, isso não iria acontecer. Já tinha passado por tantas coisas e eu tinha orgulho de mim mesmo por está criando a minha filha sozinha e, independentemente da opinião dos meus pais, eu havia aprendido as lições sobre segurança perfeitamente bem. Os homens com quem eu namorei nos últimos dois anos eram contadores, professores, so profissões que não tinha nenhum risco, nunca mais cometeria o mesmo erro de novo, de me entregar a um homem que vivesse correndo riscos, que corria em direção ao perigo em vez de fugir dele, como qualquer pessoa prudente e sensata faria. Deixando esses pensamentos de lado segui com Luna até uma lanchonete e comprei dois sanduíches e comemos, na verdade minha pequena comeu tudo com muito gosto, eu apenas belisquei, não estava com vontade de comer. __ Hoje só vamos comprar algumas roupas necessárias meu amor. __ Mas vamos precisar comprar um monte de outras coisas não é mamãe? __ Sim meu amor. Como eu era grata a Deus por ter uma filha maravilhosa que estava feliz por comprar roupas novas do que triste por perder as antigas no incêndio, experimentamos várias roupas e colocamos no carrinho para pagar, na fila eu me lembro que minha pequena havia perdido tudo, suas roupas, e principalmente sua boneca. Mesmo sabendo que o dinheiro que recebi tinha que ser gasto cautelosamente, eu retirei algumas peças de roupa e depois de pagar fui com a Luna até uma loja de brinquedos. __ Olha meu amor, acho que devem ter bonecas Cinderela aqui. __ Você é a melhor mãe do mundo! Enquanto a Luna corria pelo corredor para pegar a boneca, um filme passou na minha cabeça e as lágrimas ameaçando cair novamente. Quando estávamos presas na banheira, eu esperei e rezei para que eu e a Luna pudéssemos viver para desfrutar de algo tão comum quanto fazer compras juntas, mas, à medida que o fogo ficava cada vez maior e mais quente, à medida que as sirenes tocavam cada vez mais alto sem que ninguém viesse nos resgatar, naquele momento eu quase perdi a esperança. Sequei as lagrimas que insistiam em cair no mesmo momento que minha pequena vinha toda sorridente com sua boneca nova em folha eu sabia que tinha muito a aprender com o rostinho sorridente da minha filha, com a felicidade com algo tão pequeno quanto uma linda boneca. Nós duas perdermos tudo, mas ainda tínhamos uma a outra e a única coisa que eu queria nesse momento era ter um quarto e uma cama quentinha para abraçar e dormi coladinha com minha princesa. Assim que chegamos ao hotel, já encontramos a dona Ruth nossa vizinha. __ Beatriz, Luna, graças a Deus que estão bem! Ela já nos agarrou para um abraço e mais uma vez, as lágrimas ameaçaram cair e mais uma vez tive que segurar a respiração e me concentrar para não deixar as lágrimas caírem. Eu normalmente não era uma mulher chorona, não me permitia cair em lágrimas até mesmo após a morte do Marcus. Na época, estava muito ocupada tentando cuidar da Luna que estava com quatro anos, tentando manter meu emprego, tentando colocar comida na mesa e um teto sobre a cabeça, tentando lidar com a pressão dos meus pais para me fazer voltar para casa deles imediatamente e não sair de lá nunca mais. __ Quando eu disse ao bombeiro que vocês estavam lá dentro, ele correu direto para salvá-las. Durante as últimas horas, volta e meia o meu cérebro trazia de volta o bombeiro que tinha nos resgatado na banheira, a voz firme e confiante dele lhe passando instruções. A pele, os músculos e os meus ossos ainda sentiam a sensação-fantasma das mãos dele, da força com que ele me ergueu, moveu e empurrou a Luna e eu em direção a um lugar seguro. __ Ele tinha acabado de ajudar a mim e ao Tim a chegar até a calçada quando olhei em volta e percebi que você e a Luna não estavam lá com o restante de nós. __ Muito obrigada. Se não tivesse dito a ele... __ Aquele bombeiro foi um verdadeiro herói minha filha. Não queriam deixar mais ninguém entrar no prédio, mas ele não hesitou em correr lá dentro para salvar vocês. Só espero que esteja bem depois do que aconteceu com ele. __Ele se machucou? __ Sim. Eu não conseguia me lembrar de nada depois que tinham descido as escadas. __ Ele se machucou muito? __ Tiveram de carregá-lo para fora em uma maca depois que vocês duas foram salvas. Naquele momento me senti exatamente da mesma maneira quando estava presa na banheira: como se m*l pudesse respirar, como se a escuridão me encobrisse novamente, saber que meu salvador quase perdeu a vida para salvar a minha e a da Luna.
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