Story By Uva
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Uva

bc
bom
Updated at Jul 28, 2022, 23:28
O voo do jika O Jika era o mais novo da minha rua. Assim: o Tibas era o mais velho, depois havia o Bruno Ferraz, eu e o Jika. Nós até às vezes lhe protegíamos doutros mais velhos que vinham fazer confusão na nossa rua. O almoço na minha casa era perto do meio—dia. Às vezes quase à 1h. Ao 12h15min, o Jika tocava à campainha. O Ndalu tá? — perguntava à minha irmã ou ao camarada António. —Sim, tá. —Chama só, faz favor. Eu interrompia o que estivesse a fazer, descia. —Mô Jika, comé? —Ndalu, vinha te perguntar uma coisa. —Diz. —Hoje num queres me convidar pra almoçar na tua casa? —Deixinda ir perguntar à minha mãe. Entrei. O Jika ficou ansioso na porta, aguardando a resposta. Quase sempre a minha mãe dizia sim. Só se fosse mesmo maka de pouca comida, ou muita gente que já estava combinada para o almoço. Se a avó Chica viesse, ia trazer também a Helda, e assim já não ia dar. Mas normalmente a minha mãe dizia mesmo “sim”. E ficava a rir. —A minha mãe disse que podes. —Ah é? — ele pareceu surpreendido. — E a que horas é que vocês vão almoçar? —Ao 12h30min, Jika. —Então vou pedir na minha mãe. Deixei a porta aberta. O Jika devia voltar sem demora quase nenhuma. Gritou contente, cá de baixo, na direção da janela do quarto da mãe dele: —Maaaaãe, a tia Sita me convidou pra almoçar na casa dela. Posso? —Podes. Mas vem mudar essa camisa suada. O Jika deu uma esquindiva, fingiu que já tinha mudado, veio a correr numa transpiração respirada. Contente. Olhos do miúdo que ele era. Fosse o melhor programa da semana dele. E eu, mesmo miúdo candengue, fiquei a pensar nas razões do Jika não gostar nada de almoçar na própria casa dele. O Jika estava habituado à muita gasosa. Nesse tempo, se houvesse gasosa na minha casa era para dividir. Como éramos três, eu e duas irmãs, quando o Jika vinha almoçar, até a divisão corria melhor. Ele por vezes queria fugir desse ritual: —Tia Sita, posso beber uma gasosa sozinho? —Sozinho, bebes na tua casa — a minha mãe respondeu. — Aqui divide—se. Depois do almoço, o Jika disse que ia à casa dele buscar “uma coisa”. Eu fiquei à espera, no portão aberto. Prometeu não demorar. Voltou com a tal coisa escondida debaixo do braço, e entramos rapidamente na minha casa. Subimos ao primeiro andar, fomos até ao quarto da minha irmã Tchi, e saltamos da varanda para uma espécie de telhado. Aproximamo-nos da berma. Lá em baixo estava a relva verde do jardim. O Jika abriu um muito, muito pequenino guarda—chuva azul. —Põe a mão aqui — ensinou—me. — Agora podemos saltar. —Tens a certeza? — olhei para baixo. —Vamos só. Saltamos. A infância é uma coisa assim bonita: caímos juntos na relva, magoamo—nos um bocadinho, mas sobretudo rimos. O Jika teve outra ideia. —Calma só, mô Ndalu. Vou na minha casa buscar um maior. —Não, Jika, desculpa lá. Vais saltar sozinho, eu já num vou saltar mais de guarda—chuva. —Nem num bem grande que tenho, daqueles da praia, antissol e tudo, colorido tipo arco—íris? —Nem esse! O Jika ficou desanimado. Sem outras propostas para brincadeiras perigosas, decidiu ir para casa. Ao cruzar o portão, falou ainda: —Posso te perguntar uma coisa? —Diz, Jika. —Amanhã num queres me convidar pra almoçar na tua casa? A televisão mais bonita do mundo Sempre que era para ir a algum lugar de demorar, o tio Chico dizia que íamos à “casa andeia”. Nunca percebi aquilo. Era uma dica dos mais velhos. Nem mesmo a tia Rosa fazia só o favor de me explicar. Nada. Todos riam e eu apanhava do ar. Nessa noite o tio Chico falou: —Dalinho, vamos à casa andeia. Deviam ser umas 7h da noite e fazia frio de cacimbo fresco. Isso da “casa andeia” muitas vezes era então ficarmos sentados num bar com os mais velhos a beber um monte de cerveja e a comer quase nada. Se havia outras crianças eu ainda ia brincar, mas normalmente nem já isso. Os homens conversavam, a tia Rosa também bebia, ficava muito tempo calada. Eu brincava um pouco se houvesse jardim ou mesmo rua. Depois sentava—me no colo da tia Rosa e começava a “encher o saco”, como dizia o tio Chico. Começava a perguntar se já íamos embora, dizia que tinha sono e fome, só me respondiam que estava quase a chegar a hora de irmos. E vinham mais cervejas. Muitas mais. A cerveja era a bebida preferida do tio Chico. A cerveja em muita quantidade, para dizer bem as coisas. O tio Chico era uma pessoa que podia beber muita cerveja e não ficava bêbado, podia mesmo conduzir o carro dele nas calmas. Só não podia misturar. Um dia o tio Chico misturou vinho e uísque e depois mandou parar o carro que o filho dele ia a conduzir, começou a me abraçar e a falar à toa. Eu fiquei com vontade de chorar mas a tia Rosa veio me dizer que aquilo era normal. Mas se fosse só cerveja, acho que ninguém aguentava o tio Chico. Um dia, num desses lanches de fim de tarde, enquanto eu comia, ele, o amigo dele e a tia Rosa varreram assim uns 39 copos de cerveja. Desta vez o tio Chico disse que íamos à “casa andeia” mas era só a brincar. No caminho eu ouvi ele
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bc
good morning
Updated at Jul 28, 2022, 20:49
O Jika era o mais novo da minha rua. Assim: o Tibas era o mais velho, depois havia o Bruno Ferraz, eu e o Jika. Nós até às vezes lhe protegíamos doutros mais velhos que vinham fazer confusão na nossa rua. O almoço na minha casa era perto do meio—dia. Às vezes quase à 1h. Ao 12h15min, o Jika tocava à campainha. O Ndalu tá? — perguntava à minha irmã ou ao camarada António. —Sim, tá. —Chama só, faz favor. Eu interrompia o que estivesse a fazer, descia. —Mô Jika, comé? —Ndalu, vinha te perguntar uma coisa. —Diz. —Hoje num queres me convidar pra almoçar na tua casa? —Deixinda ir perguntar à minha mãe. Entrei. O Jika ficou ansioso na porta, aguardando a resposta. Quase sempre a minha mãe dizia sim. Só se fosse mesmo maka de pouca comida, ou muita gente que já estava combinada para o almoço. Se a avó Chica viesse, ia trazer também a Helda, e assim já não ia dar. Mas normalmente a minha mãe dizia mesmo “sim”. E ficava a rir. —A minha mãe disse que podes. —Ah é? — ele pareceu surpreendido. — E a que horas é que vocês vão almoçar? —Ao 12h30min, Jika. —Então vou pedir na minha mãe. Deixei a porta aberta. O Jika devia voltar sem demora quase nenhuma. Gritou contente, cá de baixo, na direção da janela do quarto da mãe dele: —Maaaaãe, a tia Sita me convidou pra almoçar na casa dela. Posso? —Podes. Mas vem mudar essa camisa suada. O Jika deu uma esquindiva, fingiu que já tinha mudado, veio a correr numa transpiração respirada. Contente. Olhos do miúdo que ele era. Fosse o melhor programa da semana dele. E eu, mesmo miúdo candengue, fiquei a pensar nas razões do Jika não gostar nada de almoçar na própria casa dele. O Jika estava habituado à muita gasosa. Nesse tempo, se houvesse gasosa na minha casa era para dividir. Como éramos três, eu e duas irmãs, quando o Jika vinha almoçar, até a divisão corria melhor. Ele por vezes queria fugir desse ritual: —Tia Sita, posso beber uma gasosa sozinho? —Sozinho, bebes na tua casa — a minha mãe respondeu. — Aqui divide—se. Depois do almoço, o Jika disse que ia à casa dele buscar “uma coisa”. Eu fiquei à espera, no portão aberto. Prometeu não demorar. Voltou com a tal coisa escondida debaixo do braço, e entramos rapidamente na minha casa. Subimos ao primeiro andar, fomos até ao quarto da minha irmã Tchi, e saltamos da varanda para uma espécie de telhado. Aproximamo-nos da berma. Lá em baixo estava a relva verde do jardim. O Jika abriu um muito, muito pequenino guarda—chuva azul. —Põe a mão aqui — ensinou—me. — Agora podemos saltar. —Tens a certeza? — olhei para baixo. —Vamos só. Saltamos. A infância é uma coisa assim bonita: caímos juntos na relva, magoamo—nos um bocadinho, mas sobretudo rimos. O Jika teve outra ideia. —Calma só, mô Ndalu. Vou na minha casa buscar um maior. —Não, Jika, desculpa lá. Vais saltar sozinho, eu já num vou saltar mais de guarda—chuva. —Nem num bem grande que tenho, daqueles da praia, antissol e tudo, colorido tipo arco—íris? —Nem esse! O Jika ficou desanimado. Sem outras propostas para brincadeiras perigosas, decidiu ir para casa. Ao cruzar o portão, falou ainda: —Posso te perguntar uma coisa? —Diz, Jika. —Amanhã num queres me convidar pra almoçar na tua casa?
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